A Rússia, hoje constituída por 21 repúblicas habitadas por um mosaico de raças absolutamente diversas e muito difíceis de governar (caucasianos, turcos, uralianos e mongóis), caracteriza-se, em termos muito gerais, por ser uma nação fortemente centralizada – nem podia ser de outro modo – numa gigantesca metrópole, outrora a «ocidental» Sampetersburgo, fundada em 1712 por Pedro, o Grande, depois, com os comunistas já no poder (1918), Moscovo, cidade «oriental» e, pela sua situação geográfica, muito mais resguardada dos olhares dum Ocidente que lhe foi sempre hostil e que nunca desdenhou de a conquistar. Seja Napoleão I, ou Hitler, outros tempos e com recurso a outras armas.

Perante tais imperativos da História, não admira que, de império czarista, primeiro, império comunista, em seguida, e federação, atualmente, o poder nunca abdique, naquele imenso país das estepes, por um só momento sequer, das funções regalistas do Estado, do autoritarismo absolutista.

Autoritarismo de confronto, assenta em sete personalidades, núcleo de poder para decidir da guerra ou da paz, a saber: quatro ex-agentes do antigo KGB (Comité de Segurança do Estado), um militar, um diplomata e um arcebispo, que dão pelos nomes de Vladimir Putin (69 anos, jurista e presidente da Federação da Rússia), Nikolai Patrushev (70 anos, secretário do Conselho de Segurança da Federação da Rússia), Alexander Bornikov (71 anos, diretor do FSB, Serviço Federal de Segurança, organização que sucedeu ao KGB), Sergei Narishkin (67 anos, diretor do Serviço de Inteligência Externo, SVR), Sergei Shoigu (66 anos, general e ministro da Defesa), Sergei Lavrov (71 anos, diplomata e ministro das Relações Exteriores) e, por fim, Kirill I (75 anos, Patriarca de Moscovo e de toda Rússia, e primaz da Igreja Ortodoxa Russa).

Personagens, verdadeiras ou de ficção, vinculadas a interesses puramente pessoais ou a interesses que de algum modo as influenciaram, traçam sempre o seu próprio destino, determinam sempre a sua decisão final. Não lhes interessa o mundo que os outros vêem – e que desprezam com todas as suas forças – mas, sim, o mundo que elas vêem, o qual é eternamente guiado por Deus e pela pátria, a Ma Rus (Mãe Rússia).

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A política, na Rússia, está recheada de teias de poder do Deep state, e neste enlace caiu a diplomacia europeia, representada pelo Presidente Emmanuel Macron ao longo dos sete dias de negociações prévias à invasão da Ucrânia.

Será que não existe um acervo de leis internacionais para proteger um país e impedir a sua invasão?

Afinal, decidir sobre declarações de guerra, sobre mudanças de sistemas políticos ou económicos e, até, sobre o desaparecimento de países do mapa parece mais fácil do que se supõe.

E a ONU, que é suposto, se não guiar, ao menos apaziguar o mundo, porque não expulsa a Rússia?

Tarefa impossível uma tal expulsão, já que o artigo 6.º da Carta das Nações Unidas dispõe que se pode expulsar um país-membro «que houver violado persistentemente os princípios contidos na presente Carta mediante recomendação do Conselho de Segurança» numa votação em Assembleia Geral que inclua todos os outros países-membros. Todavia, a Rússia tem direito de veto exercido exclusivamente pelos cinco membros permanentes do referido Conselho de Segurança e que são a China, os EUA, a França, ela própria Rússia e o Reino Unido.

Mas não fazia sentido uma «resolução» a condenar a invasão russa? Aí prevalece o direito de veto, o mesmo é dizer que existe um travão que impede qualquer «resolução» que seja desfavorável à Rússia. E mesmo que se entenda que não se pode usar esse tal direito de veto numa votação contra a sua ação militar, qualquer «resolução» que entenda que o comportamento de Vladimir Putin constitui «uma ameaça direta à paz e à segurança internacional» e que está contra «as responsabilidades e obrigações como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas». A China, que tem direito de veto, deixará de estar do lado da Rússia? Prós e contras: se a China auxiliar a Rússia a resistir às sanções ocidentais, os europeus irão dificultar o investimento chinês. O mercado europeu é o mais importante para a China, que também tem interesses na Ucrânia, pois que este país aderiu à «Rota da Seda» há muito tempo, exportando toneladas de trigo para aquele país. Ganhar a Rússia em troca de perder a Europa poderá parecer um mau negócio.

Não é segredo para ninguém que a China tem problemas em Xinjiang, no Tibete e em Hong Kong, e respeitar o princípio da integridade territorial parece-lhe, por ora, razoável. Por essas e por outras razões optou por não reconhecer a anexação russa da Crimeia. Apenas alguns dias atrás, Wang Yi (ministro das Relações Exteriores da China) reiterou o apoio do seu governo à «soberania, independência e integridade territorial de qualquer país», acrescentando que «a Ucrânia não é exceção». Veremos, no entanto, quando se agudizar o problema da ilha de Taipé, se o Partido Comunista Chinês continuará a tolerar a sua independência. Desde 1949, vai contra as teses conhecidas por «Uma só China» defendidas por Mao Tsé-Tung, então presidente do Governo Central Popular, e que Xi Jinping ainda não abandonou.

Estranho é a diplomacia ocidental não ter assinalado o inimigo e optado, há 31 anos, após a queda da União Soviética, por aceitar a Rússia como parceiro comercial, sem questionar a proteção dos direitos humanos e a liberdade de imprensa, coisas talvez utópicas de exigir. Quanto à China e à Índia, as práticas comerciais sobrepõem-se aos direitos sociais e humanos.

Os oligarcas do Deep state lá vão comprando tudo, porque, como dizem os alemães, o dinheiro rege o mundo. Entretanto, os canhões voltam a troar na Europa.