Um dos mais extraordinários exercícios de ressurreição política da História foi pensado, planeado e executado por Richard Nixon nos anos 60. Em 1952, com apenas 39 anos, o que fazia dele um prodígio, entrou sem cerimónias na Casa Branca e sentou-se pesadamente numa cadeira como vice-Presidente de Eisenhower. Ao fim de oito anos de serviço fiel, candidatou-se a Presidente em 1960, mas perdeu por pouco para Kennedy, supostamente por aparecer cansado, suado e não barbeado no debate decisivo da campanha (o trauma foi tão profundo que, no futuro, houve dias em que Nixon chegou a fazer a barba três vezes em poucas horas).

Mas a maior humilhação não foi esta. Dois anos depois, contrariado e diminuído, concorreu a governador da Califórnia, só para manter o seu oxigénio político a correr. Perdeu. No dia seguinte à derrota, julgando-se injustiçado e perseguido, deu uma conferência de imprensa fumegante que acabou com uma frase furibunda dirigida à imprensa: “Já não vão poder dar mais pontapés ao Nixon porque, meus senhores, esta é a minha última conferência de imprensa”.

Tudo indicava que, como tantas vezes acontece na vida, fosse uma decisão irrevogável. Mas, logo que os microfones se desligaram, Nixon começou a pensar na sua ressurreição. Aceitou um convite de um escritório de advogados, mas confessou a um assessor que não planeava arrastar-se pelos tribunais: “Se eu só fizesse isto e mais nada, estaria psicologicamente morto em dois anos e fisicamente morto em quatro”.

Richard Nixon queria voltar, mas ninguém queria que ele voltasse. Nem o seu próprio partido — corrijo: especialmente o seu próprio partido. Os republicanos estavam enfeitiçados pelo populismo libertário de Barry Goldwater, que defendia o fim do imposto sobre os rendimentos e uma redução drástica do Estado federal que o deixaria a um sopro da extinção. Uma sondagem feita a eleitores do Partido Republicano indicava que só 3% achavam que Nixon seria um bom candidato — aparentemente, era demasiado progressista.

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Se não gostavam dele dentro, Nixon decidiu voltar por fora — a sua ressurreição aconteceria como especialista em política externa. Usando o prestígio curricular da vice-presidência, fez longas viagens pelo mundo, sendo recebido por chefes de Estado, chefes de governo e sumidades várias. Nas sessões com doadores disponíveis para financiar as suas deambulações, fazia longas preleções sobre geopolítica que deixavam quem o ouvia num estado de fascínio hipnótico com a sua capacidade para ter opinião sobre tudo, desde grandes potências a pequenos Estados periféricos.

Resultou. O candidato derrotado e político sem partido transformou-se num estadista global e, depois, só precisou de esperar. Um a um, os seus rivais à direita foram-se autodestruindo, foram-se esfumando ou foram-se cansando — e, em 1968, numa corrida a três, Nixon foi eleito Presidente.

Tudo isto faz lembrar alguém. Depois das eleições de 2015, o então vice-primeiro-ministro Paulo Portas ficou primeiro sem governo e depois sem partido. Ao contrário de Passos Coelho, que ainda se manteve na liderança do PSD, não ficou à espera que lhe dessem “pontapés”, como a Nixon. Não se refugiou na advocacia, apesar de ter o curso de Direito, mas nos negócios. Publicamente, sempre mostrou grande entusiasmo pelas empresas, mas não será difícil imaginá-lo a confessar a alguém próximo: “Se eu só fizesse isto e mais nada, estaria psicologicamente morto em dois anos e fisicamente morto em quatro”.

Vendo as armadilhas que o esperavam se decidisse voltar por dentro, virou-se para fora. Prestou “aconselhamento estratégico” à Mota-Engil como especialista na América Latina; aceitou um cargo numa subsidiária de uma petrolífera mexicana; recebeu a mais alta condecoração brasileira dada a estrangeiros; deu aulas na Emirates Diplomatic Academy; organizou seminários sobre “internacionalização e risco político para quadros de companhias multinacionais”; e deu conferências em vários países. Quando aceitou ter um espaço de comentário ao domingo à noite, na TVI, recusou disciplinadamente falar sobre política nacional. Ainda esta semana, na Universidade de Verão do PSD, fez questão de sublinhar, com um sorriso, que a sua rentrée será no “Global” e que falará sobre as eleições presidenciais, sim, mas apenas sobre as americanas.

Mas o que realmente interessa é o caminho de Paulo Portas para as presidenciais portuguesas. Até agora, ele seguiu passo a passo, curva a curva, o percurso de Richard Nixon. E o pedaço que falta terá que ser também muito semelhante. Nos partidos que comandam o seu eleitorado potencial, há dificuldades: o Chega acha-o muito progressista; a Iniciativa Liberal vê-o como um resquício do passado; e o PSD olha para ele dividido entre a curiosidade distante e, como vimos  na Universidade de Verão do partido, o deslumbramento militante.

A chave, obviamente, são os laranjinhas. Portas tem uma relação antiga e complicada com o PSD. Quando era um adolescente, inscreveu-se na JSD e chegou a diretor do jornal da agremiação, equivocamente chamado “Pelo Socialismo”. Quando era um adulto precoce, tornou-se o inimigo público número um ao fulminar a maioria absoluta de Cavaco Silva todas as semanas no “Independente”. Quando amadureceu, fez várias coligações com o PSD, ajudando a levar a direita ao governo. E, quando deixou a política partidária, cultivou, com desvelo, uma relação de proximidade e cumplicidade com o partido.

E, agora, chegamos aqui. Para ser um candidato presidencial viável, Paulo Portas precisa de duas coisas. Primeiro: que os seus concorrentes se vão autodestruindo, esfumando ou cansando. Depois: que o PSD o aceite como a melhor hipótese de ganhar as presidenciais. É o “plano Nixon” para uma ressurreição política bem sucedida. Como todas as ressurreições, exige uma certa dose de egomania. Mas, apesar de tudo, na política portuguesa já tivemos pior: houve quem, como condição de candidatura, exigisse que Deus descesse à Terra.

P.S.: Talvez esta semana, no regresso do “Global”, Paulo Portas recomende o livro “Nixonland”, de Rick Perlstein. É antigo, mas muito instrutivo.