Após a reforma do calendário ático levada a cabo por Méton em 432 a.C., o Hecatombéon, anteriormente o sétimo mês do ano, passou a ser o primeiro e no seu nome (hecaton – cem; bous – bois) ficou peneirada até hoje a natureza catártica dos rituais de transição e de purificação da polis que o assinalavam. A hipérbole do sacrifício associavam-na os atenienses à prosperidade, à abundância de colheitas, à fortuna que, pelo sortilégio que uma mudança de folha no calendário encerra, se afigurava propícia e benevolente.

Como não recordar com ternura estes antigos rituais de passagem, no preciso momento em que, a passos largos, nos aproximamos de um novo ano e a agremiação socialista se prepara para ungir Pedro Nuno como Líder Supremo (Querido Líder, Comandante Supremo e Sol Nascente são também cognomes já devidamente ratificados pela praxe protocolar)? Tendo solicitado hiperbólicos sacrifícios – o preciso número de reses a abater apurar-se-á apenas após o encerramento das urnas – alguns partidários do petiz sanjoanense começam a suspeitar, contudo, que a centena etimológica talvez não seja suficiente para aplacar a indisfarçável ralação do maioral, tal o número e a representatividade de apoios que a moção adversária tem afinal reunido.

Temendo que o sangue corra e coagule ainda antes do encerramento das festividades eleitorais – chamando varejeiras, acabaria por macular os melhores contrapicados do fedelho – os próceres da facção impuseram às hostes a dissimulação do entusiasmo febril com que amolavam os alfanges com cínicos encómios à craveira dos apoiantes de José Luís Carneiro e, a reboque talvez da peregrina ideia de Costa na Europa, à putativa promoção de uma carreira internacional desses galifões. Comédia asinina que põe Plauto a corar de inveja.

Nitidamente confusos com o sucesso alcançado pela internacionalização de alguns produtos regionais, o PS recusa-se a ficar atrás do bolo do caco ou das rendas de bilros e prepara, portanto, uma grande operação de promoção de alguns dos seus símbolos maiores – o escol do Rato, o creme e a nata socialista, a fina flor do punho cerrado – cujo fenecimento inter pares imponha, se as razões forem judiciais, ou aconselhe, se doutra natureza, súbita e profilática distância higiénica.

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Respaldada no notável sucesso alcançado com a ‘expedição’, primeiro para Paris e depois para a Ericeira, de um certo Menino (que outrora foi) de Ouro, a agremiação socialista voltou a repetir a proeza com a exportação, em versão porta-chaves, de um Secretário-Geral da ONU que, após uma lacrimejante paixão pela educação (sobretudo a má, como os resultados do PISA demonstram) e de uma paquidérmica fuga de um pântano que ele mesmo açudara, se tem dedicado, naquele seu ar de Mestre Yoda com sotaque mongol, a consolar com igual solicitude maternal a antártica aflição de pinguins e o desapontamento de organizações terroristas pela periódica incompreensão dos seus métodos de violação, pilhagem, morticínio e corrupção.

Embora não seja seguro que o mundo, para além dos personagens aludidos, comporte e aguente o apuro de espécimes do calibre de um Brilhante Dias, de um Medina, de um Santos Silva ou de uma Maria de Belém Roseira, assim que se levantou essa remota possibilidade, os sismógrafos continentais registaram imediatamente assinalável actividade na termiteira do Rato, em virtude da procura demencial daquela chusma por um qualquer canto onde, da Ericeira a Nova Iorque, a presença dos respectivos bolbos raquidianos (sede dos reflexos da deglutição, da tosse, da sucção e do vómito), parecendo premiar o refinamento a que elevaram o estalão do pedigree socialista, seja devidamente punida pela traição e ousadia de um dia terem afrontado o donaire de Pedro Nuno, o Garboso.

Nas meninges deste catraio e do seu rancho de madraços, as antigas noções de correção e verdade – o acordo da inteligência e das suas operações com a realidade conhecida ou a conformidade entre a inteligência e o ser – não passam de peças de design, muito vintage e trendy, exibidas com orgulho nos diversos rooftop e sunsets por onde têm pavoneado as pústulas metastizadas da sua triunfante vacuidade: verbalmente incontinentes, reagem à presença de um microfone num frenesim de musaranhos; crendo convictamente em tudo quanto dizem, nada os incomoda, nem sequer a maravilha anatómica de, no seu aparelho fonador, o cólon sigmoide se seguir à glote, razão pela qual nos é tão difícil identificar com segurança os momentos em que riem, falam, eructam ou se aliviam. Finda a disputa eleitoral, despejarão nos sótãos das avós as bandeirinhas, canetas, autocolantes e a verdade – ouviram dizer que esta última vai muito bem com disfarces de Halloween.

Entretanto, entusiasmado com o Essequibo, Maduro sonha já com o referendo que anexará também esta exótica faixa lusa que, da meseta até ao mar, permitirá que os padrões venezuelanos de abjecção, miséria e analfabetismo alcancem por fim devida representação europeia, em cerimónia oficiada pela matrona de turno, Ana Gomes, que, estalando nas suas sete saias (pesporrência, sordidez, privilégio, sobranceria, perfídia, vileza e despautério), susterá junto ao colo untuoso e lascivo a cauda do manto de Pedro Nuno quando este, de braço dado com uma gaspeadeira, recolher por fim a S. Bento.

Dez meses após a reforma do calendário proposta por Méton, rebentou a Guerra do Peloponeso, que muitos autores consideram marcar o fim da época dourada do domínio de Atenas e o início da sua decadência. Veremos o que nos reserva a hecatombe dos Idos de Março.