Portugal começou a ouvir falar de Susana Torres, a mental coach do jogador Eder Lopes, a 10 de Julho de 2016 – há precisamente 7 anos. Nessa inesquecível noite da final do Europeu de Futebol contra a França, ganha com um golo no tempo extra, o atleta português dedicou o tento que nos vale o único troféu internacional da FIFA à sua coach de alta performance. Desde então, e até há meses, tudo parecia ser um mar de rosas entre ambos, numa parceria de sucesso replicada num livro (editado em Agosto de 2016). Mas, entretanto, é visível que há algo de podre no que parecia ser um conto de fadas perfeito, feito de empatia e de admiração mútuas…

Uma parceria de dois anos (2014-2016)

O livro de Eder & Susana Torres (conforme informa a respectiva capa), Vai correr tudo bem. Uma coach de alta performance mudou a vida de Eder. Este livro pode mudar a sua é publicado pela Lua de Papel no mês imediato ao da vitória nacional. Apresenta a autora (sic) como Susana Rodrigues Torres, nascida em Lisboa em 1977, licenciada em Gestão Comercial e Contabilidade pela Universidade Fernando Pessoa (do Porto) e como tendo concluído o Programa Avançado de Gestão para Executivos (PAGE) e a Formação Avançada de Liderança, ambas pela Universidade Católica. É também afirmado que é certificada internacionalmente na área do Coaching e da PNL (Programação Neurolinguística).

A sua carreira profissional prévia foi feita na banca (durante 14 anos), conforme relata neste e no segundo livro, no Instagram e no Youtube.

De uma forma geral. o discurso de Susana Torres, tanto escrito quanto oral, é apelativo, organizado e entusiasmante. É uma excelente comunicadora e motivadora – chegando a inspirar quem a escuta ou lê (como é o meu caso). Consegue dinamizar a transformação interior de quem se sinta determinado a mudar o que não esteja bem na sua vida. Como dizia António Variações, em Muda de vida, Muda de vida, se/Tu Não vives satisfeito/Estás sempre a tempo de mudar.

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Porém, sendo a relação com Eder Lopes o leitmotiv da fama de Susana Torres, há que sobretudo esclarecer uma questão cronológica, na. na narrativa que construiu.

É que a parceria entre a coach e o coachee teve uma duração limitada, basicamente de dois anos: de Setembro de 2014 a Outubro de 2016. Ora, isso só ficou evidente na Primavera de 2023. O que significa que durante mais de seis anos (do Verão de 2016 em diante), a dupla Eder & Susana parecia imbatível. Vivendo na paz dos anjos. O que não corresponde à verdade, sendo a situação denunciada pelo futebolista Eder Lopes, em 23 de Março de 2023, no programa As três da Manhã, da Rádio Renascença.

No dito programa radiofónico, Eder Lopes responde às questões colocadas com a candura que o caracteriza. Ficamos a perceber que toda a narrativa de Susana Torres vencedora se baseia numa realidade fabricada com a aquiescência tácita do atleta. O que nos leva a tentar entender quem é Eder. E quem é Eder, no Portugal de 2016.

Para isso serve – às mil maravilhas, acrescente-se – a obra Vai correr tudo bem!. Trata-se de um livro de 159 páginas, com prefácio de Fernando Santos (o ex-treinador nacional), muito bem escrito, empolgante, mesmo. Lê-se, aliás, em poucos dias.

Porém, uma das lacunas do livro é presumir que todos sabemos tudo sobre Eder. Que, por exemplo, em 2016 tinha 28 anos (nasceu a 28 de Dezembro de 1987). Isto é, tem cerca de menos 10 anos do que Susana Lopes. A obra em papel vai explicitando factos da dramática vida do futuro jogador profissional, nascido na Guiné-Bissau, mas não indica os anos dos acontecimentos – o que é empobrecedor (a nível de contextualização), embora compreensível, dada a necessidade de publicação a quente, logo depois da memorável noite de vitória no Parque dos Príncipes.

Eder e Susana conhecem-se no Inverno de 2011 (época de 2011/12), num jogo do campeonato português, em Braga (Eder & Susana Torres 2016: 35). Eder ia completar 24 anos em breve. Na época seguinte, a de 2012/13, lesiona-se em jogo da Taça da Liga contra o Benfica. Segundo o próprio, no livro, “o Dr. João Pedro, médico do Braga, levou-me de carro até à porta da minha casa, falou comigo e eu não aguentei e comecei a chorar, a chorar, a chorar. Chorei muito nesse dia” (Eder & Susana Torres 2016: 43). Ora, no programa As três da Manhã, entre risos e silêncios, Eder Lopes afirmou que raras vezes chorou na vida – nem mesmo quando foi pai. O que justifica, então, estas e outras discrepâncias? Liberdade criativa da autora? Timidez do visado? Não se sabe.

Como divulga o texto de marketing do livro da Lua de Papel (do grupo Leya), “Vai correr tudo bem! É a história de Eder e da sua coach Susana. De uma relação profissional e de amizade que transformou ambos. De como o coaching e as suas técnicas devolveram a um jogador tímido, e com um enorme coração, a crença em si mesmo. E tudo isto, que ninguém viu, está contado neste livro” (Da contracapa).

