1 Se qualquer turista do leste europeu tivesse a possibilidade de visitar Lisboa e o Porto durante este fim-de-semana teria apanhado um susto e pensado que tinha regressado ao tempo da Cortina de Ferro e do Pacto de Varsóvia — tal era o número avassalador de bandeiras vermelhas do Partido Comunista Português (PCP) espalhadas de forma impactante na Avenida dos Aliado (Porto), na Praça do Município (Lisboa) e Marquês Pombal (Lisboa). Além da constatação da excentricidade portuguesa por ainda ter um partido dito comunista, ficaria com a estranha sensação de também ele, como os seus pais e avós, se arriscava a passar forme e a ser perseguido, torturado e morto se tivesse a infelicidade de viver em Portugal.
Esse é o significado da bandeira vermelha da foice e do martelo para milhões de polacos, húngaros, checos, eslovacos, romenos, búlgaros, ucranianos, letões, estónios, lituanos, sérvios, croatas, bósnios ou moldavos (e muitos outros africanos, asiáticos e americanos): ditadura, opressão e (muita) fome.
A vergonha para a democracia portuguesa é ainda maior — e a constatação do nosso atraso cultural reforçadíssima — quando há menos de dois anos o Parlamento Europeu aprovou com mais de 80% dos votos uma resolução em que equiparou o nazismo ao comunismo. Um breve resumo do texto integral:
- milhões de europeus de leste “permaneceram sob ocupação soviética e sob ditaduras comunistas durante meio-século e continuaram a ser privados de liberdade, soberania, dignidade, direitos humanos e desenvolvimento socioeconómico”.
- enquanto os nazis foram julgados pelo processo de Nuremberga, o mesmo não se passou com os comunistas. Há “uma necessidade urgente duma plena sensibilização e duma avaliação moral e jurídica dos crimes perpetrados pelo estalinismo e pelas ditaduras comunistas:”
- É de “uma importância vital” que os “crimes cometidos pelas ditaduras comunistas, nazis e outras” sejam equiparados.
- O Parlamento Europeu “condena veementemente os atos de agressão, os crimes contra a humanidade e as violações em massa dos direitos humanos perpetrados pelos regimes totalitários nazi e comunista”.
Estes factos históricos básicos tiveram o apoio de 535 votos das bancadas dos Socialistas & Democratas (PS), Partido Popular Europeu (PSD/CDS), dos Liberais, Verdes e a oposição de apenas 66 votos. Sendo que aqui a declaração de voto contra da eurodeputada comunista Sandra Pereira comete a proeza de omitir os crimes contra a humanidade cometidos por Estaline e os seus sucessores.
2 O PCP sempre apoiou canina e fielmente o diktat de Moscovo, sendo que os seus principais dirigentes não podiam ignorar, como não ignoravam, as práticas criminosas seguidas pela União Soviética. Basta ler o livro “Cortina de Ferro” de Anne Applebaum sobre a forma como os soviéticos decapitaram a seguir à II Guerra Mundial todas as resistências não comunistas na Hungria, Polónia, Checoslováquia e Ucrânia — perseguindo e matando centenas de milhares de pessoas que tinham cometido o pecado de não serem comunistas. O símbolo dessa matança é o massacre da floresta de Katyn — que curiosamente ocorreu quando os soviéticos invadiram a Polónia pela primeira vez em 1939 na sequência do pacto Molotov/ Ribbentrop entre os comunistas e os nazis.
Basta ler a biografia “Estaline – A Corte do Czar Vermelho” de Simon Sebag Montefiore para observar a loucura sanguinária, a barbárie, a perfídia e o deboche da corte estalinista que decidia quem morria e quem vivia. Como milhões de ucranianos que morreram à fome porque simplesmente Estaline decidiu retirar-lhes as colheitas para subjugar os nacionalistas ucranianos. Em “Koba, o Terrível” de Martin Amis percebemos como muitos intelectuais europeus (como o próprio pai de Amis) ignoraram as evidências mais terríveis e persistiram em ser estalinistas por pura cegueira ideológica – característica que o PCP ainda hoje mantém com muito orgulho.
Sabe o caro leitor como o PCP se referiu a Estaline no dia da sua morte? “Amado guia, chefe e mestre de toda a humanidade” e “grande amigo dos trabalhadores” cujo “coração (…) deixou de pulsar” (1). Um homem que mais não foi do que um carniceiro do seu próprio povo era adulado pelo órgão oficial dos comunistas portugueses. Não por acaso, Cunhal era descrito pelo Avante! como um “fiel discípulo de Lenine e Estaline”. (1)
Basta ler o “Gulag”, novamente de Applebaum, que descreve com rigor como o terror soviético era exatamente igual ao terror nazi, com as mesmas tendências racistas, anti-semitas, xenófobas e homofóbicas.
Basta ler o “The File” de Timothy Garton Ash para entender com grande pormenor como a Stasi (a polícia política da Alemanha Oriental) vigiava com mão de ferro o seu próprio povo chantageando-o, torturando-o e matando-o da forma mais arbitrária e desumana possível.
É por tudo isto que Cândida Ventura, uma célebre dissidente do PCP, disse um dia que “o comunismo tornou-se no maior aparelho e da mais eficaz estratégia de opressão do Homem que a História já conheceu,” (1)
3 A benevolência com que o PCP é olhado na sociedade portuguesa está relacionado com o seu alegado papel no derrube do Estado Novo. Vamos ser diretos e frontais: esse papel é clara e totalmente mistificado. Porquê? Porque o “levantamento nacional” que Álvaro Cunhal preconizava como método de luta para derrubar o Estado Novo nunca se concretizou.
