Aqueles que nunca se congratularam com as duas eleições de Durão Barroso para chefiar a Comissão Europeia, e que sempre nos disseram que o facto de o presidente da máquina de governo europeia ser português nada tinha de relevante para Portugal – esses mesmos exigem agora que nos excitemos muito com a cooptação de Mário Centeno para secretariar as reuniões dos ministros das finanças da Zona Euro, aparentemente a maior conquista nacional desde que Albuquerque tomou Malaca. Comigo, que fui habituado a ser patriota, mesmo no ténis de mesa, o governo pode contar. Gostaria apenas, já agora, que me explicasse porque é que Centeno foi escolhido e o que é que o novo Albuquerque é suposto ir fazer nessas Índias nórdicas.
Para alguns, Centeno teria sido escolhido porque acabou com a “austeridade” em Portugal. Qual “austeridade”? A do programa da troika? Mas o programa, que consubstanciou as condições dos credores internacionais para poupar Portugal a uma bancarrota, terminara há ano e meio quando Centeno chegou. A economia já estava a crescer, através de exportações, e o BCE de Mario Draghi já financiava défices e dívidas, reduzindo a pressão dos investidores. Centeno usou a “folga” assim criada, para desviar recursos da consolidação orçamental, que deixou entregue à economia e ao fisco, a favor do aumento da despesa com o funcionalismo público, compensada depois com cortes de investimento. Mas já avisou que uma eventual subida das taxas de juro pode obrigar a uma mudança de política portuguesa. Em Portugal, Mário Centeno é apenas o nome de uma conjuntura efémera.
E na Europa? Há quem espere dele que mude, sozinho, a política europeia, isto é, que obrigue os alemães a darem ainda mais dinheiro aos Estados falidos do sul, dispensando-os de se tornarem sustentáveis. Mas para tal cometimento, só o aplauso de Tsipras não chega. O apoio que importa mesmo é o de quem teria de pagar a conta, isto é, a Alemanha, neste momento sem governo e com um partido eurocéptico, a Alternative fur Deutschland, em alta. Como poderia Centeno mudar toda a política do continente, apenas através desse meio singelo que é tomar nota do que as grandes potências quiserem que seja discutido nas reuniões dos ministros das Finanças do Euro? Não seria mais simples reconhecer apenas que o ministro socialista de um país pequeno – cujos antecessores concluíram, com sucesso, um ajustamento –, pareceu apropriado e suficientemente competente para substituir o ministro socialista de outro país pequeno, e assim manter o statu quo nas instituições europeias? Mas parece que há mesmo quem queira ver Mário Centeno a desiludir.
No fundo, a presidência do Eurogrupo está a servir só para uma coisa: para o governo marcar pontos contra a oposição em Portugal. O PCP e o BE têm o direito de se desinteressar do assunto: ninguém incomoda estes inimigos implacáveis da UE e do Euro com o facto de apoiarem um governo tão fiel às políticas europeias que os seus ministros até são escolhidos para presidir a conselhos europeus. Ao PSD e ao CDS, porém, é exigido que se arrependam por, há dois anos, não terem “acreditado” em Centeno. Mas quem acreditava? Os investidores não, como se sentiu no primeiro semestre de 2016. Não seria antes de perguntar o que tinham dito e feito o Partido Socialista e o novo governo para que tivesse sido assim? Não, o problema do PSD e do CDS não foi não terem acreditado em Centeno: foi não terem acreditado que à UE, depois de três anos de troika e numa conjuntura diferente, bastariam as aparências da virtude.