Como é do conhecimento público, o jornal Observador é fundado a 19 de Maio de 2014, há quase dez anos. No espaço de três meses, comemora uma década de existência.
A esse propósito, proponho-me analisar as razões pelas quais sou patrono deste órgão de imprensa. Num primeiro artigo, a propósito da rádio Observador (fundada a 27 de Junho de 2019). Num segundo texto, acerca do jornal com o mesmo nome.
Por uma série de coincidências (Carl Jung diria: sincronicidades), sucede que estou prestes a concluir o processo de edição do meu quinto livro científico, que me levou quase três anos a investigar, escrever e concretizar. Isto é, desde Abril de 2021. Nele, afirmo a minha afinidade com o que posso designar por escola jornalística do Observador.
Considero que a historiografia (o método utilizado para escrever história) tem muitos requisitos em comum com o jornalismo (sobretudo com o jornalismo de investigação), na necessidade de verificação crítica de factos, fontes e figuras. Cada um, claro está, em contextos cronológicos diferentes.
Embora a escola historiográfica que perfilho não seja, de todo, a de Rui Ramos (um dos fundadores e administradores do Observador), considero que a missão assumida por órgão de imprensa é a de prestar um serviço público. Fornecendo informação de primeira qualidade. Tal sucede, entre muitas outras, nas áreas do jornalismo generalista e político, de justiça, das finanças públicas e da economia pessoal e familiar. Da saúde mental e da nutrição. Do desporto profissional e das modalidades amadoras.
Por isso sou um dos seus muitos patronos. Identidade e posição que assumo com orgulho, motivação e espírito críticos redobrados. Numa época de crise civilizacional, democrática e ética, como aquela em que nos encontramos, a 4 de Fevereiro de 2024, o silêncio conivente dos que se calam significa, a meu ver, a cedência perante a agressividade cobarde das multidões enfurecidas e extremadas.
Verifico que comecei a subscrever a assinatura premium a 27 de Novembro de 2020. Visitei as instalações do jornal pela primeira vez a 28 de Setembro de 2022, a segunda, a 23 de Maio seguinte. Foram experiências gratificantes: da primeira vez, assistir a uma emissão em directo, com visita guiada às redações; da segunda, conversar, em grupo, com Miguel Pinheiro e José Manuel Fernandes.
Como curiosidade, posso indicar que a minha mãe é jornalista (reformada) com carteira profissional, além de copywriter (chegando a subdirectora criativa da Ciesa NCK), tendo o meu pai sido CEO da Young & Rubicam Potugal. A minha irmã, Patrícia, segue os passos dos pais, tendo estudado Comunicação Social no ISCSP e exercido funções tanto enquanto administradora de empresas, quanto jornalista e copywriter. O jornalismo sempre me fascinou, enquanto actividade paralela à da literatura e da escrita histórica, formas de criatividade e de expressividade humanas de grande intensidade. Além disso, enquanto arquivista, sinto reforçada a convicção de que saber é poder, ou não estivesse a arquivística integrada na área da ciência da informação.
Depois da interrupção da época festiva do Natal, retomo, a partir de 5 de Janeiro de 2024, as rotinas positivas e saudáveis de audição dos postcasts do Observador. Trata-se de um conjunto de boas práticas que assumo em contexto profissional, durante algumas horas da manhã, para me inspirar e fortalecer nas tarefas, mecânicas e repetitivas que, por vezes, o trabalho de arquivista implica. Como é sabido, a repetição conduz à proximidade da perfeição. O processo experimental afina a mecanização necessária ao caminho da excelência.
A apresentação pública do Observador, disponível no google, identifica o jornalista José Manuel Fernandes enquanto publisher. O alinhamento ideológico e político publicitado é o de liberalismo de direita (right-wing liberalism). Na ficha técnica (disponível aqui), pode consultar-se toda a informação relevante (inclusive a da composição acionista). O que revela, parece-me, uma louvável política de transparência.
