Terminou a 5 de novembro o V Congresso da Sedes, em que esta organização da sociedade civil celebrou meio século de existência. Fundada em 1971 por um conjunto de intelectuais, dos quais se destaca João Salgueiro, desempenhou um papel crucial no nascimento e consolidação da democracia em Portugal, e no nascimento do PSD e PS.

O Congresso foi precedido pela discussão e elaboração de um vasto programa de diagnóstico, benchmarking e de recomendações para o desenvolvimento económico e social do País. Doze grupos de trabalho, que envolveram cerca de centena e meia de académicos, políticos, empresários e especialistas, reuniram quinzenalmente por meios digitais entre dezembro de 2020 e julho de 2021. Este trabalho foi enquadrado pelos termos de referência publicados no site da Sedes, e dirigido pelo Conselho Consultivo ao qual presidimos. Os temas dos grupos de trabalho são: (1) Geopolítica e políticas europeias, (2) Sistema político e democracia, (3) Estratégias de desenvolvimento económico, (3) Finanças públicas e reforma do Estado, (4) Industrialização, energia e clima, (5) Investigação, desenvolvimento e inovação, (6) Saúde e ação social, (7) Educação básica, vocacional e superior, (8) Justiça, (9) Regulação, (10) Segurança e defesa, (11) Comunidades portuguesas, (12) CPLP. Posteriormente acrescentou-se o tema do mar. Os relatórios destes grupos de trabalho encontram-se também disponíveis no site da Sedes.

O Congresso teve lugar em Lisboa, Porto e Coimbra, durante 10 dias, dedicados a cada um destes temas. Nele participaram, além dos coordenadores e relatores dos grupos de trabalho, cerca de uma centena de comentadores. Para cada um dos temas houve uma dúzia de oradores convidados, reputados especialistas ou personalidades de reputação internacional. Três exemplos: Lorde Krisp, fundador do Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido, que falou dos desafios atuais daquele sistema; Professor Levie Peretz, cientista chefe de Israel sobre as bases do sucesso de uma “start-up nation” e Professor Sergei Guriev da Universidade Science Po, Paris, analisou as causas do sucesso da Europa de Leste relativamente aos países da Europa do Sul.

Não temos memória de tão vasta mobilização de capital humano para se debruçar sobre os problemas da economia e sociedade portuguesas e propor soluções, de pessoas de vários quadrantes políticos, mas com a preocupação de proporem soluções pragmáticas, exequíveis, num horizonte de curto ou longo prazo, orientadas para o centro político. As apresentações, discussões e alocuções encontram-se disponíveis no site da Sedes, e podem ser revividas através das plataformas sociais.

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Vamos, pois, apresentar de uma forma sucinta algumas das principais conclusões deste trabalho, que de forma nenhuma apreende a riqueza e diversidade dos relatórios e sessões.

1 Diagnóstico e cenários futuros para Portugal no contexto da EU: duas décadas de quase estagnação do PIB e a caminho da cauda da EU

Para propor novas políticas e reformas é necessário partir da trajetória de tendência a médio e longo prazo da economia. O que nos diz o cenário de base? É uma constatação estatística que a economia portuguesa divergiu em relação à média da EU-28 nas duas décadas e meia (1995-2021) 4 pontos percentuais, para 75,5% da média em finais de 2021, segundo dados da Comissão Europeia. O que se deve medir são tendências de longo prazo e não citar dados anuais neste ou naquele ano, como muitos comentadores o fazem. É evidente que a extrapolação desta tendência nunca dará convergência para a média da EU. Alguns economistas referem que estes valores são calculados em relação à média da EU que é muito influenciada pelos grandes países, mas mesmo se tomássemos os três países mais ricos, que são a Dinamarca, Holanda e Áustria (excluindo o Luxemburgo e a Irlanda por razões bem conhecidas) tínhamos uma conclusão semelhante: o PIB per capita em PPP, relativo de Portugal em relação àqueles três países, baixou de 61,9 para 58,7% entre 1995 e 2021. A crise financeira global e a pandemia afetaram seriamente a economia portuguesa, mas estes são choques comuns a todos os países, o que não são foi a crise económica de 2011-2014. Mas também choques simétricos, como a pandemia, afetaram as economias de diferente forma. Estima-se que Portugal tenha perdido cerca de 40 mil milhões de Euros entre 2020 e 2023, uma das maiores perdas dentro da EU. Evidentemente que uma parte significativa é devida à nossa especialização no turismo, mas outra parte é devida a políticas económicas sub-ótimas e aos custos de contexto do País. Compare-se o que representa o PRR de 11 mil milhões, líquido de contribuições nacionais, em relação àquelas perdas!