O que aconteceu no seu lugar foi um golpe de Estado promovido a 25 de Abril de 1974 por militares descontentes por razões corporativas e que, apesar das tentativas de infiltração do PCP, nada tinham a ver com os comunistas. Pode dizer-se, como aconteceu em todos os momentos importantes da história portuguesa desde o séc. XIX, o problema foi resolvido pelas Forças Armadas.
Não está em causa a luta que muitos comunistas fizeram contra a ditadura enquanto única força política organizada. Os milhares de anónimos que o fizeram merecem uma palavra — o mesmo já não se dirá de algumas dezenas/centenas de dirigentes comunistas que viveram muitos anos no Leste Europeu à custa de cada um dos países do bloco soviético, enquanto que milhões de húngaros, checos, romenos, búlgaros, polacos, ucranianos, moldavos, russos e tantos outros eram perseguidos, torturados e mortos porque simplesmente não eram comunistas e não aceitavam a Ditadura. Toda essa perseguição o PCP ignorou e sempre calou porque os fundos soviéticos que pagavam as suas atividades cantavam mais alto.
Os comunistas portuguesas que reconheceram o terror que se vivia para lá da Cortina de Ferro apenas fizeram uma coisa: desencantaram-se com as utopias marxistas e iniciaram um processo de dissidência que viria a terminar com a sua expulsão ou saída do PCP.
Acresce a tudo isto uma pergunta: para que queriam os comunistas o poder? Para impor uma Ditadura vermelha que teria o terror como palavra-chave e, tal como o salazarismo, a miséria como consequência natural.
Perante as evidentes provas de que os comunistas colaboraram com a extrema-esquerda militar no 25 de novembro (como já tinham colaborado intimamente no cerco da Assembleia Constituinte) para tentar impor a comuna lisboeta ao resto do país, os militares que vieram a derrotar tal golpe escolheram Melo Antunes para comunicar ao país que o PCP seria acolhido no sistema político se renunciasse à via militar ou outra para subverter os processos democráticos. O que foi feito em nome de uma alegada dívida que os portugueses teriam (mas não têm) para com os comunistas.
4Por tudo isto, ouvir João Ferreira a dizer que o PCP simboliza a liberdade e a democracia é o mesmo que ouvir o Diácono Remédios a perorar sobre tolerância e sexualidade. Infelizmente, não bate a bota com a perdigota.
Na sua campanha eleitoral ouve uma palavra que saiu em loop da boca de Ferreira: Constituição. Tanto repetiu que até Ricardo Araújo Pereira fez um tempo de antena inadvertido no “Isto é Gozar Com Quem Trabalha” com a mesma ideia.
Lamento mas o PCP não defende a Constituição — a não ser que a Constituição se chame “O Capital”.
A Constituição da República Portuguesa consagra a presença de Portugal na União Europeia e no Euro — um desejo de uma larga maioria da população portuguesa expressa através do sucessivo voto no PS e PSD. Já o PCP defende abertamente medidas anti-constitucionais ao defender o fim do Euro e a saída da União Europeia com uma retórica proto-nacionalista que se assemelha à que é utilizada pelos lunáticos da extrema-esquerda catalã que quer fazer de um território que representa um terço de Portugal um Estado viável.
A Constituição defende o setor privado e o PCP, mais reacionário do que os salazaristas que durante o verão quente sonhavam com a derrota do novo regime, quer nacionalizar o setor financeiro e os setores estratégicos da economia para regressarmos ao tempo das super empresas públicas incompetentes, ingeríveis, tecnologicamente atrasadas e promotoras primárias da pequena corrupção.
E a Constituição defende a igualdade da lei para todos mas o PCP continua a querer leis de financiamento partidário especiais para si, de forma a poder financiar-se com os sacos do lixo cheio de dinheiro vivo que os camaradas deixam todos os anos na Festa do Avante. Está claro que as sacos do lixo de notas dos comunistas são mais puros do que as malas de dinheiro vivo dos partidos burgueses.
5 O pretenso e alegado amor do PCP pela liberdade assemelha-se mais a um ato de hipocrisia. Veja-se, por exemplo, o que aconteceu a Alexander Navaltny. O Parlamento Europeu aprovou mais um projeto de resolução a condenar a prisão arbitrária do principal opositor de Vladimir Putin.
Imagine, caro leitor, como votou o PCP? Contra qualquer censura à Rússia de Putin. E porquê? Porque a eurodeputada Sandra Pereira considerou a resolução como uma “parte do processo de ingerência na política interna da Federação Russa, legitimando um cerco económico e militar que a UE, os EUA e a NATO desenvolvem”
Para terminar, duas perguntas:
- o Governo de António Costa já correspondeu à resolução do Parlamento Europeu referida no início deste texto (que “exorta todos os Estados-Membros a comemorarem a 23 de agosto o Dia Europeu de Recordação das Vítimas dos Regimes Totalitários, tanto a nível da UE, como a nível nacional”)?
- E já começou a sensibilizar as “novas gerações mediante a introdução da história e análise das consequências dos regimes totalitários nos programas e nos manuais escolares de todas as escolas europeias”?
Ou será que os interesses da tática política interesseira sobrepõem-se aos grandes princípios da liberdade que sempre nortearam o Partido Socialista?
(1) “Álvaro Cunhal – Retrato Pessoal e Íntimo”, Adelino Cunha (Esfera dos Livros, 2010)
Texto alterado às 12h27 do dia 9 de março de 2021
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