Playlist pessoal de programas/podcasts
Começo pelo Bom, o Mau e o Vilão, de Miguel Pinheiro, excelente na análise bem-humorada de temas políticos, sociais e económicos da coisa pública de Portugal, habitualmente com Maria João Simões e Paulo Ferreira. Evocando os filmes do subgénero Western Spaghetti, de Bud Spencer, que eu via nos anos 80 do século passado, no cinema 2000, em Algés. É todo um conjunto de emoções agradáveis que surgem, ao ouvir a dicção trabalhada e as vozes escorreitas destes jornalistas e radialistas de grande qualidade. Em pouco mais de seis minutos, a realidade quotidiana é evocada, com a brevidade necessária, em três aspectos essenciais. Quem quiser aprofundar as figuras ou temáticas evocadas, pode continuar a ouvir a programação em directo ou em podcast, pois as temáticas são, com frequência, alvo de acompanhamento e desenvolvimento ulteriores.
Segue-se a História do Dia, narrada individualmente por Ricardo Conceição, João Santos Duarte, Sara Antunes de Oliveira, Miguel Videira e Teresa Abecassis. Com durações variáveis, de 14 a 23 minutos, debruça-se sobre questões diversas: faixa de Gaza, aeroporto de Tóquio, Irão, Partido Socialista, são alguns dos episódios do podcast que ouvi. É toda uma variedade de temáticas, que oiço integral e sequencialmente, em entrevistas e diálogos estimulantes e significativos. Os quais fazem pensar e permanecem na memória, enquanto significativas referências informacionais.
Mas claro, o peso-pesado dos programas radiofónicos do Observador é o Contracorrente. O programa de 3 de Janeiro, dedicado ao envelhecimento (a propósito de Biden, Trump e Ronaldo), demonstra as exímias qualidades jornalísticas e comunicacionais da dupla José Manuel Fernandes e Helena Matos, a propósito daquela problemática, ou de várias outras abordados na hora e meia da rubrica. Seja acerca de biologia, nutrição desportiva, estilos de vida saudáveis e diferenças de género no envelhecimento, José Manuel e Helena complementam-se muito bem.
Na edição de dia 10 de Janeiro de 2024, sob o título “Nacionalizar não é solução”, a mesma dupla de comunicadores expõe, com mestria, as ideias referente à crise económica que a imprensa portuguesa atravessa. Fernandes, autor do livro Liberdade e Informação, da Fundação Francisco Manuel dos Santos (que li), e Marques (autora do livro Salazar – A Propaganda, que tenho para ler), falam dos variados aspectos desta complexa e crucial questão, que tantas implicações traz para a qualidade de vida da democracia portuguesa. Seja a propósito dos grupos Global Media, Impresa, Impala, Visão (Trust in News) e Sonae, passando pela questão dos arquivos dos jornais O Século e Diário de Notícias e de serviços públicos como a RTP e a Cinemateca, sabem do que falam. E todos gostamos de escutar quem sabe do que fala. É isso que vale a pena preservar, para memória futura.
Tanto mais esta questão do jornalismo, da qualidade da informação que circula na praça pública é pertinente, que considero que o mesmo enfeudamento do chamado 4.º poder aos interesses da ideologia, do capital e do wokismo perpassa pela ciência & tecnologia, ciências sociais e humanas & humanidades. A mesma necessidade de reinvenção a que os órgãos de imprensa estão sujeitos representa, na minha opinião, o paradigma pelo qual a historiografia portuguesa do século XXI se deveria reger: menos catecismo, mais pensamento outside the box. Maior busca de originalidade e esforço por fontes independentes de financiamento.
No programa de 22 de Janeiro, dedicado ao congresso da AD, J.M. Fernandes desenvolve a visão do actual cenário político pré-eleitoral, tendo em conta o seu ideário pessoal arreigadamente liberal. Utiliza, no Observador, um estilo profissional muito característico, no qual a clareza de ideias e a abrangência de leituras e de fontes de informação andam mescladas com apontamentos de memórias pessoais sempre enriquecedoras. Helena Marques, jornalista cuja experiência profissional (professora liceal e colaboradora da RTP) lhe permite sentir-se muito à vontade com a história portuguesa do século XX, adiciona um toque feminino, com uma capacidade oratória muito acima da média e um sentido de humor muito próprio.
