Para quem não deu por isso, foi a seguinte a agenda do primeiro-ministro nos últimos dias, de acordo com o portal oficial do Governo. No dia 11 inaugurou um Centro de Saúde de Odivelas, uma obra que representou o colossal investimento de 1,4 milhões de euros, repartidos com a autarquia local. No dia 12 foi a vez de inaugurar o Centro de Saúde do Cadaval, uma obra mais modesta, só de 700 mil euros, 85% dos quais fundos europeus. No dia 13 esmerou-se: foi a Abrantes inaugurar a Unidade de Saúde Familiar Beira Tejo, no Rossio ao Sul do Tejo (400 mil euros de investimento), e ainda teve tempo de ir ver o andamento de umas obras no Hospital Distrital de Santarém. Sobretudo teve oportunidade de ser malcriado, tendo destratado a bastonária da Ordem dos Enfermeiros depois de a ter convidado a estar presente. No dia 14 ficou-se por Lisboa e pelo Hospital de São José, onde o que tinha para ver eram os novos equipamentos dos serviços de Imagiologia e de Urologia. No dia 15 foi a vez de inaugurar as novas instalações da Unidade de Saúde Familiar Nuno Grande em Vila Real, um investimento de 790 mil euros e ainda foi visitar um equipamento de ressonância magnética.

Ou seja, toda uma semana num corrupio pelo país, com a ministra da Saúde atrás, mais alguns secretários de Estado, os indispensáveis deputados do PS eleitos pelo respectivo círculo, mais os autarcas e as individualidades que nunca faltam nestas ocasiões. Porém, tudo espremidinho, vê-se bem o pouco ou quase nada que há para mostrar de investimento no Serviço Nacional de Saúde ao fim de quatro anos de Governo – feitas bem as contas, entre o custo das deslocações e os palcos que foram montados em todas as inaugurações, mais os beberetes, é bem possível que uma semana de agit-prop tenha custado tanto como a unidade de saúde inaugurada no Rossio ao Sul do Tejo.

Acham que exagero? Não sei, porque não tenho forma de ver as facturas de todas estas deslocações e os gastos com os palcos e a restante parafernália. Mas uma coisa sei: para 2019 o Governo orçamentou gastar 116 milhões de euros em viagens, mais 27 milhões de euros do que em 2018. Querem saber quando houve um aumento parecido? Pois é, adivinharam: foi em 2009, com José Sócrates, num ano eleitoral de muito triste memória. Querem ter um termo de comparação sem sair do SNS? Em 2018 o custo com o descongelamento das carreiras dos enfermeiros foi de 23 milhões de euros. Como se costuma dizer, há prioridades e prioridades.

Mas não ficamos por aqui. Falta o mais importante: a diminuição do preço dos passes a cair mesmo em cima das eleições. Foi, como está bem de ver, o tema do dia 18 de António Costa, como atesta de novo o Portal do Governo. Estima-se que este programa tenha um custo anualizado de 140 milhões e, mesmo devendo vir a ter um impacto positivo. não são poucas as questões que se colocam sobre a forma, o método e toming. Eis algumas delas, sem ser exautisvo:

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  • se o objectivo é promover o uso do transporte colectivo e neste momento o maior estrangulamento é do lado da oferta, com inúmeros serviços públicos à beira da ruptura, porque é que se opta por subsidiar a procura, aumentando ainda mais a pressão sobre um sistema já sem capacidade de resposta? Não seria mais racional procurar equilibrar os dois pratos da balança, aplicando uma parte do investimento a melhorar a oferta?
  • se se pretende estimular o uso do transporte público tem-se mesmo a certeza que a razão porque este é menos utilizado do que o esperado é o preço, e que subsidiando-o a eito as pessoas passam mesmo a deixar os carros em casa? Ou dar-se-á o caso de as redes existentes não coincidirem com as necessidades reais das populações? O que sabemos de ciência certa sobre isso?
  • quando as regiões metropolitanas de Lisboa e do Porto são as mais ricas do país há motivos para transferir dinheiro dos impostos recolhidos nas regiões mais pobres para subsidiar políticas de transportes urbanos que, para mais, vão para os bolsos tanto de pobres como de ricos? O país que há pouco mais de um ano chorava o abandono do interior já se esqueceu outra vez do interior? Porque é que não são as câmaras das regiões metropolitanas, que têm dinheiro como nunca tiveram na vida e cobram o IMI a taxas mínimas, a subsidiar estes passes? Porque isso é impopular e a maioria dessas câmaras é do PS ou do PCP?

