A contagem diária dos números da Covid-19 tem dominado a agenda informativa mundial. O mundo ultrapassou as 500 mil mortes por coronavírus e nas próximas semanas atingiremos os 15 milhões de infetados confirmados. São números grandes. Não irão ficar por aqui, infelizmente.

Mas a ciência do altruísmo e da generosidade mostra que os seres humanos tendem a ser mais sensíveis à singularidade do que aos grandes números. De facto, os estudos mostram que quando se trata de sofrimento em grande escala, tendemos mesmo a voltar as costas. Serão várias as razões. Por um lado, uma questão de perspetiva: tendemos a atribuir um valor a uma morte quando esta é considerada individualmente e atribuir um valor inferior quando a mesma morte é considerada entre um número grande de vítimas, como referiu o investigador da Universidade de Oregon, Paul Slovic.

Não é só uma questão de perspetiva. Investigadores da Universidade da Carolina do Norte encontraram evidências que, à medida que o número de vítimas aumenta, a motivação para reprimir os nossos sentimentos de empatia aumenta também. Ou seja, quando as pessoas veem várias vítimas, existe a tendência para diminuir o “volume” das nossas emoções. A razão? Medo de sermos esmagados emocionalmente.

De forma intuitiva, a Madre Teresa confirmava a importância da singularidade quando dizia: ‘Se eu olhar para a multidão, nunca vou agir. Mas se olhar para uma pessoa, vou agir.’ Até podemos ser heroicos a salvar indivíduos, mas tendemos a falhar quando temos de responder a grandes números. A indiferença perante genocídios que se vão repetindo no tempo é um exemplo.

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Os líderes populistas e autoritários sabem bem disto. Os discursos de Trump ou Bolsonaro acerca da Covid-19 chocam pela desumanidade, mas refletem precisamente (e visam convocar) este assombro perante a dimensão do problema e a indiferença que desculpabiliza a própria inércia ou inação dos Governos.

É por isso que é importante trazer para o discurso noticioso mais do que os números e as comparações estatísticas, de forma a evitar o colapso da empatia e do cuidado pelo bem-estar do outro (dois atributos que compõem a compaixão). Numa pandemia em que as ações individuais são cruciais para reduzir o contágio, não nos podemos dar ao luxo de ter uma população onde esmoreça a paciência e capacidade de sacrifício para com os comportamentos que evitam uma maior propagação do vírus. As consequências serão claras: o número de mortes irá aumentar e a recuperação económica definitiva será mais lenta. O colapsar da compaixão também não será um bom negócio.

Um discurso político e uma reportagem jornalística focada apenas nos números pode ter o efeito de nos deixar imunes. Mas não seremos imunes ao coronavírus, seremos imunes à empatia necessária nesta fase das nossas vidas.

Precisamos das histórias das pessoas. Sem sensacionalismos, mas provocando sensações – porque as sensações fazem parte da história e porque precisamos delas para sairmos juntos desta crise pandémica. A primeira página do New York Times com pequenos obituários dedicados a vítimas da Covid-19 foi uma iniciativa com impacto global partilhada por vários meios de comunicação, precisamente porque humanizou esta calamidade. Deixámos de lado as estatísticas narradas como se de um programa meteorológico se tratasse – de forma descritiva, comparativa e impessoal – para dar singularidade a cada uma das vítimas.

O futuro irá trazer mais pandemias e outras situações de calamidade. Se isso significará mais catástrofes ou não, dependerá sobretudo de dois fatores: mais ciência do que desconhecimento e mais compaixão do que bloqueios emocionais. Como aumentar ambos terá de ser uma preocupação de toda a comunidade: da política à Ciência.