A difícil, suada e politicamente perigosa busca por membros do governo está agora, por decreto oficial, resumida a uma tentativa de evitar contratar candidatos que sejam investigados ou arguidos, que sejam condenados ou condenáveis. As 36 perguntas do novo questionário de acesso ao governo que António Costa inventou esta semana tem como único e solitário propósito evitar que a polícia bata à porta do Conselho de Ministros.

Livrar-se de ser enviado para um calabouço até pode ser, admito, um bom objetivo de vida — mas não é, seguramente, um suficiente objetivo de governo. Por isso, convém não nos deixarmos iludir pela mais recente manobra do primeiro-ministro neste seu laborioso esforço de disfarçar as suas crescentes e aflitivas fragilidades de recrutamento.

Na verdade, a grande dificuldade que o país tem com António Costa é anterior às entrevistas de emprego que são feitas aos candidatos a governantes. O nosso principal problema e o motivo do nosso maior atraso é o tipo de pessoa que o primeiro-ministro procura sempre que tem uma vaga no Executivo, seja ela planeada ou inesperada.

Quando promoveu João Galamba e Marina Gonçalves na última remodelação, António Costa explicou, de forma clara e singela, quais são, para si, as características ideais de um ministro. Primeiro: deve ser alguém “com experiência governativa”. Segundo: deve ser alguém que conheça “os meandros da administração pública”. Terceiro: deve ser alguém que “não se embarace” com “as exigências” da “contratação pública”. Quarto: deve ser alguém que assegure a “estabilidade” na “execução das políticas”. Em qualquer dicionário, esta é a definição canónica de um apparatchik. Os “agentes do aparato governamental ou partidário” podem andar de ministério em ministério a cumprir as sucessivas missões que lhes são confiadas pelo chefe. Passam de adjuntos a chefes de gabinete, de chefes de gabinete a secretários de Estado e de secretários de Estado a ministros cumprindo ordens com zelo burocrático e evitando produzir ideias ou exibir originalidade.

É aqui que está, para usar a colorida expressão do Presidente da República, o “pecado original” do primeiro-ministro. Como se percebe pela descrição acima, António Costa está absolutamente convencido de que os ministros existem para governar o Estado. Mas os ministros não existem para governar o Estado — existem para governar o país. Lamentavelmente, António Costa toma o segundo pelo primeiro e, como já se tornou evidente, prefere o primeiro ao segundo.

Um ministro que se destaca pela “experiência governativa”, que se evidencia por dominar “os meandros da administração pública”, que sobressai por controlar “as exigências” da “contratação pública” e que se notabiliza por colocar a “estabilidade” acima de todas as coisas não é, verdadeiramente, um político — é um funcionário público. António Costa não quer um governo, quer uma repartição de finanças. Uma economia pobre, como a nossa indiscutivelmente é, precisava que alguma coisa mudasse. Mas António Costa está resolutamente decidido a que tudo fique na mesma — e, com estes ministros, é na mesma que tudo vai ficar. Vai ser ótimo para o Estado, mas péssimo para o país.

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