Primeira certeza certa (e a quem criticar, lembro haver muitas certezas que abanam ao primeiro sopro de vento):
A crise económica não acabou nem vai acabar tão cedo, e é sob o manto diáfano das suas consequências que os portugueses vão votar no ano que vem (e no seguinte, para a Presidência). Corolário: os partidos do governo vão ter de convencer os eleitores de que as soluções que implementaram eram as únicas viáveis e o partido da oposição vai ter de convencer os eleitores do contrário.

Segunda certeza certa:
As eleições legislativas serão disputadas, com surpresa geral, entre os seguintes 2 partidos: PSD e PS. O PP continuará agarrado ao primeiro, mas só enquanto Portas preponderar; porque por muito desestabilizador da coligação que ele seja, é ainda assim a garantia de que o seu partido interessa ao PSD como parceiro, que o mantém agarrado numa espécie de “abraço de urso”. Consequência: não haverá outros partidos a contar para o que verdadeiramente conta, nem o PCP a despeito do seu resultado nas europeias, e muito menos o Partido da Terra, ainda que Marinho e Pinto possa vir a cavalgar a onda do êxito nas mesmas eleições.

Terceira certeza certa:
O Tribunal Constitucional será uma instituição cada vez mais política, no sentido de interpretar a Constituição que visa proteger numa base mais ideológica do que técnica (de técnica constitucional); muito mais “partidária” do que apartidária (no sentido de tomar partido e não necessariamente relacionado com partidos em concreto); muito mais militante (de causas) do que neutra. Resultado: os próximos meses – e anos, a continuar assim – terão de um lado a governação, com os seus partidos e apoio parlamentar, e do outro o Tribunal Constitucional, a querer governar ou, pelo menos, a fazer oposição. Consequência inevitável, claro, será tornar ainda mais difícil a governação sem maioria absoluta no Parlamento.

Três interrogações. Primeira interrogação admirada:
Como irão os partidos políticos responder ao desafio colocado pelas recentes eleições? Escrevi na semana passada que o sistema político das democracias ocidentais está ameaçado; claro que não tanto pela abstenção ou desinteresse dos eleitores, fenómeno de todos os tempos e geografias, mas pelo advento avassalador de ideologias e partidos perigosos, que já vão colocando no espaço público mensagens inquietadoramente parecidas com algumas que este continente escutou num passado assim não tão recente. O problema é que, em vez de encarar a situação como dramática e a carecer de uma rápida inflexão, os agentes políticos reagem com “mais do mesmo”. O que se está a passar no PS, desculpe quem discorde, é disso muito elucidativo. Não estaria na altura, não apenas em Portugal, de mudar as regras do jogo, os sistemas constitucionais, eleitorais e parlamentares, de democratizar a vida partidária? Os partidos estão transformados em facções; claro que não há democracia sem eles, mas não é grande a qualidade da democracia com partidos que se limitam a gerir os seus interesses, isto é, os interesses dos seus…

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Segunda interrogação relevante:
Quem irá guiar os partidos políticos nas eleições do ano que vem? No PSD, Passos parece seguro, sobretudo depois da reacção dos socialistas (não apenas a do secretário-geral) ter transformado uma derrota eleitoral muito pesada em algo próximo do aceitável, mas muito boa gente suspira por Rui Rio. Um pouco como Costa no PS, o antigo presidente da Câmara do Porto foi-se fazendo um mito da política à portuguesa. O problema dos mitos é estarem sempre presentes, impondo-se às vezes a despeito de si mesmos. E por falar em Costa, será ele ou Seguro a liderar o PS em 2015? Bom, leia-se o que disse acima. Só com uma clara vitória sobre o actual presidente da Câmara de Lisboa, poderá António José Seguro matar o mito. Vivo, ele andará sempre… por aí. No PCP e no PP não há grandes dúvidas (a não ser que um certo apelo europeu desvie Portas), já o mesmo não se podendo dizer do Bloco. A ver vamos.

Terceira interrogação curiosa:
Num próximo futuro, está por resolver o destino de muitas carreiras e do que alguns homens e mulheres deixarão registrado no livro grande da História da Pátria. São várias, curiosamente, as personalidades sobre quem podemos fazer esta pergunta.
Aqui vai: António Guterres será ou não candidato à Presidência da República e, destarte, a terceira pessoa em Portugal, depois de Soares e Cavaco, a acumular os cargos de Primeiro-Ministro e Presidente? E Marcelo Rebelo de Sousa será o opositor (ou de outrem, claro), dando finalmente corpo àquilo que o seu brilho intelectual promete e provavelmente merece? Assunção Esteves terá vida política depois da sua experiência como PAR, e qual? Pedro Santana Lopes resistirá ao apelo da ribalta, voltando a animar uma campanha como só ele sabe? Barroso, ex-primeiro ministro, ex-presidente da Comissão Europeia, voltará a Portugal para aceitar o desafio supremo ou, como legitimamente pode ser sua aspiração, busca a continuidade da carreira internacional, aproveitando a margem que os seus 58 anos, apesar de tudo, ainda permitem (e dando mais algum tempo ao esquecimento)? Como se vê, e sem falar de outros que aqui não são referidos por óbvia incapacidade minha, animação não vai faltar…

A cultura política predominante dos últimos anos em Portugal, desde que as ondas de choque do 25 de Abril acalmaram e o sistema político português estabilizou, com uma Constituição democrática e instituições estáveis, tem-se baseado na cristalização maniqueísta dos partidos, das ideias e das convicções. E numa espécie de fulanização desenfreada. Que sentido faz serem os políticos, de longe, as pessoas mais mediáticas do país? Quando se fala de consenso, não é consenso partidário que faz falta, mas consenso sobre o que é ou não importante para os portugueses e deve ser reflectido no espaço público e na vida política. É preciso mudar muita coisa, a começar pelas mentalidades. A minha também. Mas sobretudo a de quem, em Portugal, tem poder, poder de fazer ou tentar fazer, em prol do bem colectivo.