No rescaldo da Jornada Mundial da Juventude (JMJ), que contou com a presença de aproximadamente um milhão e meio de participantes de todo o mundo, surgiu a justíssima proposta de dar o nome ‘Papa Francisco’ ao Parque Tejo. Também se sugeriu o nome do então Patriarca de Lisboa, Cardeal D. Manuel Clemente, para a ponte ciclopedonal sobre o Trancão, não só como justo agradecimento pela excelente organização do mais populoso evento alguma vez realizado em Portugal, bem como pela sua exemplar dedicação ao Patriarcado de Lisboa, que serviu como padre, bispo auxiliar e patriarca.
Não tardou, porém, a manifestar-se a oposição dos anticlericais do costume, com a sempre cooperante participação de alguma comunicação social e das redes sociais. Compreende-se o seu incómodo, não apenas pelo estrondoso êxito da JMJ, mas também porque não conseguiram impressionar a opinião pública com o fantasma dos abusos de menores na Igreja, uma vez que, no encontro com o Papa Francisco, as supostas 4815 vítimas se viram reduzidas a 13, número verdadeiramente aziago para a comissão dita independente, mas que melhor seria designar por indecente, dada a sua manifesta incompetência técnica e ética.
Como, em “Ponte Trancão: Anatomia de um escândalo”, escreveu José Maria Seabra Duque, “um dia após a Câmara Municipal de Lisboa ter anunciado que uma nova ponte sobre o Trancão receberia o nome de Dom Manuel Clemente, o ciclo noticioso foi dominado por uma petição da ‘sociedade civil’ contra o nome da ponte. A petição foi seguida, quase desde o primeiro instante, por quase toda a comunicação social. O aumento do número de assinaturas será assinalado nos meios de comunicação com evidente regozijo. A TSF chegou a anunciar o crescimento do activismo cívico.”
É sabido que a comunicação social é, em geral, muito criativa e, por isso, uma marcha de milhares de manifestantes pró-vida, pode ser ignorada, como geralmente é, mas não meia dúzia de signatários de um qualquer abaixo-assinado anticlerical. Assim foi, com efeito, neste caso: “Os promotores da tal petição (que já tinham apresentado uns cartazes durante a JMJ), eram militantes do Bloco (assim como as estruturas usadas nos tais cartazes, diga-se de passagem). Estes dados já ajudaram a explicar parte do interesse da comunicação social (que passou o dia seguinte a ignorar uma petição em sentido contrário, que cresceu ao mesmo ritmo que a do ‘activismo cívico’).” Pois é, somos todos iguais, mas umas causas são mais iguais do que outras.
Se algum mistério existia em relação a esta suspeita ‘sociedade civil’, “o mistério resolveu-se ao perceber quem era Tiago Rolino, que deu a cara ardentemente por esta petição. Tiago passou o dia a explicar que a petição não era contra a Igreja” – uma desculpa não pedida é uma acusação manifesta! – “era pelo respeito às vítimas. Mesmo sabendo que tinha escrito uma petição onde mentia descaradamente sobre o Patriarca de Lisboa”. O dito “activista é um investigador do CES [o Centro de Estudos Sociais, da Universidade de Coimbra]. Ou seja, a personagem que difamou o Patriarca de Lisboa, em nome das vítimas, é discípulo do homem que durante anos abusou sexualmente de alunas, com a cobertura da mesma instituição onde Tiago Rolino trabalha. Pelos vistos, a ele só lhe interessam algumas vítimas, já que as do seu mestre não o parecem preocupar.”
Embora Tiago Rolino tenha sido apresentado apenas como investigador do CES, a verdade é que, como Paulo Ribeiro escreveu em “Bloco escondido com o Rolino de fora” (Observador de 4-9-2023), é também “dirigente do Bloco de Esquerda, eleito no dia 19 de junho de 2022 para a Comissão Coordenadora Concelhia de Coimbra. Percebe-se, assim, que o Bloco de Esquerda, poucas horas após a publicação da petição, se tenha empenhado na sua promoção através do seu web site.” Portanto, a suposta iniciativa da ‘sociedade civil’ é, na realidade, uma acção político-partidária do Bloco de Esquerda, cuja ideologia comunista e, consequentemente, antidemocrática e anticristã, não é novidade para ninguém.
