Quem se atreveria a imaginar que, volvidos quase 500 anos sobre os “mares nunca dantes navegados” de Camões, a epopeia na ordem do dia, em Portugal, envolvesse o governo a ponderar exigir que Zmares nunca dantes requisitados acolham trabalhadores agrícolas com COVID? É que nem o Velho do Restelo. Estou convicto que o célebre idoso rezingão confessaria: “Eh pá, eu realmente tinha um mau pressentimento em relação a esta coisa dos Descobrimentos. Mas daí à epopeia marítima redundar num Costa a pensar requisitar casas particulares para acolher doentes com coronavírus, para mais quando o número de internados nos hospitais é já tão baixo, vai uma distância maior que o próprio caminho marítimo para a Índia. E não me façam falar do meu Belenenses, que está muito fraquinho.”
Pois é, longe vão os tempos da obra maior da literatura lusitana. Por estes dias, o mais próximo que temos de uma ode épica é Odemira epidémica. Epidemia que acaba por não surpreender, quando constatamos as condições em que vivem grande parte dos trabalhadores das explorações agrícolas da região. Enquanto os mirtilos que os imigrantes catam têm estupendas condições para medrar, para os trabalhadores há condições de medra inadmissíveis. Vai-se a ver e os mirtilos têm um sindicato superior ao dos agricultores.
Agora, confesso não entender a necessidade de vir gente do estrangeiro para trabalhar nos campos agrícolas de Odemira, quando há uma forma tão fácil de resolver esta demanda por apanhadores de frutos vermelhos. Então, o sempre à pinha Festival do Sudoeste não se realiza, também ele, em Odemira? Realiza. Assim sendo, a solução é muito simples. Alarga-se a vigência do evento musical a toda a época de apanha da fruta. E depois oferece-se a seguinte barganha aos jovens frequentadores do certame: em troca de cada cesta de mirtilos recolhidos, uma mini. Bem, ou muito me engano, ou a colheita fica resolvida em menos tempo do que o António Costa Silva levou a gizar o Plano de Recuperação Económica. Onde é que se vai buscar tanta cerveja para pagar a imberbe mão-de-obra? Eh pá, sei lá, mas também não posso ser eu a resolver tudo.
Do que não há dúvida é do propósito meritório deste meu espaço de reflexão. Se não acreditam, suspendam a vossa incredulidade, pois também tenho resposta para o problema dos trabalhadores agrícolas de Odemira viverem em contentores. A chave da questão é o Senhor. O com letra maiúscula. Não o com letra minúscula, António Costa. Muito menos o com letra minúscula e vergonha inexistente, Eduardo Cabrita. Não, a solução é o Senhor, mesmo. Por intermédio do Papa. Porque, segundo fiquei a saber, a visita do Papa Francisco a Portugal, em 2023, no âmbito da Jornada Mundial da Juventude, obrigará a relocalizar todo o Complexo Logístico da Bobadela. Que é composto, no essencial, por contentores. Ora, basta convencer o Santo Padre a realizar uma prédica algures no místico Parque Natural do Sudoeste Alentejano e Costa Vicentina e é ver os contentores dos trabalhadores agrícolas a desaparecerem na hora. Dando lugar a habitações ligeiramente menos péssimas. Não seria nenhuma transformação de água em vinho, mas já era bem bom.
Resolvidos estes assuntos, encaremos o futuro com a confiança de que tais indignidades não mais se repetirão em solo nacional. Isto assumindo que o actual líder da Juventude Socialista, Miguel Costa Matos, completa o seu trajecto natural, e desejável, rumo à liderança de um qualquer futuro governo socialista. É que, neste 1º de Maio, Miguel Costa Matos afiançou que a JS “luta por empregos bons já para todos, particularmente todos os jovens.” E eu a pensar que o líder da JS tinha como referência de pensamento económico Karl Marx e o seu O Capital. Nada disso. Afinal, a grande referência ideológica do timoneiro dos jovens socialista é Boss AC e o seu Sexta-feira (Emprego Bom Já). Menos mal.
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