À falta de melhor entretém – ultimamente até os pombos lhe rejeitam a côdea – a esmerada atenção plumitiva da nossa praça tem-se dirigido esta semana para a magna quaestio de que, nas suas meninges, depende a prosperidade, a paz, a cura do cancro e a beatitude universal: o número e relevância dos apoiantes dos 2 – candidatos – 2 que disputam a chefia de gover… desculpem, o cargo de Secretário-Geral da agremiação socialista. Perdoem-me o lapso, perfeitamente justificável ainda assim – quem desconhecerá que qualquer socialista, pelo simples facto de o ser, foi na infância ungido com os santos óleos que, separando-o da turba ignara, o habilitam para o exercício natural do poder executivo e legislativo? – mas compreendam que é difícil, mesmo para o mais paciente e fiel dos crentes, não resvalar para o desespero e para a ira, quando é mais do que evidente que estas delongas e formalidades – parece que legais ou lá o que é – outra coisa não fazem senão retardar o concerto das nações, a harmonia universal e os coros celestiais que desde o princípio dos tempos se aprontam para a epifania de um deus menino que para nós nasceu na manjedoura de S. João da Madeira.

Não bastando o extraordinário incómodo de toda esta inanidade protocolar, os apaniguados de Pedro Nuno Santos têm de sofrer ainda o afrontoso aborrecimento de um adversário que, estorvando a marcha triunfal do jovem infante rumo ao seu destino, lhe atalhou o estugado passo de ganso e lhe arrojou pela lama a coroa de louro e o manto que a mamã lhe tingira a múrex, destapando as muitas – palavras do próprio – “feridas e cicatrizes” de um longo curriculum de cacique.

Percebe-se, portanto, o misto de surpresa, fúria e impaciência enfadada dos sequazes do aprendiz de caudilho com esta embaraçosa demora quando, para a gloriosa entronização do Querido Líder, haviam já mandado lavrar brocados e gravar o monograma na cadeira gestatória, ao lado da qual sonhavam poder colocar o seu escabelo pessoal onde um dia, aninhados, de risco ao lado bem lambido, latejando de orgulho na pele luzidia e na uretra inchada, a divina mão esquerda de Pedro Nuno Santos lhes afagaria o cachaço enquanto com a direita abençoaria com hissope a turba miserável que se lhe lançasse ao caminho quando recolhesse a S. Bento.

De repente, suspenso todo o cerimonial, tiveram de mandar apagar à pressa os círios e as tocheiras e ali, no canto escuro onde tinham arrecadado o pálio, temendo um abreviado regresso à sua irrelevância, ensaiam agora de cócoras ternos diálogos com os seus dois únicos neurónios (um, se for dia de Plenário na Assembleia ou de jogo da Seleção) que a bajulação e o servilismo não corromperam ainda e, quais empregadas de servir dos anos 30, toldadas pela possibilidade de despedimento por um novo patrão, sem carta de recomendação, sem magala e sem préstimo, remoem a humilhação de um regresso às berças onde descobrirão as amigas já casadas e a sua antiga casa transformada em corte para os bacorinhos.

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Por essa razão, ajoujados ao líder da seita como traças a lâmpadas gordurosas, acompanhá-lo-ão por todos os botequins, chafaricas e baiucas, pregando ao país as infindas qualidades do delfim e a bem-aventurança de sermos por ele pastoreados, e esconjurando desse modo a penúria e a indigência a que uma vitória – Cruzes e pias de água benta! Some-te, diabo, deixa a gata! – de José Luís Carneiro os condenaria.

A simples possibilidade de se ver obrigado à lide, conspurcando os pezinhos de Dafne na fétida arena da Monumental do Rato e de aí, à inclemente luz do sol, lhe poderem espreitar pelas bragas os cueiros borrados por nacionalizações movidas a rancor e capricho; crepusculares despachos definindo a localização do aeroporto e revogados pelo patrão ainda antes da aurora; indemnizações milionárias acertadas num grupo de whatsapp como adolescentes que combinam em casa de quem será a próxima noitada, encerra para Pedro Nuno o acre sabor de um ultraje que ele deseja rapidamente esquecido não sem célere e inequívoco desagravo: a culpa será, como sabemos, do Passos, da Troika e do neo (também pode ser ultra, risque o que não interessar) liberalismo.

À cautela, o gabinete de Luís Paixão Martins elaborou já uma lista de vítimas propiciatórias alternativas para culpar pelo encerramento das urgências, pelos hediondos resultados no PISA, pelos 20,1% da população portuguesa em risco de pobreza e de exclusão social, pelos atrasos na Justiça, pelo colapso dos serviços públicos e pela corrupção: o Topo Gigio, D. João V, a Nau Catrineta, Álvaro Pais, as Ondas do Mar de Vigo, D. Urraca, a bisavó materna de Viriato e Cneu Cornélio Cipião Calvo que, aquando dos ataques a Cartago, achou por bem estacionar aqui várias legiões, cometendo a imprudência de julgar que a Península poderia significar algo de civilizado.

O ponto alto da celebração das Targélias, no final de maio, consistia no sacrifício expiatório de uma pessoa (por vezes duas, dependia do ano) sobre quem os atenienses faziam recair a culpa pela fome e pela peste. Arrastando-a pelas ruas da cidade até aos seus limites condenavam-na, no melhor dos casos, a um desonroso desterro, embora não fosse raro a defenestração, o linchamento ou a lapidação. Costumavam escolher criminosos e condenados, mas também escravos, estrangeiros, doentes, corcundas, manetas, macrocéfalos ou velhas que falavam sozinhas pelas ruas. Chamavam a estes desgraçados Pharmakos, vocábulo de que deriva a nossa palavra fármaco.

Projectando sobre o outro temores e fracassos, convenceram-se de que a purificação de uma comunidade se alcançava pela extirpação de tudo quanto fosse incómodo, diferente, alheio, procurando no sangue uma pacificada consciência individual e colectiva.

Alvíssaras a quem adivinhar em que mês cairão este ano as Targélias socialistas.