Confirma-se: o Presidente da República (PR) não promulgará a lei que despenaliza o homicídio. Com efeito, o Chefe de Estado de Malta, George Vella, declarou à agência NETnews, no passado dia 17, que não só não promulgará uma eventual lei que legalize o aborto no seu país como, se necessário, se demitirá do seu cargo.
Muito embora quase toda a Europa tenha claudicado ante a investida da cultura da morte, há ainda uma pequena ilha que resiste: Malta. O facto de o PR deste país mediterrânico ser médico explica esta sua decisão: a defesa da vida é mais uma questão científica do que confessional. Com efeito, graças às ecografias e outros meios de diagnóstico, é uma verdade científica inquestionável que o ente concebido e ainda não nascido é um ser humano.
Não só se trata, indubitavelmente, de uma vida humana – que a Constituição da República Portuguesa declara “inviolável” – como tem um titular, que não é o do corpo em que foi concebido e gerado. Com efeito, a progenitora, embora seja essencial para a concepção e gestação do filho, não se confunde com o novo ser, que tem, desde o primeiro momento, individualidade própria, distinta da de sua mãe.
Porque a mãe e o filho são, com efeito, seres diferentes, podem não ser do mesmo sexo, o que não poderia acontecer se fossem a mesma pessoa: nenhuma mulher pode ser em parte homem, nem vice-versa. Pelo facto de haver mães doentes de filhos saudáveis, como filhos doentes em mães sãs, prova-se que o embrião não é parte do corpo da mulher, como há quem diga, contradizendo a ciência.
Em Malta pôs-se agora a questão de descriminalizar a falsamente chamada ‘interrupção voluntária da gravidez’, na pressuposição de um pretenso ‘direito’ da mulher a eliminar a vida nela concebida.
Faz sentido admitir esta opção nos casos de violação? É óbvio que a mulher deve, em legítima defesa, opor-se ao injusto agressor, até ao extremo de provocar a sua morte. Se não lograr evitar o acto, poderá ser dispensada da guarda do filho, mas nunca o poderá matar, porque também o nascituro é vítima inocente do crime a que se ficou a dever a sua existência.
E quando o feto padece sérias malformações?! Como é óbvio, a infelicidade de uma doença não legitima o atentado contra a vida do paciente que, precisamente por essa sua condição, é ainda mais merecedor da compaixão dos seus pais e da proteção do Estado. Ao conceberem um filho, os progenitores não exercem um direito a terem uma criança que corresponda às suas expectativas, mas assumem a grave obrigação de acolher, respeitar, amar e educar o filho que tiverem, quaisquer que sejam as suas características. Outra coisa seria legitimar o eugenismo, que se praticou na Alemanha nazi, e que agora, com o aborto por malformações do feto e a eutanásia, está de volta à Europa.
Sobre a hipótese de, em casos extremos, despenalizar o aborto, o PR de Malta foi muito claro: “Ou matou, ou não matou: não há morte a meias. Eu, neste caso, sou muito claro: não há nenhum ‘e se…’ nem ‘mas…’”. Quando, na guerra dos Balcãs, algumas religiosas foram violadas, a Santa Sé não permitiu, nem sequer neste caso dramático, o aborto dessas crianças, dando às religiosas a liberdade de abandonarem os seus votos, para se poderem dedicar ao filho que involuntariamente tinham gerado. Se quisessem, também podiam continuar na vida religiosa, entregando, para adopção, a criança a que tivessem dado à luz em tão trágicas circunstâncias. Ou seja, em caso nenhum é moralmente lícita a mal-dita ‘interrupção voluntária da gravidez’, porque, do que se trata, é sempre do homicídio de um ser humano.
Outra questão é a da legitimidade de o PR se opor à promulgação de uma lei aprovada pelo Parlamento: esta atitude não seria antidemocrática?! O Chefe de Estado não estaria, afinal, a pôr as suas convicções morais acima da vontade da maioria dos cidadãos e dos seus deveres institucionais?! Por outro lado, não tendo competências legislativas, não poderia promulgar a lei sem culpa?!
Por via da objecção de consciência, as Constituições dos Estados de Direito impedem que alguém possa ser obrigado a agir contra os seus princípios. Qualquer cidadão, também o Chefe de Estado, pode sempre opor-se, legitimamente, a tudo o que viole a sua consciência; deve até fazê-lo quando a ética assim o exige.
No processo de Nuremberga, muitos altos funcionários e oficiais do regime nacional-socialista desculparam-se com a sua condição de subalternos. No entanto, o tribunal internacional entendeu que ninguém está legitimado para praticar crimes contra a humanidade. Como foi óbvio neste caso, esses cidadãos alemães não só estavam autorizados a desobedecer às ordens iníquas das chefias nazis como, moralmente, estavam obrigados a fazê-lo. Não o tendo feito, foram culpados dos crimes que cometeram e que muitos expiaram com a própria vida.
A firme determinação do PR de Malta de nunca promulgar uma lei que descriminalize o aborto é o que permite afirmar que é um homem de princípios. De facto, ter princípios não é ter umas vagas convicções e, depois, agir em função das conveniências do momento: isso é, precisamente, não ter princípios, mas interesses. Um ‘princípio’ que não tem consequências práticas é, afinal, princípio de quê?! Se não tem nenhum efeito, não é, como é óbvio, princípio de nada.
Há o imperativo ético de agir sempre de acordo com os axiomas morais, arcando, a nível pessoal, familiar, político, etc., com as respectivas consequências. Um Chefe de Estado que promulgue uma lei que despenalize a ‘interrupção voluntária da gravidez’, ou legalize a eutanásia, ou é amoral e não tem princípios éticos, ou então não é coerente com os princípios que diz ter, ou seja, incorre em duplicidade. Foi ridicularizando uma tal incoerência que Groucho Marx disse: Estes são os meus princípios, mas se não gostarem deles, tenho outros!
O PR de Malta disse também que, apesar da questão do aborto ser da competência parlamentar, não abdicará da liberdade de proceder segundo a sua consciência: “eu tenho a liberdade de, caso não concorde com um projecto-lei, renunciar e ir para casa, e não tenho nenhum problema em fazê-lo”. E acrescentou: “Jamais promulgarei uma lei que envolva a autorização de assassinato”.
Se o Presidente de Malta se demitir, por uma questão de princípios éticos, não será o primeiro Chefe de Estado a proceder assim, porque também o Rei Balduíno da Bélgica, ao recusar-se a promulgar a lei do aborto, foi suspenso temporariamente das funções reais. Este monarca sabia que essa sua atitude podia significar o exílio e, até, a queda da monarquia, mas preferiu agir em função da sua consciência, e não por interesses ou conveniências pessoais, familiares ou políticas.
Esperemos que Malta seja digna do seu Presidente e desista do propósito de despenalizar o aborto. Mas se George Vella renunciar ao seu mandato como Chefe de Estado, o seu sacrifício e exemplo não serão em vão, como o não foram os do mártir São Tomás More, padroeiro dos políticos, nem o do Rei Balduíno da Bélgica.
A Europa do século XXI, cansada de políticos interesseiros e oportunistas, precisa urgentemente de estadistas que sejam exemplo de integridade moral, sobretudo na defesa da verdade, da vida e da liberdade, que foram a razão da sua grandeza e esplendor.