Acordo às 8h30 com a vibração do telefone. Estou de férias, numa zona com pouca rede, mas o nome no mostrador faz-me atender a chamada. É a Isabel, a empregada doméstica que vai a minha casa semanalmente. Está aflita, “Desculpe, mas não sei a que horas vou conseguir chegar a sua casa. Há greve no metro, os autocarros não abrem as portas nas paragens… Desculpe.”

Não nos encontramos com frequência, quando a Isabel chega a minha casa, já saí. Por sua iniciativa, envia-me um sms a dizer que chegou, e eu deixo-lhe um recado num papel, em letra de imprensa, quando preciso de algo extra. Telefono-lhe à hora de almoço para saber se está tudo bem. Atende sempre com uma voz fresca e jovial. Apesar de, antes de chegar a minha casa por volta das 8h00, já  ter atravessado o Tejo de cacilheiro, apanhado o metro para o lado oposto da cidade, feito as limpezas nas zonas administrativas de um hospital, apanhado outro metro, e mais um autocarro. Ao meio dia sai para apanhar mais um ou dois autocarros para chegar a outra casa. Aqui não há teletrabalho. É preciso correr, apanhar o transporte, tentar entrar no autocarro já cheio, romper as regras do distanciamento social para não se atrasar, chegar a tempo para a hora ser contada.

A Isabel e as pessoas a quem a greve do metro surpreendeu na quinta feira são invisíveis. Não tem importância se se levantam às quatro da manhã. Se percorrem a cidade em sucessivos transportes públicos de fraca qualidade e nenhum conforto. Não nos preocupamos em saber onde e com quem ficam os seus filhos. Se as escolas têm bons professores. Se as ruas onde moram são seguras. Se as casas que habitam têm condições. Não as vemos. Só existem se o trabalho não for feito. Não desumanizámos apenas aqueles que escravizámos ao longo de séculos. Desumanizamos os pobres. É como se não fossem bem pessoas… Não são como nós. Não precisam de comer o que nós comemos nem ter os filhos a estudar nas mesmas escolas. Podem viver com 665€.

Portugal tem o 11º salário mínimo mais baixo da União Europeia, 665€. Um quarto da população activa tem este salário. Em Espanha, o salário mínimo é de 1108€, muito próximo do salário médio, bruto, em Portugal, que é de 1227€. É o que recebem, mais coisa menos coisa, os profissionais diferenciados, uma arquitecta na Câmara Municipal, ou um enfermeiro numa unidade de saúde, por exemplo.

O fosso entre ricos e pobres que em Portugal se acentua, e que realça os vícios de classe social terceiro-mundistas, afasta-nos das economias avançadas, e das sociedades abertas. Afasta-nos da ética democrática.

Talvez esteja na altura de perguntar como posso criar riqueza, em vez de perguntar “já posso ir ao banco?”

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