Obrigado!

Não é fácil elogiar, acarinhar e reconhecer o mérito de quem outrora foi poderoso e teve a faca e o queijo na mão, agora que se vê a braços com atribulações as mais várias e de naturezas distintas – desde as investigações policiais, passando por dificuldades financeiras, até à perda de reputação e credibilidade (intelectual, de carácter e política), discutida e atingida, quotidianamente, na imprensa e nos meandros judiciários.

Esse é, pois, o papel que me proponho fazer a respeito de José Sócrates. Mais do que elogiar – quero agradecer. É que não fora o seu empenho, quer público, quer publicado, no âmbito da estratégia de defesa que adoptou quanto aos crimes que lhe são imputados, e nunca nos seria revelada uma paleta de verdades que ninguém supunha. Obrigado, pois, José Sócrates.

Obrigado por nos mostrar que um primeiro-ministro de um país democrático pode ambicionar (e quase concretizar) tornar-se um soberano total, abrangente, real. Enfim, completo.

Obrigado pelos seus contributos para o aprofundamento da filosofia (ao qual não pude infelizmente ter acesso, porque sempre que tentei adquirir um exemplar dos seus livros estavam todos esgotados). Obrigado também por demonstrar  que nada há a censurar na venda explosiva de livros de filosofia – a vaidade, afinal tão comum em “todos os políticos”, explicará esse fenómeno.

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Obrigado por nos revelar o maravilhoso e deslumbrante mundo dos arrondissements e dos restaurantes mais cintilantes de Paris. Sem esse esforço, para sempre se manteria impenetrável aos nossos olhares esse universo glamouroso.

Obrigado por nos iluminar o caminho mais curto para obter um grau académico numa Universidade Portuguesa – é um importante tributo ao valor da eficiência, para além de nos recordar, a todos, a relevância da injustamente esquecida disciplina de Inglês Técnico. Thank you very much!

Obrigado por nos ensinar que o sistema judicial, que os magistrados, que as polícias – que a própria lei! – são iníquos, obedecem a propósitos obscuros, conspirativos, persecutórios  e insondáveis e que agem sempre a soldo ou em conluio com interesses difusos e métodos maléficos, que servem para tudo excepto para fazer justiça. Só assim nos apercebemos da dimensão da falácia de que falamos quando falamos de “justiça” em Portugal. Só assim ganhamos consciência de que o Estado de Direito afinal é um faz-de-conta.

Obrigado por nos inspirar e por nos demonstrar como se devem pôr no sítio os magistrados e os investigadores, para o caso de um dia precisarmos de o fazer. Ficámos a saber que podemos gritar com eles, destratá-los à vontade, imputar-lhes manhas e outros vícios, apoucá-los e rir-nos deles. Tudo impunemente.

Obrigado por demonstrar que não há mal nenhum em viver com dinheiro emprestado e por nos recordar o valor da amizade, tão antiquado e caído em desuso. Já muitos glosaram e gozaram com as suas amizades, restando-me, a mim, apenas invejá-las. Amigos como os seus – ou como, coincidentemente, os de Ricardo Salgado, movidos por um ímpeto de liberalidade nunca visto – não há por aí aos pontapés. Conserve-os por muitos e bons anos!

Obrigado por pôr a nu o desconforto dos políticos e dos partidos em lidar com acusações de corrupção a um dos seus. Ninguém reage, ninguém separa as águas claramente; ninguém se demarca, ninguém se compromete. Governo, PS, parceiros de esquerda e mesmo políticos de outros quadrantes – calados, indiferentes, incomodados. Todos cúmplices.

Obrigado, José Sócrates, em suma, pelo serviço que prestou à democracia e a Portugal. Iremos dever-lhe muito durante muito tempo.