Se estas questões tivessem respostas razoáveis, se não tivéssemos bem clara a imagem do que foi a degradação das redes públicas de transportes nas áreas metropolitanas durante a gestão deste Governo, se não nos recordássemos das promessas vãs de investimento que nunca se materializaram, se não nos recordássemos de como esta medida foi sendo amanhada ao longo dos meses de forma a cair (Oh coincidência!) em plena pré-campanha eleitoral, não acharíamos que estamos perante aquilo que estamos e que, no fundo, o próprio Fernando Medina reconheceu ser, em entrevista ao Expresso, uma “devolução de rendimentos” destinada a aumentar o rendimento das famílias. Ou seja, uma gigantesca operação de devolução de rendimentos que terá um impacto discutível na promoção do transporte público – sobretudo se considerarmos aquilo que custa – e que é fiscalmente injusta pois beneficia sobretudo a parte do país que já é mais rica e que podia pagar por ela sem necessidade de ir buscar impostos a Barrancos ou à Sertã.

Mas atenção: este não é o único bónus que António Costa (e Mário Centeno) guardaram para a véspera das eleições. Recordo aos mais desmemoriados que a correcção nas tabelas do IRS relativas a 2018 não se traduziu em alterações nas tabelas das retenções na fonte dos trabalhadores por conta de outrem. O que é que isso quer dizer? Aquilo que muita gente, eu incluído, escrevemos há ano e meio quando o Orçamento de 2018 foi apresentado: em 2019 o cheque das devoluções de IRS vai com certeza ser mais gordo. E também ele vai chegar em cima das eleições (Oh coincidência!).

Muita água ainda correrá debaixo das pontes daqui até às legislativas, mas mesmo havendo neste ano eleitoral de 2019 muitos elementos que nos fazem lembrar 2009, num ponto divergem radicalmente – há dez anos o Governo ainda se esforçava por cumprir o programa que desenhara para uma legislatura, hoje Costa navega à vista pois tudo o que se comprometeu a realizar, e que assinou nos acordos da geringonça, já se esgotou. Numa legislatura exclusivamente centrada em “reversões” e “devoluções”, e num tempo político tão longo que nem os mais indefectíveis julgariam possível – quantos, quando viram a forma atamancada como os parceiros da geringonça subscreveram os documentos que permitiram a posse do actual Governo, previam que este durasse quatro anos? –, o primeiro-ministro vive com os diabos que libertou, isto é, as expectativas que criou, ao mesmo tempo que já não consegue continuar a culpar a herança que recebeu (quando o tenta, como o fez a propósito das greves, torna-se mesmo patético).

É por isso compreensível o nervosismo com que o governo reagiu a uma leitura maximalista – e disparata, reconheça-se – da CNE ao que o poder político podia ou não fazer durante o período eleitoral, assim como a pressa do PS em legislar sobre a matéria. Na verdade não devemos esperar muita governação daqui até Outubro – temos sim de esperar muita propaganda, e aí valerá tudo. Tudo, mesmo tudo. Até um ministro ir até Almeirim para assinar um protocolo de cedência de… um veículo Segway à GNR local. O ridículo arriscava-se a matar, se houvesse noção do ridículo.

O país segue pois dentro de momentos. Se tivermos sorte.

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