A continuação desta tendência de crescimento da nossa economia dá-nos uma projeção nada animadora. Até 2025 Portugal só teria dos antigos países socialistas, a Bulgária numa posição traseira. E mais ainda, com o envelhecimento da população, mesmo supondo alguma aceleração na inovação, Portugal teria em 2040 um PIB per capita de 74% da média da EU e em 2060 de 67%, atualizando as últimas projeções a longo prazo da OCDE. É este o cenário que queremos para as próximas gerações? Queremos a continuação do status quo que nos têm levado à quase estagnação (o PIB per capita cresceria nas próximas quatro décadas a 1,2% ao ano, com a população a baixar para 8,9 milhões). Queremos 6,5 décadas de quase estagnação!

2 Benchmarking e lições da experiência internacional

Não existe nenhuma “lei de ferro” que diga que um dado país está condenado à estagnação ou está destinado ao crescimento. Mas o que observamos é que há países que têm crescimento sustentado durante décadas, como Portugal entre os 1960 e 1990, ou a Coreia entre 1960 e a atualidade. Mas também há casos de largos períodos de estagnação como a Itália ou Portugal desde os anos 1990, ou um grande número de países da América Latina desde os anos 2000, que deram origem ao termo de armadilha do crescimento dos países de rendimento médio (middle-income trap). Portugal apresenta muitos dos sintomas desta “doença”, tendo passado a ser classificado um país desenvolvido em finais dos anos 1980, não conseguiu voltar a convergir desde meados dos anos 1990.

Desde os anos 1960 houve uma dúzia de países que conseguiram entrar no grupo dos países desenvolvidos, e que se pode agrupar em três tipos: os tigres asiáticos (ex. Japão e Coreia do Sul), os países ricos em recursos naturais (ex. países do Médio Oriente), nomeadamente em petróleo, e países europeus que acederam à União Europeia (ex. Irlanda e países do Centro e Leste Europeu).

Destes diferentes modelos destacam-se as seguintes variáveis estratégicas: (i) abertura ao Exterior, em que a industrialização está alicerçada numa estratégia das exportações e orientada para a incorporação de tecnologias mais sofisticadas e de elevado valor acrescentado; (ii) políticas desenvolvimentistas orientadas para a acumulação de capital humano de qualidade crescente e físico de inserção nas logísticas internacionais; e (iii) constante melhoria da qualidade das instituições, baseadas no mercado e respeito dos direitos de propriedade e na liberdade e de sofisticação do sistema de inovação e empreendedorismo nacional.

São múltiplos os casos de fracasso e bloqueios. Em Portugal está largamente documentado que as más políticas conduziram a uma má afetação de recursos que nada contribuíram para o crescimento. As crises macroeconómicas, a subsídio-dependência, a corrupção e a falta de orientação das políticas dos diferentes governos para o crescimento, são tudo fatores de estagnação. É interessante que foram os países da Europa de Leste que melhor geriram os seus recursos, empreenderam reformas continuadas para melhorar as instituições e políticas orientadas para as exportações de tecnologia de sofisticação crescente, com apoio do IDE, e criaram um eco-sistema conducente ao investimento e empreendedorismo, que tiveram mais sucesso. Mas há duas variáveis fundamentais. O receio de que a ameaça da Rússia viesse a reverter os progressos conseguidos: questão de sobrevivência, e a constatação de que as políticas estatizantes do período soviético foram a fonte de bloqueio do seu desenvolvimento.

Não podemos continuar a iludir-nos. Ficamos satisfeitos porque no ranking das cidades a nível internacional, Lisboa e Porto aparecem muitas vezes entre as vinte melhor posições, devido à segurança e atrativos históricos, mas se os critérios de classificação incluem variáveis económicas com o nível de rendimento per capita ou a capacidade de gerar riqueza, caímos para a 51ª posição, com o indicador de “prosperidade” na posição 220ª. Regozijamos com o facto de as faculdades de gestão da Nova e Católica estarem na 83ª posição, a nível mundial, no ranking do FT, mas a melhor classificação que conseguimos de uma Universidade é da Católica entre 350-400, Nova e Porto entre 401-500. Não é possível termos um nível de desenvolvimento mais elevado sem excelentes cidades e universidades.