Note-se ainda que não foi inocente o ‘timing’ desta petição, mal-dita da ‘sociedade civil’, como Seabra Duque notou: “Também por total coincidência, a publicação da petição do investigador do CES, que ocupou todo o ciclo noticioso, abafou a notícia de que o livro que acusava Boaventura Sousa Santos de ter abusado, com a conivência do CES, de várias mulheres, tinha sido suspenso por ameaças legais do profeta de Coimbra. Ou seja, no dia em que se sabe que as vítimas de Boaventura e do CES estão a ser silenciadas, temos um dos seus investigadores a falar das vítimas de outros todo o dia na televisão. E assim se construiu uma ‘movimentação cívica’, que permitiu abafar mais um escândalo do CES.” Mas, como é óbvio, é a Igreja católica que é uma organização criminosa, e os bispos são todos encobridores de predadores sexuais …
Não faltaram também iníquas manobras de bastidores: “a comunicação social foi ignorando a petição ‘JMJ: saudação e apelo aos presidentes da Câmara de Lisboa e Loures’ que, em menos de 24 horas, e sem qualquer apoio da comunicação social, recolheu quase 8 mil assinaturas.” A TSF chegou ao ponto de entrevistar José Maria Seabra Duque sobre esta petição e, depois, não transmitir as suas declarações. Entretanto, de forma misteriosa, quando esta “saudação e apelo” começou a ganhar força, o correspondente site “esteve quase um dia inteiro em baixo. E a petição, que estava avançando em ritmo galopante, estagnou.” Claro que este problema ‘técnico’ foi alheio a qualquer propósito censório, ou intenção anticlerical …
No seguimento dos seus antecessores, D. Manuel Clemente honrou o Patriarcado de Lisboa – que, com o de Veneza, são os únicos do ocidente católico – e toda a Igreja portuguesa, a cuja Conferência Episcopal presidiu em vários mandatos. Para quem é Prémio Pessoa, entre tantos pergaminhos, nada acrescentaria uma modesta ponte para peões, que José Ribeiro e Castro, em genial aparte, sugeriu que se denominasse, dado o carácter pedonal da estrutura e a subsequente polémica, pont’a pé…
Se sobravam as razões, de estrita justiça, para proceder a essa homenagem pública ao Patriarca emérito de Lisboa, acresce agora mais um motivo que, na verdade, é um imperativo ético. Depois da ignóbil campanha promovida contra esta louvável iniciativa, retroceder seria, como é óbvio, um sinal de cobardia política e de que, afinal, um grupinho de anticlericais pode mais do que um milhão e meio de crentes. Com efeito, segundo Paulo Ribeiro, “numa sondagem recentemente publicada, 76,4% dos portugueses afirmam que a Jornada correu bem e foi bem organizada.”
É verdade que D. Manuel Clemente, numa atitude de grande nobreza e humildade, pediu para que não se desse o seu nome a essa passagem elevada, para evitar discórdias que dividam os portugueses. Porém, não se trata de uma questão pessoal, mas de uma exigência de justiça, que não admite cedências ante as manobras populistas e demagógicas de uns quantos, que se querem impor à grande maioria dos cidadãos.
Com certeza que o Estado não é confessional, mas 80% dos portugueses, no último censo, assumiu-se cristã e, portanto, o Estado, que não só não é constitucionalmente laico como está, pela Constituição, obrigado a respeitar a liberdade religiosa dos cidadãos, não pode, em termos constitucionais, ignorar o legítimo desejo da quase totalidade dos cidadãos nacionais.
É razoável que não se dê o nome do anterior Patriarca de Lisboa à referida ponte ciclopedonal sobre o rio Trancão, mas com certeza que as autarquias implicadas não terão dificuldade em honrar D. Manuel Clemente de outra forma, dando, por exemplo, o seu nome a alguma avenida ou praça condigna. As Câmaras Municipais de Lisboa e de Loures devem-no fazer, não apenas por uma razão da mais elementar justiça, mas também porque, se se deixassem intimidar por uma minoria de fanáticos anticlericais, contra a vontade de um milhão e meio de crentes, não seriam apenas cobardes, mas também populistas e antidemocráticas.