Sobre a vida de Eder Lopes, basta dizer que é de fazer chorar o coração mais empedernido. O texto e as fotos (a cores) transmitem a mensagem de uma criança abandonada pelo pai, a qual, nascida em África, come o pão que o Diabo amassou em Portugal – numa pungente mistura de Manhã Submersa e das biografias de, entre outros, o jornalista Daniel Oliveira e de Cristiano Ronaldo. O nível de exposição documentado pelas fotografias selecionadas vai desde o “pai adoptivo” de Eder, o fisioterapeuta Chico, a momentos intimistas com Susana Torres, o marido e os filhos. Algo apenas concebível na Era do Instagram.

Fica, igualmente, por responder a seguinte questão: o que aconteceu a Eder enquanto homem, enquanto atleta, enquanto coachee? Quais as razões para que, em Outubro de 2016, termine a relação profissional com Susana Torres? Eder ia, em breve, completar 29 anos – era campeão europeu por Portugal, tinha a vida desportiva toda pela frente. Não podendo saber o que se passou, será que as razões por detrás dessa interrupção estão relacionadas com a forma de ser e de estar de cada um dos envolvidos? Com as respectivas personalidades? Muito provavelmente, sim.

O livro seguinte

 

O Milagre da excelência – transforma a tua vida com a Alta Performance (Contraponto, Maio de 2022, 240 pp.) é o segundo livro de Susana Torres. Para quem (como eu) não tivesse ouvido falar da coach e autora desde o Verão de 2016, o livro constituiu uma estimulante viagem ao mundo de Susana. Inicia-se com um prefácio de Sérgio Conceição, o treinador português do FC Porto que mais títulos e palmarés tem conquistado dentro de portas. Conceição narra a sua própria necessidade de, enquanto treinador, após ter completado o nível IV UEFA Pro de formação, ter adoptado a metodologia do coach na sua vida profissional. Em parágrafos sintéticos, focados, confessa ter recorrido aos préstimos da coach. Para bom entendedor…

O livro é tão bom que o ofereci a várias pessoas que me são próximas – com resultados muito diferentes, claro está. O coaching não é para todos, sobretudo num país em que o pensamento mágico (wishfull thinking) de um Presidente da República como Marcelo Rebelo da Silva serve de mote para obscurecer uma realidade quotidiana de guerra, inflação e populismo de maioria absoluta.

No meu caso, lio-o, sublinhei-o, a carvão e com cores diferentes. Aprendi muito e cada vez que o abro, sinto-me dinâmico, fortalecido, empreendedor. Esse é, de resto, o poder dos livros, da aprendizagem, do autoconhecimento, da formação em múltiplos contextos.

Porém, existe o outro lado da moeda.

Nem todos nascem para ser coaches. E nem todos são iguais. Uns focam-se mais no dinheiro, no material, na vitória a qualquer preço.

Outros, pelo contrário, procuram ser claros, transparentes, translúcidos.

É como no futebol, essa paradoxal e mágica máquina de ilusões, que tão bem reproduz o pão & circo de Roma. Tal como no Circo Máximo, o prazer de uns é a dor de outros. No futebol, as dores, as lesões, dos atletas, lançados em magotes à voracidade do marketing global, servem o prazer de barrigudos empanturrados em cerveja e em snacks, vítimas probabilíssimas de enfartes do miocárdio e de obesidade mórbida.

Como sabemos, a alta competição nem sempre é praticada de forma racional e saudável.

Voltando ao duo Susana e Eder, uma curta da revista Luz (do jornal Sol) de 31 de Março de 2023, sob o título “Éder [sic] e Susana Torres. A necessidade de ‘repor a verdade’”, fornece uma súmula aproximada da verdade. Transcrevo-a: «Recorrendo às redes sociais para desmentir o que a sua ex-mental coach, a quem dedicou o golo da vitória no Campeonato Europeu de Futebol disse sobre si, Éder [sic] acusa Susana Torres de mentir. «A Susana Torres pode continuar a fazer vídeos e a tentar manipular a opinião das pessoas como entender, essa é mais a área de especialização dela. Não a minha. Estarei sempre agradecido pelo processo de coaching que fiz com a Susana Torres, num período difícil da minha carreira, mas a Susana como pessoa já perdeu o meu respeito há muito tempo», referiu o antigo internacional português» (Luz de 31-3-2023, p. 6).

Santos e Torres de pés de barro

 

No mundo posterior ao século XIX, do marketing e dos meios de comunicação de massas, já nada nos deveria surpreender. Grandes ídolos como Martin Luther King e o Presidente Jack F. Kennedy não conseguiam escapar ao impulso sexual do adultério. O consumismo e a competição desenfreada levam multimilionários como Donald Trump e Elon Musk a serem seguidos por multidões sequiosas de liderança muitas vezes irracional. Daí que, no mundo do coaching, seja preferível optar por quem seja da área da psicologia e da formação, não tanto da imobiliária, financeira ou desportiva. Pois o preço a pagar por uma vitória pode ser demasiado alto. É isso que a estória de Eder & Susana nos parece indicar. Por isso escolhi, para mim, uma coach que não a Susana Torres. Porque depois de cada vitória, tenho de aprender a lidar com os empates e derrotas de uma vida que não se resume a números, nem a cifrões. Antes, a pessoas e a emoções, a normas e a leis.