Um ponto fundamental a ter em conta é que as tecnologias evolvem ao longo do tempo. As tecnologias que podem propulsionar a ascensão a país desenvolvido hoje, nada têm a ver com as dos anos 1960. É necessário que por um lado os empresários tenham um pé no presente, reconhecendo as capacidades tecnológicas atuais e as vantagens comparativas do país, e um pé no futuro, reconhecendo os setores ou subsetores em que o país poderá ter um contributo nas cadeias de valor do futuro. Podem ser produtos, mas também processos inovadores. As tecnologias fundacionais do século XXI são a digitalização, inteligência artificial, nova geração de semicondutores, internet das coisas, energias eficientes, mas que minimizam poluição, sociedade de informação, biotecnologia e novos materiais.

3 Objetivos ambiciosos para Portugal: acelerar o crescimento para duplicar o PIB em 20 anos

É esta decadência económica que a Sedes pretende combater, propondo um conjunto de políticas e reformas que levem a uma aceleração do crescimento de cerca de 1,2 para 3,2% ao ano, em média, o que levará a uma duplicação do PIB todas as duas décadas, e permitirá que o país ultrapasse o nível do PIB per capita, médio da EU, em torno de 2040. O PIB per capita em PPP, e a preços constantes de 2015 cresceria de 21,9 mil Euros em 2021 para 33,6 mil em 2040.

Note-se que o crescimento médio entre 2022 e 2040 ainda será inferior àquele objetivo por causa do processo de transição, com alguns sacrifícios associados no curto prazo, antes de atingir a trajetória desejada.

Em termos gerais pretendemos ter um crescimento mais ambicioso, uma democracia mais justa, participada e vibrante e um papel mais relevante nas relações internacionais. Porém, não é possível tornar Portugal num país mais justo e relevante sem que a economia cresça. Por isso, as reformas e as políticas económicas são centrais a qualquer programa de desenvolvimento económico e social. Foi assim no passado, e é assim para o futuro.

Quais são as pré-condições para o crescimento? Muitas vezes esquecidas, mas nem por isso deixam de ser essenciais. É como a doença numa pessoa normalmente saudável: raramente se dá valor à saúde, mas quando ela falta está tudo posto em causa.

Destacaríamos três pré-condições, sem as quais dificilmente haverá crescimento. Primeiro, a estabilidade política, o que não significa imobilismo, mas o funcionamento normal da democracia com rotação de partidos e eleições periódicas. E estabilidade social que permita à sociedade e empresas funcionarem regularmente. Portugal aprendeu com a I República os custos desta instabilidade. Segundo, a estabilidade macroeconómica. Com três crises financeiras no regime da atual república, o País também já devia ter interiorizado esta necessidade. Porém, temos dúvidas se os governantes atuais têm consciência do perigo que é durante décadas insistir em défices orçamentais de 5 a 6% do PIB, ou a défices da balança corrente de pagamentos de 10% do PIB. Embora desde 2015 a 2019 se tenha procurado respeitar o défice limite dos 3%, a crise pandémica veio novamente levar a elevados défices e aumento da dívida pública, e os países do Sul estão a procurar novamente flexibilizar o Pacto Fiscal que poderá levar a uma continuação dos desequilíbrios. Mas o que é também grave, é que a expansão das despesas correntes estruturais levou a um corte excessivo do investimento público, desequilíbrio que urge corrigir com a aplicação dos fundos europeus, de forma judiciosa, para não comprometer o crescimento.

Terceiro, e não menos importante, é a criação de um ambiente favorável a uma economia de mercado, em que o Estado se compromete a proteger a propriedade e o Estado de Direito. O regime económico que levou ao extraordinário nível de desenvolvimento tecnológico e de bem-estar mundial é o de economia de mercado, em que as empresas concorrem ativamente para satisfazer as necessidades dos consumidores aos menores preços e com a melhor qualidade, promovendo o progresso técnico. Entram e saem do mercado de acordo com a eficiência económica, sem barreiras ao investimento e ao emprego, na corrida à inovação.