Jogos de cartas & jogos de poder
Ouvir o podcast Fora do Baralho ajuda-me a perceber melhor a política portuguesa actual, a história do regime democrático e, por vezes, mesmo, algumas características comuns aos últimos duzentos anos da história contemporânea nacional. O painel residente é constituído por um naipe de quatro professores universitários, colunistas e fazedores de opinião (opinion makers), com vidas, carreiras profissionais e académicas estabelecidas, tanto em Lisboa, quanto fora da capital e no estrangeiro. Divergentes ideologicamente, mas convergentes no respeito e no diálogo. É particularmente estimulante ouvir quem é consistente nas ideias, transparente nas convicções e objectivo nas agendas (todos as temos, quer as queiramos assumir, quer não). É o caso de Susana Peralta, Jorge Fernandes, Luís Aguiar-Conraria e João Marques de Almeida, que me habituei a ouvir, semana após semana, e com eles aprender sempre algo de novo, nas suas idiossincrasias pessoais, ideológicas e intelectuais.
A diabolização da direita, debatida no programa de 12 de Janeiro, é algo que se observa enquanto uma constante de força, na 3.ª República: recorde-se o que Diogo Freitas do Amaral, nas respectivas memórias políticas, designa como a salamização do sector mais conservador das forças políticas em Portugal, na altura do PREC (Processo Revolucionário em Curso).
Tanto nesse episódio, quanto no de 19 seguinte, são analisadas as actuações de um candidato a primeiro-ministro (Pedro Nuno Santos) e de dois dos mais odiados chefes de executivos da social-democracia e do socialismo dito democrático: Aníbal Cavaco Silva e António Costa. (Sei do que falo, pois sofri e sofro na pele, directamente, os efeitos dos seus projectos de poder, de 1985 a 1995 e de 2015 a 2024). Isto a propósito de um ensaio de Cavaco no Observador, em duas partes, intitulado, à laia de provocação, «Memórias de um governo “cansado” e “arrogante”» (Parte I e Parte II).
Tudo isto gira à volta das complexas matérias do que se designa, genericamente, por memória histórica, de modo a estabelecer quem ficará remetido à obscuridade de mera nota de rodapé da história, matérias essas debatidas pelo jornalismo, historiografia, sociologia & economia – e respectivas escolas técnicas, científicas e ideológicas. E quem será endeusado e colocado no panteão nacional dos melhores políticos portugueses de todos os tempos.
Por fim, o programa de 26 de Janeiro, dedicado ao atoleiro do PS e do PSD (a propósito do julgamento de José Sócrates e do escândalo de Miguel Albuquerque), faz-me recordar o tema e conceito da política enquanto a grande porca, famosa ilustração de Rafael Bordalo Pinheiro publicada há quase 125 anos, a 17 de Janeiro de 1900, na revista A Paródia. Já no final da monarquia constitucional era essa a sintomatologia prevalecente: a de uma classe política parasitária, a dos partidos, agarrados às tetas do regime.
Por falar em questões de regime (monarquia versus república), aproveitei a escrita deste artigo para voltar a ouvir o primeiro episódio do podcast Causa própria, com intervenções de Aline Beauvink e de Ana Gomes, a 17 de Setembro de 2022. Recordo-me perfeitamente de o ter escutado em directo, nos momentos finais, enquanto conduzia, na companhia da minha mãe.
Outro exemplo de clareza de ideias e de debate objectivo, ora tranquilo, ora aceso, é o que a 20 de Janeiro último, no mesmo Causa própria, Ana Sá Lopes e João Garcia, jornalistas, mantêm (agora durante quase 20 minutos), a propósito da questão: “Deve o jornalismo ter financiamento público?”. Não interessa, considero eu, se se concorda ou se se discorda com determinada visão ou interpretação dos acontecimentos ou temáticas em análise. O que prevalece é a importância de captar, de forma sucinta e imediata (sinal dos tempos…), o essencial das questões fracturantes do país e do mundo. Para citar João Garcia, o jornalismo é um pedra essencial do funcionamento da democracia – uma pedra de toque, uma peça crucial no mecanismo democrático (acrescento eu).
Nesse aspecto, a rádio Observador é a minha rádio de eleição, que oiço assim que o carro está ligado e, a intervalos, no gabinete de trabalho. Substitui o que, outrora, era coutada da Antena 1 e da TSF.
Por algumas das razões aqui expostas, sou patrono do Observador. Com os podcasts, conheço coisas novas sempre que possível, sobre o mundo que me é exterior (sobre o interior também).
