1. O meu conselho para António Costa no que toca aos incêndios do ano passado e a Pedrógão é exatamente o mesmo que dou ao Vaticano em se referindo ao preservativo em África. Não falar no assunto nos próximos dez anos nem sob ameaça de esquartejamento. Ignorar (ensaio aqui uma linha de resposta: ‘Fogos de 2017?! Não entendo o que está a dizer, minha senhora, e boa tarde, olhe aquele seu colega ali ao longe está a chamá-la com ar de aflição, é melhor ir ter com ele’). Se humanamente possível, negar que alguma vez se tenha pronunciado tais palavras. Nancy Astor, no seu tempo, dizia que só admitia ter cinquenta e dois anos nem que isso tornasse os seus filhos ilegítimos. Que seja inspiração para o primeiro-ministro. As pessoas tendem a ser mais convencidas pela veemência do que pela lógica, pelo que António Costa, se contundente, bem pode tentar persuadir-nos que ainda não era primeiro ministro no verão de 2017.
Infelizmente – e para grande prejuízo do país – António Costa não segue os meus conselhos. Assim, explicou-nos umas coisas este fim de semana sobre o fogo de Pedrógão. Passo a reproduzir, mudando uma palavra aqui e ali. ‘Portugal’ – nós todos – portámo-nos mal. ‘Portugal’ – nós todos – devia ter estado mais alerta a tempo e horas. Mas como ‘Portugal’ é mandrião e desleixado, não se preparou atempada e adequadamente. Para piorar, ‘Portugal’ está habituado a esperar que sucedam tragédias para só depois delas reagir. ‘Portugal’, como estão a ver, é um patifório.
Mas, continuou o nosso insigne primeiro-ministro, não temais. Porque apesar de ‘Portugal’ ser a desgraça da comunidade das nações de boa vontade, temos um governo espetacular. Esse governo impecável, cinco estrelas, está a tratar de resolver as patifarias que ‘Portugal’ propiciou que ocorressem. Assim, este governo-aleluia-aleluia está a reflorestar o país que ‘Portugal’ deixou arder e está a reconstruir as casas que o velhaco ‘Portugal’ permitiu que fossem destruídas. Em boa verdade, este governo é tão assombrosamente bom que até tratou de limpar as matas este ano, para impedir que o traiçoeiro ‘Portugal’ lance o país outra vez nas chamas.
Uau, ainda bem que temos um governo tão estrondosamente maravilhoso que nos protege de ‘Portugal’. Façam vénias.
Claro que as pessoas com maus fígados – com as quais eu não devo ser confundida – argumentam que o imprestável ‘Portugal’ delegou as tarefas de estar alerta a tempo e horas e não esperar por tragédias para agir no governo que governa ‘Portugal’. E que esse governo em que estavam delegadas as ditosas tarefas era o de António Costa. Alguém inteiramente entregue à ruindade pode até concluir que foi António Costa que não tratou de por o seu governo alerta atempadamente e esteve à espera que a catástrofe se repetisse (uma não chegou) para sair do espírito ‘focus group, diz-me quem é mais popular que eu?’
Depois da novela do ano passado da teimosia em não pedir desculpa pela incúria do dever de proteção das populações pelo estado, António Costa reincide na desresponsabilização dos eventos que causaram a morte de mais de cem pessoas. A responsabilidade é do ente abstrato ‘Portugal’. E as semelhanças com a responsabilidade que devemos exigir ao ‘governo de Portugal’ são meras coincidências. Os sobreviventes da tragédia dupla do ano passado e os familiares das vítimas não mereciam esta nova desconsideração do primeiro-ministro, mas em boa verdade não surpreende.
2. Os professores das escolas públicas lá se estão a prestar novamente à pantomina de fazerem greve em altura de exames. Que são só aqueles testes que determinam médias para entrar em universidades melhores ou piores e em cursos mais ou menos apetecíveis.
Chegados a uma greve numa altura que pode provocar tanto dano nas vidas dos alunos, deixa de fazer sentido perceber se os professores têm razão – total, parcial ou residual – no que reivindicam. Ou se, tendo pontos válidos, o governo tem capacidade financeira para os adotar.
Os querubins grevistas terão de perceber que a imagem que passam é a de estarem disponíveis para brincar com o futuro dos seus alunos para obterem ganhos de carreira. Ora eu, que não sou fã dos excessos de rigor deslocados que de vez em quando o ministério da educação entende aplicar nos programas e nas avaliações, entendo que os professores devem ser figuras com autoridade e respeitados pelos alunos. O ministério e as escolas devem ajudar, respeitando os professores. (O que não equivale a capitular perante todas as pretensões de sindicatos comunistas e dos bigodes de PleKszy-Gladz, perdão, de Mário Nogueira.) Contudo os próprios professores devem contribuir, respeitando os alunos e dando-se ao respeito. Mas, hélas, não vislumbro como podem alcançar respeito dos alunos os professores que brincam com os sonhos e as perspetivas universitárias dos ditos alunos.