As experiências de economia planificada soviética foram um falhanço, e os movimentos alarmistas climáticos atuais também pretendem pôr em causa a economia de mercado. Claro que há falhas de mercado que devem ser resolvidas através de instrumentos apropriados, mas não revertendo a uma intervenção direta do Estado que ponha em causa o funcionamento do mercado, como as reafectações maciças de recursos com elevados custos económicos.

Em Portugal perdemos muito tempo em discussões espúrias do Estado versus o Privado. Uma nova moda reclama a primazia do Estado por causa da “emergência” climática, das desigualdades ou globalização, para não falar dos populismos de direita ou de esquerda. E depois caímos em situações que prejudicam a sociedade e o desenvolvimento, como limitar à priori certos setores ao setor público, acabar com PPPs na saúde, nacionalizar empresas com fortes prejuízos para os contribuintes, etc. Zingales, da Universidade de Chicago, escrevia recentemente que, hoje, a dicotomia estado-mercado é um dos grandes obstáculos na formulação das políticas essenciais à resolução dos grandes problemas, classificando-a como uma “relíquia feudal”.

Estes são princípios que têm sido esquecidos entre nós, e que ou aprendemos com os nossos erros ou não será possível fugir da armadilha económica-política-social em que estamos.

4 Políticas centrais para relançar a convergência nas áreas económicas

Será possível acelerar o crescimento para quase o triplo da taxa? É difícil, mas em nossa opinião atingível. Exigirá reformas e políticas bastante exigentes, o que requer no futuro um governo forte, determinado e extramente competente, que sejam capazes de mobilizar as empresas, organismos e sociedade civil para este grande programa e desígnio nacional. Só em cooperação estreita com os agentes económicos é que se poderão implementar estas políticas, com um discurso de mobilização e em diálogo constante, com grande transparência e completa integridade na sua implementação, acompanhado de processos que levem a uma accountability rigorosa e de correção atempada dos erros.

As políticas centrais ao relançamento do crescimento têm que começar pelas que poderão impulsionar no curto prazo o investimento e produtividade da economia, e devem compreender: (i) criação de um eco-sistema favorável à criação, expansão e mobilidade dos recursos; (ii) choque e reforma fiscal, (iii) reforma do Estado e da programação orçamental, (iv) programa de reindustrialização assente na dinamização dos setores de bens transacionáveis de forma a aumentar significativamente o peso das exportações de elevada tecnologia, (v) a construção de um Sistema Nacional de Inovação moderno e integrado, e (vi) reformas da educação e da saúde para melhorar a sua eficiência, alargar a sua produção e torna-los mais equitativos. As medidas consideradas emblemáticas são formatadas em itálico.

4.1 Criação de um eco-sistema favorável à criação, expansão das empresas e transformação tecnológica

A dinâmica duma economia de mercado processa-se através de um processo vigoroso de entrada e saída de empresas, assim como de condições que facilitem o crescimento das empresas de pequenas para médias e de médias para grandes empresas. Para estudar os bloqueios neste processo deveria ser criada uma Comissão para elaborar um conjunto de recomendações específicas. Mesmo assim, deveriam ser tomadas medidas imediatas de desburocratização, que são “low hanging fruit”, sem custos significativos em recursos, como a extensão do simplex aos licenciamentos, integrando processos das autarquias e serviços centrais, de forma a reduzir a duração de 2 e mais anos para um máximo de 6 meses. Para promover a expansão de empresas deveriam ser eliminados os elevados custos fiscais derivados das fusões e aquisições. Para permitir um processo mais ágil de transferência de recursos simplificar e tornar mais expedito o processo de insolvência, e rever drasticamente os procedimentos de recuperação de empresas, evitando a corrupção.  No que respeita à criação de empresas são importantes também as medidas incentivadoras às start-ups e no que respeita à transferência as medidas de flexi-segurança do trabalho, abaixo referidas.

