A imagem do esquife governamental, inerme, oferecido sobre peanha ao lamento de carpideiras previamente adstritas por subscrição pública para exéquias de quatro meses, era absolutamente intolerável para António Costa – esse ladino tourão, arisco e solitário, cuja existência crepuscular e larvar afeição por existências rasas o levam a, em caso de ameaça, arrojar esguichos nauseabundos pelas glândulas anais: esta semana, por exemplo, sentindo perder o pé e a iniciativa, expeliu insinuadas excrescências sobre o Conselho de Estado e, temendo o rechaço da fetidez, procurou guarida, com aquele seu ar cândido e pachola, no “dever de reserva”, área conceptual pela qual se move com tanto à vontade como Maomé pela Feira do Fumeiro.
Por estranho que possa parecer, a grande preocupação dos turiferários do regime, contudo, arregaçando a sobrepeliz, é o solícito registo nestes bizarros hábitos de Costa, não do soez traço de carácter que apodrece o espaço público, mas antes de reflexos de “brilhantismo” e “fina inteligência” do “melhor político da sua geração”. As próprias vestais do comentariado, aliás, excitadas até à baba, devotam-lhe, embevecidas, o olhar ternurento e húmido da volúpia de um réptil e, referindo-se-lhe como “perspicaz estratega” cuja capacidade de “trucidar” adversários se funda na “antecipação”, louvam-lhe os movimentos e as simulações no “tabuleiro”!
Ignorarão estes pobres oficiantes que, imaginando uma qualquer correspondência entre os gestos do figurão e, em meníngeo delírio, o elevadíssimo coturno da sua argumentação, outra coisa não fazem que perverter, dissolvendo no ácido da desfaçatez e do cinismo, a nobreza de uma actividade – o jogo – tão intrinsecamente ligada à nossa humanidade que o próprio Kant não hesitou em ver nela “uma ocupação agradável em si mesma e sem qualquer outra finalidade”?
Na verdade, a função altamente benfazeja e sadia do jogo na formação do homem é assinalada pela Filosofia desde a Antiguidade, nomeadamente por Aristóteles que concebia o ideal supremo da paideia e de toda a ética, a contemplação, como jogo superior do espírito, todo entregue à tarefa de se tornar presente a si mesmo. Ousar entrever, mesmo que metaforicamente, nos ardis, momices e cálculos de Costa, a audácia de um jogador não prova apenas o grau zero do comentariado – algo de que já suspeitávamos – mas, participando voluntariamente na degradação intencional de uma antiquíssima elevação de conceitos, multiplica as fóveas onde se acoitam a impunidade, a desfaçatez e outros fungos, e acalenta o bolor onde medram os extremismos.
Aproveitando-se da terraplenagem de um ecossistema cultural que nos ensinou a ver no jogo uma acção livre, exterior à vida corrente, desprovida de interesse imediato ou utilidade material, António Costa captura-o – se jogo é aquela sofreguidão por vernissages e conluios onde se palitam pilhérias, croquetes e ignorância –, transforma-o numa antítese do seu pressuposto e alça-o a meio de atingir o seu único fim: o frenesim lascivo por a realidade, essa galdéria, a outra coisa não dever obediência senão à altiva turquês do seu arbítrio e à voz grossa dos seus apetites.
Adestrado naquela chusma peristáltica de gasosas vomições de fel que dá pelo nome de PS, não há em António Costa qualquer desejo de bem, de plenitude, de realização de um desígnio comum ou de qualquer coisa remotamente parecida com uma ideia: num momento em que o SNS, exangue, não consegue acudir sequer às vias verdes (AVC e Coronária, sobretudo); em que descobrimos, entre o espanto e o horror, que cerca de 400 mil portugueses vivem em pobreza habitacional, com chuva dentro de casa ou sem eletricidade ou sem casa de banho; em que Portugal continua a cair em todos os rankings (o Índice de Estado de Direito foi o último de que tivemos conhecimento); em que o governo da República se tornou num assustador cruzamento entre um Jardim Infantil em autogestão e uma cloaca de compadrio e nepotismo na qual membros da confiança do PM escondem maços de notas em S. Bento, a António Costa, num dos seus múltiplos acessos de modéstia e altruísmo, nada mais ocorre que conduzir-nos em mais uma visita guiada pelo seu umbigo, embrulhando a sua “confiança traída” no prazer deletério e rasteiro da vitimização.
Nesse particular, é seguido bem de perto por todos aqueles que, fermentando em cuba de inox a memória do socratismo, aprenderam a ver no bagaço que dele restou a confirmação de que a manha, a boçalidade, a afeição por expedientes e a alergia ao trabalho são a garantia de um percurso fulgurante no PS: não espanta por isso que as hostes da agremiação salivem já por Pedro Nuno Santos, alguém que desde a infância ambiciona colocar o seu túrgido património – leviandade, birra, vaidade, capricho e infantilidade, sobretudo – ao serviço daquele frívolo jogo da presunção que lhe garantirá morno aconchego naquele balançado saco escrotal que o seu amo para ambos reservou.
Segundo a lenda, a deusa da caça, Ártemis, apaixonou-se por Jacinto, jovem garboso que era também objecto de solícita atenção do deus do sol, Apolo. Num momento de ciúme, Apolo atingiu Jacinto com o seu raio, matando-o instantaneamente. Do sangue do amado, Ártemis fez brotar um jacinto e, das lágrimas derramadas pelo seu amor perdido, uma orquídea (do grego, orkhis – testículo e eidos – imagem).
Com secretários-gerais (o actual e o próximo) eivados a rancor e ciúme, talvez agora se perceba melhor a sôfrega ansiedade com que o PS, entre as 1864 propostas de alteração ao Orçamento de Estado, aceitou aprovar a descida de imposto da aguardente de medronho: alívio do desconforto causado pela intumescência da próstata.