Além do facto central que foi a maioria absoluta do PS, as eleições legislativas de 2022 traduziram-se numa viragem à direita e também na reconfiguração do espaço partidário à direita do PS no sentido de um padrão mais próximo do prevalecente no resto da Europa. A viragem à direita não foi suficiente para viabilizar a constituição de uma maioria alternativa ao PS mas fornece pistas importantes para a referida reconfiguração.
A esse respeito, os resultados eleitorais sugerem que Francisco Rodrigues dos Santos teve a intuição correcta ao insistir repetidamente na criação de uma nova AD. Não tanto (ainda que possivelmente também) por uma questão de matemática eleitoral, mas porque nas actuais circunstâncias políticas PSD e CDS têm provavelmente muito mais a ganhar concorrendo a eleições em conjunto do que apresentando-se separadamente ao eleitorado.
As eleições de 2022 confirmaram a consolidação e rápido crescimento de Iniciativa Liberal e Chega, ambos beneficiando do dinamismo próprio de novos projectos em fase de afirmação e de matrizes ideológicas que os distinguem claramente do PSD e do CDS. A diferenciação ideológica de IL e CH é um aspecto importante a ter em conta já que tanto PSD como CDS sempre se caracterizaram por uma multiplicidade de correntes internas e uma razoável (e frequentemente deliberada) indefinição ideológica. No seu auge cavaquista, o PSD foi o verdadeiro partido catch-all, enquanto o CDS foi sempre muito mais um partido de quadros, mas no âmbito do qual conviveram desde a sua fundação até muito recentemente correntes democratas-cristãs, liberais e conservadoras. Há razões históricas fortes – relacionadas com as especificidades da transição democrática portuguesa – para esta indefinição ideológica de PSD e CDS mas o aparecimento, crescimento e consolidação de CH e IL conjugados com o desaparecimento parlamentar do CDS alteram de forma substancial o estado de coisas à direita.
Este é por isso um momento oportuno para retomar e desenvolver o tema da criação de uma nova AD. A razão imediata mais óbvia é que o CDS terá muitas dificuldades em voltar a ser eleitoralmente viável de forma autónoma. Mesmo que o CDS consiga voltar a eleger nos círculos eleitorais de maior dimensão, a apresentação separada de PSD e CDS conduzirá muito provavelmente a um “desperdício” significativo de votos na maioria dos círculos. Isto porque a campanha de 2022 deixou também bastante claro que, ao contrário do que acontece com CH e IL, PSD e CDS competem hoje essencialmente pelo mesmo espaço eleitoral.
Acresce que os segmentos eleitorais que se sentem motivados para votar na IL e (especialmente) no CH são hoje dificilmente incorporáveis no PSD. Por isso, é bastante possível que a existência de IL e CH contribua para alargar o espaço à direita do PS, mas é muito mais difícil argumentar o mesmo relativamente ao CDS. De facto, é difícil perspectivar como uma nova liderança do PSD poderá conseguir atrair simultaneamente eleitores da esfera da IL e do CH, mas a mesma dificuldade não se coloca relativamente ao CDS, cuja sobreposição com o PSD é muito mais substancial e foi aliás notória no debate entre Rui Rio e Francisco Rodrigues dos Santos.
Uma sobreposição que se encontra reflectida também na pertença de PSD e CDS ao mesmo grupo europeu, o PPE, e que contrasta com a integração da IL no ALDE e do CH no ID. Seria também nesta dimensão perfeitamente normal Portugal passar a ter um só partido ligado ao PPE (em vez dos actuais dois) a concorrer a eleições. Juntando PSD e CDS, a nova AD poderia também beneficiar de maior clarificação ideológica e programática, além de facilitar a integração de um conjunto de quadros ligados ao CDS.
Há várias fórmulas que podem ser consideradas, mas criar uma nova AD não implicaria necessariamente o desaparecimento de PSD e CDS, cujas estruturas autónomas se poderiam manter desde que assumindo o compromisso estrutural de se apresentarem juntos a eleições. Essa nova AD estaria claramente em melhores condições de se consolidar no centro-direita, reforçando a capacidade de oposição à maioria absoluta do PS e usufruindo de melhores condições para tentar limitar o crescimento de IL e CH. Teria também a importante vantagem de dissociar a legítima disputa pelo aparelho do PSD da escolha de um candidato a primeiro ministro habilitado e credível para o espaço do centro-direita. E, se tudo corresse pelo melhor, poderia até permitir ao centro-direita voltar a sonhar com o objectivo “uma maioria, um Governo e um Presidente”, por exemplo apresentando Cecília Meireles como candidata à liderança do Governo e Pedro Passos Coelho como candidato a Presidente da República.