4.2 Choque e reforma fiscal

A primeira reforma com um impacto macroeconómico assegurado para passarmos para uma trajetória mais acelerada de crescimento é um choque fiscal. Este deveria compreender a redução da carga fiscal sobre a economia, compreendendo: (i) baixar a taxa de imposto efetiva sobre os lucros das sociedades para níveis compatíveis com a concorrência do Leste Europeu (15%), (ii) baixar a taxa marginal de imposto sobre os rendimentos pessoais e a taxa média sobre as famílias, (iii) reduzir a carga fiscal sobre o trabalho para reduzir os custos laborais das empresas. Todas estas taxas estão largamente desalinhadas com os países com quem concorremos. Discordamos frontalmente dos comentadores que afirmam que não é crucial reduzir os impostos e o peso do setor público. Não é uma opção ideológica, mas uma política essencial para incentivar os agentes económicos a investir, poupar, trabalhar e adquirir capital humano.

A reforma fiscal deveria modernizar e estabilizar o sistema fiscal, simplificando-o e alinhando-o com os objetivos mais prementes da: (a) promoção do investimento e desincentivo ao endividamento (reforma para um sistema cash-flow que permita considerar todos os investimentos como despesa fiscal e não do serviço da dívida), (b) poupança das famílias para o sistema de pensões pelo alargamento dso PPRs e tratamento preferencial das contribuições das empresas para os fundos de pensões dos empregados, (c) redução das taxas de IRS das mães para metade, se tiverem mais de 3 filhos e isenção total para mais de 4 filhos, para incentivar a natalidade. Para além destes incentivos deveria racionalizar-se de forma drástica o quadro de benefícios fiscais.

4.3 Reforma do Estado e da política orçamental

O choque fiscal vai reduzir no curto prazo as receitas orçamentais, pelo que é necessário também cortar as despesas correntes. Não é sustentável o modelo seguido desde 2015 de aumentar substancialmente o emprego e não subir os salários, o que penaliza a performance. Em todos os setores se verifica uma estagnação ou regressão do crescimento da produtividade que se iniciara em finais da década de 2000. Dado o peso do Estado na nossa economia, este tem de contribuir para o aumento da eficiência global. Consentâneo com o objetivo de conter as despesas correntes primárias em cerca de 35% do PIB nos próximos 3 a 10 anos e para criar espaço para o aumento do investimento público e para uma política de estabilização macro, será necessária uma redução de cerca de 3 a 4% do PIB.

Esta redução consegue-se começando pela racionalização das estruturas do Estado, através de uma redução significativa do número de organismos (existem hoje mais de 10,5 mil entidades administrativas a nível central, regional e local, 1,5 mil empresas públicas, 1,2 mil fundações e associações, e 350 institutos). Os ministérios têm que deixar de funcionar em silos e passar a partilhar serviços comuns, a administração deve passar a funcionar mais em redes, a descentralização na saúde e educação devem ser acompanhadas de redução drástica dos serviços centrais. A digitalização e a Inteligência Artificial levarão à necessidade de upgrading de muitos serviços, exigindo pessoal muito mais qualificado. Este trabalho de enorme alcance e profundidade levará mais de uma década, pelo que deveria prosseguir por etapes, selecionando em programas anuais áreas e sistemas, à semelhança dos Países Baixos.

Uma das prioridades é a refundação da capacidade de definição de estratégias de desenvolvimento para o País, criando uma comissão central, que elabore todos os 4-5 anos um documento contendo cenários da evolução macroeconómica e setorial, com base nas quais se definam estratégias de desenvolvimento a médio e longo prazo, com a participação dos ministérios e associações profissionais e cívicas, à semelhança dos Países Baixos.  Esta capacidade é complementada pela elaboração de planos setoriais para as infraestruturas do País, a nível dos respetivos ministérios.

No que respeita ao perímetro do Estado recomenda-se que o Estado reduza as suas funções de produtor e proprietário, e reforçar as de exercício do poder na justiça e segurança, de regulador e de provisão do acesso aos bens públicos. Neste sentido propõe-se a privatização de empresas públicas nos transportes e na banca que têm absorvido enormes recursos dos contribuintes. Simultaneamente deve adotar-se uma visão pragmática e de benefícios mútuos em relação à colaboração entre o Estado e o setor privado (como nas PPPs), e com o setor social, transferindo muitos dos organismos de assistência social para melhorar a sua gestão e ajudar na relação de proximidade.

