É, provavelmente, a frase mais mal compreendida da política portuguesa. Quando estava a disputar as eleições legislativas de 1980, Francisco Sá Carneiro informou o país que só aceitaria continuar a ser primeiro-ministro se tivesse “uma maioria, um governo e um Presidente”. Muitas almas piedosas da AD original, que eram ao mesmo tempo inocentes e obtusas, entenderam que Sá Carneiro estava a ser caprichoso, na melhor das hipóteses, ou, na pior das hipóteses, autoritário. Afinal, argumentavam, se a AD já estava a governar com maioria absoluta desde as eleições intercalares de 1979 tendo Ramalho Eanes na Presidência da República, então qual seria o problema de manter esse arranjo para o futuro sem querer mandar em tudo? Essa pergunta, que encerra uma censura à frase de Sá Carneiro, mantém-se até aos dias de hoje e é regularmente usada contra o PSD.

Mas a resposta a esta pergunta era óbvia: a demonstração de que havia mesmo um problema tinha sido feita, de forma evidente, precisamente no período em que a AD governou em maioria absoluta com Ramalho Eanes na Presidência da República. Havia duas dificuldades insuperáveis. A primeira era que, segundo a Constituição da época, o Presidente podia demitir o Governo a qualquer altura sem ter que se justificar — bastava acordar ligeiramente mal disposto e assinar um papel. A segunda dificuldade insuperável era que as medidas mais importantes do Governo estavam a ser chumbadas repetidamente pelos militares do Conselho da Revolução, que exercia os poderes de um Tribunal Constitucional — sem uma revisão da Constituição que enviasse os capitães de Abril de volta para os quartéis, a AD ficaria bloqueada.

Como Sá Carneiro não se cansou de explicar, pedir “uma maioria, um governo e um Presidente” em 1980 não era exigir o poder absoluto; era reclamar apenas condições básicas para executar o projeto político que os portugueses tinham escolhido em eleições. Em 2024, para a nova AD, as condições básicas para executar o projeto político que os portugueses escolheram em eleições passam por uma fórmula ligeiramente diferente: em vez de “uma maioria, um governo e um Presidente”, agora torna-se necessário ter “uma minoria, um governo e um Presidente”.

Enquanto o Chega tiver 50 deputados — ou algo parecido com isso — a restante direita nunca chegará à maioria absoluta dos deputados. Mas poderá ficar, como ficou agora, à frente do PS em eleições. Ou seja, mesmo ganhando, terá de governar em minoria. É útil lembrar que isto não é uma novidade histórica: o PS ocupou o poder várias vezes nessas circunstâncias, nomeadamente com o seu santo laico, António Guterres, que beneficiou da boa vontade do então líder do PSD, Marcelo Rebelo de Sousa, que lhe aprovou três Orçamentos do Estado. Não é uma novidade, mas passou a ser um risco.

Havendo uma minoria e um governo, fica a faltar uma condição essencial para a estabilidade: um Presidente. Com o atual equilíbrio de forças, o Presidente da República recuperou, na prática, o poder discricionário de demissão do governo que tinha em 1980, antes da revisão constitucional de 1982, que limitou e condicionou as fronteiras do Palácio de Belém. Basta fazer um exercício simples de História alternativa: se o atual Presidente da República fosse, por exemplo, António Sampaio da Nóvoa e não Marcelo Rebelo de Sousa, o que aconteceria? Muito possivelmente, esse Presidente adoptaria a tese dos três blocos inventada por Rui Tavares. E argumentaria que, tendo o bloco liderado pelo PS mais deputados do que o bloco liderado pelo PSD e do que o bloco do Chega, então caberia aos socialistas e seus aliados governar, mesmo tendo ficado em segundo lugar nas eleições. Essa tomada do poder seria feita com o alto patrocínio do Palácio de Belém.

Para evitar esta tentação e esta armadilha, a AD precisa de um Presidente da República que cumpra as regras e as tradições constitucionais. Para já, tem essa garantia. Mas, a partir de Janeiro de 2026, Marcelo Rebelo de Sousa regressa à sua casa de Cascais. Por isso, o PSD, o CDS e, já agora, a IL deveriam estar a preparar o mapa para uma vitória nas próximas eleições presidenciais, com um candidato único, forte e capaz de vencer à primeira volta. Convém que não falhem porque, no futuro próximo, vai ser assim: para uma minoria ter um governo, precisará de ter um Presidente.

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