O futuro de Portugal e do mundo está à nossa frente e implica, no ano que agora se inicia, um processo de decisão exigente e complexo.
No campo internacional, 2023 trouxe um agravamento das tensões geopolíticas, com o regresso do antigo conflito entre Israel e o Hamas no Médio Oriente a juntar-se à guerra que eclodiu na Ucrânia em fevereiro de 2022 com a invasão russa. Duas frentes que preocupam não só pelas consequências diretas nas populações dos territórios em questão, mas também na economia global: ainda na ressaca da subida a pique da inflação em 2022, a política monetária continua no foco de muitos dos decisores políticos, nomeadamente o arranque e o ritmo das descidas das taxas de juro pelos principais bancos centrais, decisões essas que também irão afetar uma economia mundial em franca desaceleração.
Mas centremo-nos no panorama geopolítico: no Kremlin, Vladimir Putin antecipa o enfraquecimento dos países europeus e dos EUA em relação à Rússia. O destino que imagina para o seu país é o de dominar os seus vizinhos, evitando o risco de deixar de ser uma potência internacional. Para tal, é essencial conseguir uma vitória decisiva na Ucrânia. Na avaliação do líder russo, as democracias euro-atlânticas não terão vontade política nem capacidade financeira e militar para continuar a apoiar a Ucrânia por muito mais tempo: Putin espera que 2024 seja o ano do colapso ucraniano e o início de uma nova ordem de segurança e defesa europeia muito mais favorável aos interesses do Kremlin.
Nos cálculos do ditador russo está, como não podia deixar de ser, o desfecho das eleições norte-americanas de novembro. O eventual regresso de Donald Trump à presidência dos EUA causaria consequências imprevisíveis na relação transatlântica e, em particular, no seio da própria NATO. A hostilidade de Trump para com as democracias não facilitaria as relações com os europeus, sendo que a sua conceção transacional das relações internacionais voltaria a pôr em causa o artigo 5.º da NATO, minando a confiança entre os dois lados do Atlântico. No ano em que celebrará 75 anos de sucessos políticos e militares, consubstanciados num período de paz sem precedentes, a NATO precisará de muita resiliência, união e coragem para enfrentar os seus desafios.
Como sabemos, as lideranças e regimes de Pequim e de Moscovo estão livres de “chatices” e de “problemas” como estudos de opinião, partidos de oposição, defesa dos direitos humanos, liberdade de imprensa e supervisão democrática de orçamentos. Em Pequim – não perdendo de vista Taiwan – Xi Jinping preconiza que a China se tornará, a breve prazo, na potência mundial dominante sob condições autoritárias, partilhando a mesma ideia de Putin: o Ocidente – e, em especial, os EUA, o principal rival da China na crescente competição estratégica – encontra-se num estado de declínio terminal, acentuado pela luta ideológica contra as democracias euro-atlânticas. Tal permitirá afirmar a economia da China, que continuará a ter uma taxa de crescimento anual acima dos 5%, aumentando o poder de Pequim a nível regional e internacional e confirmando, aos seus olhos, a superioridade do modelo político do Partido Comunista Chinês.
A nova época geopolítica provocará consequências para toda a defesa no Velho Continente. Para dissuadir Putin, muitas capitais europeias serão obrigadas a investir mais nas suas Forças Armadas e na diversificada base industrial que as sustenta. Até hoje, tem sido a dissuasão, de facto, a evitar que se carregue no botão nuclear, visto que todos sabem que um ataque desta dimensão resultará em retaliação, conduzindo ao fim da humanidade. A dissuasão pode ter custos elevados, mas, como temos visto, o preço humano e financeiro de uma guerra é muito maior.
Nos países europeus, a adaptação política a esta nova época será muito exigente: o envelhecimento das populações europeias, a pressão política para a redução da imigração e a baixa produtividade que persiste – nomeadamente em Portugal – não compensam os ganhos salariais e deverão aumentar as pressões inflacionistas em todos os países europeus.
Portugal, como sempre, parece um oásis onde não queremos discutir temas internacionais e as opções estratégicas a seguir nas áreas de Segurança e Defesa. Alguém resolverá os eventuais problemas por nós: parece ser esta a solução de quase todos os partidos políticos na campanha eleitoral para as próximas legislativas, onde a pobreza das propostas para construir o futuro na nova época geopolítica é confrangedora, agravada pela escassez de propostas ou referências dos dois principais candidatos a Primeiro-Ministro sobre estes assuntos.
A política internacional poderá ser irrelevante para a maioria dos partidos, mas todos nós seremos afetados pelas suas consequências. Podemos e devemos fazer as escolhas para o futuro que mais nos interessam como comunidade política. Resta saber se o faremos.