Estas reformas têm de ser acompanhadas por programas de formação dos quadros, e em especial dos superiores, mediante a refundação do Instituto Nacional de Administração, de dignificação da Administração Pública, seleção através de concursos públicos por uma comissão independente e independência dos altos cargos face ao poder político. Deverá também proceder-se a uma nova revisão de carreiras por grandes setores e refundar o sistema de avaliação de performance e esquemas de remuneração associados.

É também fundamental completar a reforma do sistema de elaboração do orçamento, controle e de auditoria das contas públicas.

Para dar efetividade ao processo de descentralização é fundamental formar as estruturas e treinar os funcionários dos municípios e associações de municípios, para receberem as novas funções, cobrindo a totalidade do território, e reconhecendo a enorme diversidade destes organismos.

A subida da taxa de crescimento da produtividade irá contribuir significativamente para a redução do défice atuarial da segurança social, o que deverá ser complementado pela reforma do sistema da segurança social, reforçando os dois pilares: o empresarial e o individual/familiar, mediante incentivos fiscais e institucionais.

4.4 Reindustrializar o País, através da integração nas cadeias de valor internacional e desenvolvimento tecnológico

Dificilmente se conseguirá duplicar o PIB sem abertura ao Exterior consubstanciada na reindustrialização do País que leve a um forte aumento do peso das exportações sobre o PIB e subida na escala tecnológica. Entendemos a industrialização num sentido lato, à americana, em que não se distingue a manufatura dos serviços comerciais, como o turismo.

São as empresas e os novos empresários que levarão a cabo esta reindustrialização, o Estado tem apenas um papel de coordenador de esforços, do ponto de vista estratégico, incentivador, facilitador e regulador. Vejamos, pois alguns tópicos fundamentais orientadores: financiamento e assistência técnica, incentivos, internacionalização e IDE.

O financiamento dos projetos deverá ser essencialmente provido pelos bancos comerciais. Aqui é fundamental que estes melhorem os seus mecanismos de seleção de projetos para evitar os erros cometidos no passado. O critério fundamental de avaliação e seleção de projetos de investimento que é compatível com os objetivos macro propostos é pura e simplesmente a taxa interna de rentabilidade do projeto de investimento superior ao custo do capital. Numa análise prospetiva serão certamente os projetos que reforçam a competitividade da economia, no setor dos bens transacionáveis os mais rentáveis. Estes projetos irão contribuir para a expansão das exportações e/ou substituição de importações, sobretudo em produtos ou processos que façam progredir o nível tecnológico. Mas são os empresários que irão detetar as oportunidades e fazer as suas propostas, e não os burocratas que não têm experiência empresarial, nem correm riscos.

O financiamento deve ser alocado preferencialmente a projetos ganhadores e empresários de sucesso e não desperdiçados na manutenção de empresas zombies e sem capacidade de recuperação económica.

E são exatamente este tipo de projetos que devem receber os subsídios dos fundos estruturais europeus. Não são os projetos com baixa rentabilidade económica e que só ultrapassam o limiar do custo de capital com o subsídio que devem ser subsidiados, pois uma grande parte destes já está destinado ao fracasso. Para além desta orientação básica, as agências do Estado que atribuem os subsídios deveriam alterar os seus métodos em três aspetos. Primeiro, alterar os tempos de oferta de subsídios: atribuir metade dos subsídios segundo o calendário próprio e a outra metade para atribuição “on demand” pelas empresas, pois as oportunidades de investimento surgem aleatoriamente. Dedicar maior atenção ao acompanhamento da execução e à auditoria ex-post dos projetos, por subcontratação a gabinetes de engenharia e economia. E, terceiro, as lições aprendidas com estas análises deveriam ser incorporadas nos projetos futuros.

O Banco de Fomento pode desempenhar um papel importante na estratégia de reindustrialização, dando garantias ou financiamentos a projetos com prazos mais longos, quando o risco associado para a banca é mais elevado. Também poderia, em consonância com as sociedades de risco mútuo, prestar garantias junto da banca comercial aos empresários que não tenham as garantias exigidas. Uma proposta importante é que o Banco de Fomento deve ser uma instituição com pouco pessoal, mas técnicos com grande experiência e competência. Além disso, deve separar os negócios de banca comercial e de capital de risco, constituindo uma agência com capacidades próprias, e que tem uma lógica de atuação completamente diferente. Esta é a experiência das instituições oficiais de financiamento internacionais e estrangeiras. E não deve “tapar buracos” de financiamento ao sabor do poder político, com fins puramente eleitoralistas.

