A guerra convencional – com destaque para o conflito na Ucrânia, que vai definir muito do que irá acontecer no tabuleiro da geopolítica das próximas décadas – monopoliza atualmente todas as atenções da opinião pública, dos órgãos de informação e dos decisores políticos.

Vivemos, pois, numa era de competição estratégica crescente, nas quais atores autoritários como a Rússia e a China – que, como é sobejamente conhecido, não perfilham dos valores ocidentais da liberdade, da democracia, do pluralismo e do respeito pelo direito internacional – colocam em causa os nossos interesses, valores e princípios democráticos, utilizando diversos meios políticos, económicos, militares e tecnológicos, que vão da inteligência artificial (IA) às tecnologias do espaço.

De facto, a liderança científica e tecnológica é vital na competição entre EUA e China – que são as duas maiores economias do planeta – pela hegemonia mundial. Os dois países investem fortemente em Investigação e Desenvolvimento. Há, pois, uma tensão crescente neste domínio, refletida na importância que os dois países lhe conferem: o Presidente Xi Jinping refere, como é sabido, que a inovação tecnológica se tornou no principal campo de batalha global, numa clara alusão às tecnologias fundacionais do século XXI – IA, semicondutores, 5G, ciência quântica, biotecnologias e energia verde –, nas quais a China se pode tornar, em breve, líder mundial.

Xi Jinping encara, de facto, a IA, a tecnologia de reconhecimento facial e as aplicações móveis como ferramentas determinantes para o controlo das massas, ou seja, das pessoas. Trata-se, na verdade, de um totalitarismo digital na sua maior complexidade.

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Profundamente desconfiado das motivações de governos estrangeiros e temendo que usassem a internet para se infiltrarem no país com ideias e pensamento subversivo, Xi bloqueou o acesso às redes sociais ocidentais, como o Facebook, Twitter e, mais recentemente, até o LinkedIn. O Partido Comunista Chinês é hoje dono do recurso mais precioso de todos: as vastas quantidades de dados acerca do que o povo chinês compra, dos tópicos que se tornam populares, naquilo em que se interessam e, no fundo, do que os move.

O sistema de crédito social instituído na China funde a vigilância com a mineração de dados em grande escala, permitindo ao governo manter um registo dos pensamentos e comportamentos dos seus cidadãos. Um mundo onde as ações dos chineses são continuamente monitorizadas e avaliadas: o que compraram, onde jantaram no último fim de semana, que livros adquiriram ou que percursos efetuaram.

Também o TikTok é, há muito tempo, suspeito de servir os interesses geopolíticos de Pequim, seja como ferramenta de espionagem, seja como instrumento de propaganda e manipulação da opinião pública fora da China.

Xi Jinping preconiza que a China se poderá tornar, a breve prazo, na potência mundial dominante sob condições autoritárias, e que o Ocidente, em especial os EUA, se encontra num estado de declínio terminal. A grande dúvida será perceber se este modelo político sem liberdade será capaz de gerar inovação e crescimento mais a longo prazo e, no fundo, se será sustentável e apelativo na sua expansão e liderança.

Muita da história do crescimento económico da China ao longo dos últimos 40 anos tem sido produto da abertura da economia chinesa – que começou com as reformas de Deng Xiaoping, em 1978 – e com a criação de um setor privado vibrante. O setor privado, e não a esfera das pesadas empresas estatais, tem sido o grande responsável pela maior parte do crescimento da alta tecnologia que, por sua vez, gerou desenvolvimento económico e o aumento do nível de vida dos seus cidadãos.

Se hoje é evidente que a China é objeto de admiração generalizada pelo seu êxito económico e poderio tecnológico, não deixa, no entanto, de ser verdade que é o seu modelo social vigilante e repressivo que assusta e mais preocupa.

Países com regimes autocráticos, como são os casos da China, Rússia e Irão, partem, hoje, com uma vantagem crucial, explicada pelo facto de as suas tomadas de decisão serem centralizadas e, por isso, mais rápidas, ágeis e incisivas, nomeadamente nos domínios da tecnologia e informação.

Por seu turno, as instituições multilaterais ocidentais – como é o caso da NATO – são, muitas vezes, mais lentas a decidir, agir e reagir. Tal explica-se pelo facto de a sua autoridade moral e legal ser conferida por via do consenso entre todos os seus Estados-membros, o que sempre foi visto como uma das causas para o enorme sucesso, neste caso, da Aliança Transatlântica. No entanto, este modo de operar poderá constituir agora uma enorme vulnerabilidade, face à rapidez com que regimes autocráticos movem a sua ação, desprovidos de consultas públicas, de questões éticas ou da privacidade dos seus cidadãos.

A questão que se impõe passa, assim, por perceber se o Ocidente será capaz de salvaguardar a liberdade, segurança e a privacidade dos seus cidadãos, simultaneamente garantindo e nunca descurando a sua vanguarda e primazia competitiva.

Vivemos num mundo em que o progresso tecnológico e a capacidade de processamento de dados com propósitos sinistros (e, como tal, nas mãos erradas) permitem que países como a China possam controlar os seus cidadãos, estando mais perto de implantar uma ideologia longe dos valores da democracia, liberdade e livre-arbítrio.