Não é novidade o desprezo da generalidade dos nossos governantes perante a realidade do desporto nacional. Ocasionalmente realizam-se, é certo, acções de propaganda para louvar grandes feitos de atletas nacionais, mas cujo intuito de louvor aos atletas se confunde, por vezes, com o auto-enaltecimento dos nossos governantes, como se eles fossem os próprios olheiros e treinadores dos heróis. O interesse dos governantes na promoção do desporto esgota-se quase sempre no frenesim mediático das conquistas internacionais ou olímpicas de clubes e atletas. Porém, quando as coisas ficam caóticas e correm mal com a organização de eventos desportivos de maior dimensão aponta-se o dedo aos suspeitos do costume: os adeptos. Os adeptos, que antes eram jovens ordeiros, passam a ser considerados como bárbaros invasores, uma espécie de vândalos dos tempos modernos.

Se a pandemia colocou a cultura desportiva por um fio, o Secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Rebelo, cortou esse fio, liquidando qualquer sinal de esperança para a reabertura urgente e responsável da assistência de espectadores nos recintos desportivos para provas nacionais, como seriam, por exemplo, os casos do Campeonato de Rugby e da Taça de Portugal de futebol.

Esta postura por si só, quando comparada com a admissão de espectadores noutro tipo de espectáculos, seria criticável; ainda que existam aqueles que a tentam justificar com o argumento – especulativo – de que o público que assiste a competições desportivas, concretamente o futebol, é menos controlável comparando com o que assiste a outro tipo de eventos. Ora, a situação muda de figura quando atentamos ao sucedido nos últimos dias na cidade do Porto, com um Governo impávido e sereno ao rebentar da bolha dos adeptos ingleses que se deslocaram para a final da Champions.

Os jogos da selecção de futebol nacional em Outubro de 2020, ou a realidade mais recente do desporto holandês, demonstram que é possível ter público nos recintos com ordem e sem riscos acrescidos para a saúde pública, designadamente através dos cada vez mais acessíveis testes de acesso. Um jogo aberto a adeptos portugueses, prudentemente organizado, certamente não atingiria o grau de descontrolo que se viu nas imediações do Estádio do Dragão e um pouco por toda a zona histórica das ruas portuenses durante vários dias consecutivos. Aliás, o comportamento exemplar das centenas de adeptos lusos que marcam presença nos estádios eslovenos, a apoiar a selecção nacional de sub 21 no Europeu de futebol deste escalão, são mais uma evidência disso.

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Se é seguro que pouco poderíamos esperar da acção do Governo, como revelou a recente inoperância da troika Costa – Cabrita –Brandão Rodrigues, o juízo mais recente de João Paulo Rebelo, ao avaliar o evento do passado dia 29 de Maio como um “sucesso”, não pode deixar margem para dúvidas: em primeiro lugar, o Governo deve apresentar sinais claros e transparentes quanto à reabertura imediata de estádios e pavilhões, permitindo aos agentes desportivos planear devidamente a próxima época, com diferentes graus de lotação em função da previsível recuperação pandémica; seguidamente, e não menos importante, o Governo tem de se retratar publicamente, pedindo desculpa às federações, aos clubes e aos adeptos portugueses pela inaceitável discriminação que lhes aplicou, seguindo dois critérios distintos com resultados desastrosos – agravar ainda mais a situação financeira do desporto português, limitar a liberdade daqueles que anseiam por regressar às bancadas e assumir que, no seu próprio país, os Portugueses foram cidadãos de segunda categoria.

Não deixa de ser oportuno verificar que o Japão fez precisamente o inverso dos socialistas portugueses (com o alto patrocínio da DGS): os Jogos Olímpicos de Tóquio terão adeptos, mas, e para assegurar a contenção de contágios, só os cidadãos residentes poderão entrar nos recintos. Por cá, enquanto se admitiu um evento com milhares de ingleses, negou-se que 500 adeptos assistissem a uma partida de rugby num estádio com capacidade para 30 mil adeptos.

Se dúvidas restassem sobre o desrespeito que nutre o Partido Socialista pelo desporto nacional, veja-se o atraso de um ano na criação de um fundo com o objectivo de apoiar clubes e associações desportivas com dificuldades financeiras em virtude da pandemia, contrariando as recomendações das Nações Unidas e do Parlamento Europeu, os sucessivos reptos do Comité Olímpico de Portugal e, provavelmente, condenando muitos clubes ao encerramento.

É fácil atirar areia para os olhos da opinião pública com o intuito de gerar medo e responsabilizar injustamente certas franjas da sociedade. Foi exactamente isso que algumas das altas chefias do Estado fizeram, quando justificaram o seu fracasso no controlo dos contágios imputando a culpa às novas gerações, os tais bárbaros invasores. Os que suportam o desporto, enquanto espectáculo, não podem é continuar a servir de arma de arremesso para esconder a falta de estratégia para o desporto nacional, até porque, ao contrário do que o PS parece querer revelar, os Portugueses estão muito longe de serem os piores adeptos do mundo.