O financiamento tem que ser acompanhado de assistência técnica ou extensão industrial sobretudo para as PMEs. Aqui desempenharam um papel fundamental os Centros Tecnológicos fundados no PEDIP e que recentemente se substituíram por laboratórios colaborativos. Estes centros deveriam ser reforçados, com a colaboração das universidades, politécnicos, centros de investigação e associações empresariais. Recomenda-se também o seu alargamento a novas áreas tecnológicas.

Os Estados americanos criaram recentemente este tipo de centros. Mas, e à semelhança do que estes fizeram, é necessário complementar a tecnologia e o design com o marketing: com a participação de membros do AICEP em cada centro para fazerem a ponte entre os projetos e os mercados externos: centros de desenvolvimento de negócios (business development).

Esta é apenas uma faceta da essencial internacionalização das empresas portuguesas. Devido à grande dispersão de pequenas empresas e sua incapacidade de fornecerem grandes séries, seria importante criar centros de negócios e marketing, agregando empresas em determinados setores, para concorrerem a nível internacional. Um primeiro exemplo poderia ser nas indústrias agro-alimentares.

O Investimento Direto Estrangeiro tem desempenhado um papel fundamental no desenvolvimento tecnológico dos países do Centro e Leste da Europa, desde a República Checa à Roménia. Sabemos o papel que também multinacionais alemãs têm desempenhado em Portugal, como a VW, Siemens e Bosch. Porém, uma grande parte da I&D desenvolvido poderia ter maior incorporação a jusante na indústria nacional. Como muitas vezes se diz, de forma figurativa, precisamos de mais duas Auto-Europas para Reindustrializar o País, o que exige uma atitude mais focada, baseada numa estratégia de desenvolvimento tecnológica, e pró-ativa por parte da AICEP e do governo.

4.5 Promover a construção de um Sistema Nacional de Inovação

Como temos vindo a referir Portugal não consegue aceder aos próximos estádios de desenvolvimento sem uma forte componente de inovação, na qual a inovação tecnológica desempenha um papel fundamental. Para tal temos que criar um verdadeiro Sistema Nacional de Inovação. Temos que reconhecer, previamente, que o País apesar de ter progredido nesta área está muito longe do que necessita. Concentramo-nos nos inputs, como número de investigadores, e não nos outputs: só 5% das nossas exportações são de alta tecnologia e o rácio de patentes registadas por investigador é muito baixo.

A governação do Sistema Nacional de Inovação seria composta por (i) Alta Comissão para a Ciência, Tecnologia e Inovação, junto do Primeiro Ministro, e na direção de um Cientista-Chefe, com a função de definir e conduzir estratégias a médio e longo prazo; (ii) um Conselho Nacional, composto por académicos, investigadores e empresários das principais áreas, com uma função consultiva; e (iii) uma Agência para a Ciência, Tecnologia e Inovação, com a função executiva, que integrasse várias das agências existentes (FTC, Agência de Inovação, áreas do IAPMEI).

Uma das primeiras responsabilidades desta estrutura seria de elaborar uma Estratégia de Desenvolvimento Tecnológico para o País nas próximas duas décadas, baseadas nas capacidades existentes e nos setores em que temos vantagens comparativas internacionais, tendo em conta a integração em cadeias de valor internacionais e os recursos e talentos a criar no futuro.

Entre outras são propostas medidas para (i) Alteração da forma de financiamento da investigação alinhando a atribuição de bolsas com a estratégia de desenvolvimento tecnológico, e dar mais estabilidade ao financiamento dos centros de investigação mediante contratos-programa de investigação; (ii) Reforma profunda dos laboratórios do Estado para os alinhar com a estratégia definida para reforço da capacidade tecnológica do País; (iii) Elaboração e implementação de um programa para colocar Lisboa e Porto entre as 20 ou 30 cidades mais geradoras de inovação e riqueza, criando Parques Tecnológicos e campus universitários de nível internacional; e (iv) Programa para aumentar de 5 para 20% o número de doutorados nas empresas.

No ensaio seguinte abordaremos as restantes políticas propostas, nas áreas sociais e a reforma das instituições, bem assim como a implementação estratégica e tática do programa.