Concluo esta reflexão com o programa História do Dia, de 19 de Dezembro de 2023, no qual Ricardo Conceição e Mariana Lima Cunha narram a evolução do conceito político-ideológico de geringonça, desde a célebre cunhagem conceptual por Paulo Portas, até à aparente proximidade da versão 2.0, com Pedro Nuno Santos.
No melhor pano…
Porém, como é natural, se perfilho muitas das visões jornalísticas e sociológicas deste órgão de imprensa, existem outras áreas de intervenção que não são tão do meu agrado – o que é salutar, em democracia. Tão próximos que estamos do primeiro cinquentenário do 25 de Abril de 1974, a alternância partidária surgida de um rotativismo eleitoral institucionalizado com a Regeneração de 1851 persiste, apesar de todo o tempo passado, a não ser completamente funcional. O que significa, na prática, que nós, os portugueses, continuamos a sentir a mesma irritação, subepidérmica e inconsciente, herdada dos nossos antepassados que viveram na carne e nos ossos a guerra civil de 1832-34.
Trata-se de um conflito político, filosófico e ideológico que, por não ser estudado da mesma forma sustentada e estruturada que as épocas históricas posteriores ao Ultimato de 1890 constitui, ainda, um tabu historiográfico e um trauma colectivo nacional. Situação cuja responsabilidade assaco a Rui Ramos e a alguns dos seus colegas professores e investigadores do ICS (Instituto de Ciências Sociais) da Universidade de Lisboa, no qual leccionam, pela reduzidíssima atenção que lhe prestam.
Sobre estas divergências de perspectivas e de interpretações científicas e historiográficas, falarei detalhadamente na segunda parte desta crónica. Considero que estas duas situações estão intimamente ligadas: a incapacidade de o Observador lidar de forma objectiva com o assunto da época que medeia entre a Vilafrancada e a regência e reinado de D. Miguel (1823-1834) limita a capacidade de crescimento exponencial da sua intervenção crítica na área das ciências sociais e humanas, sobretudo, nas da historiografia & memória histórica do século XIX anteriores a 1851.
Considerações finais
Ao fim do dia, no regresso a casa, oiço com alguma regularidade, em directo, Semáforo Político e Ideias feitas, conteúdos informativos e opinativos que aprecio.
Gosto igualmente de escutar aprender a Comer, Conversas do Fim do Mundo, Pop Up, Ciência Pop, Conversas à Quinta e O que é que sucede?, embora não os siga com regularidade em podcast. Porque o tempo não chega para tudo. E por uma questão de acessibilidade, que explicarei um pouco mais adiante.
Nesta primeira parte da presente crónica, concluo procurando elencar alguns aspectos da rádio Observador que ajuízo menos conseguidos.
Começo por reforçar uma opinião que enunciei aquando da primeira visita à redação do Observador e que continuo a manter: torna-se muito difícil memorizar todos os podcasts existentes; e seria muito mais fácil se os respectivos títulos fossem listados alfabeticamente (uma sugestão que me permiti fazer e que não produziu resultados). Ou agregados por temas.
Outra situação é a semelhança fonética entre O Campeão é (sobre futebol) e o Vencedor é (política), Durante algum tempo, confundi os dois. Ambos os assuntos me interessam, diga-se. André Maia modera O Vencedor é, convidando dois interlocutores a pronunciarem-se acerca de algum tema candente e a classificar determinado interveniente individual ou institucional, numa escala de 0 a 20.
Tenho alguma dificuldade em conseguir entender o que se diz nas entrevistas do jornalista João Paulo Sacadura (Convidado extra), porque por vezes o radialista sobrepõe a sua voz à do convidado, falando ambos ao mesmo tempo. O mesmo se passa no caso de Justiça cega, mas agora devido à cadência acelerada de Luís Rosa, jornalista de investigação que muito admiro.
Mas claro, são situações pontuais (passíveis de melhoria), no quadro geral de uma rádio construída com enorme consistência, excelência informacional e exemplar equilíbrio.
Em conclusão: a programação em directo, os noticiários e os podcasts do Observador constituem um manancial imenso de informação qualificada, de debate sério (mas não maçudo), intenso, mas bem-humorado, moderado por profissionais de vozes e dicção treinadas e inconfundíveis, que marcam uma época e, decerto, marcarão a história da comunicação social do país. Parabéns antecipados ao Observador.