1 Não é demais repeti-lo mesmo que “o” assunto não seja esse: o dique levou um rombo. O SIS? Chamar o SIS por causa de um computador? Quem assim agiu desconhece absolutamente 1) o que é um país; 2) o sentido de Estado; 3) a segurança do Estado; 4) a responsabilidade de governar; 5) as obrigações de um ministro (e do seu gabinete).

O andar da carruagem socialista tinha já privado os portugueses de algumas das suas garantias: os diques da Educação, da Justiça, da Saúde, da Administração Pública, foram cedendo levados pela desordem das águas governativas. Aquilo que porém nos parecia de aço – a segurança tem de ser e nos parecer de aço – pode ter aberto uma fissura. Ficou registada.

2 É evidente que a história se mantém mal contada (bastou atentar ontem na “encenação” do primeiro-ministro); que faltam peças para completar o desastroso puzzle, o colar de mentiras e omissões vai dar ainda muitas voltas, talvez nunca venhamos a saber tudo. Não importa, sabemos o suficiente: há uma luz vermelha em cima do SIS que em circunstância alguma poderia haver. E há suspeitas, fundamentadas, claro, sobre o real significado da tal “matéria classificada”… É que até aqui havia um carrocel vertiginoso, antiético e antiestético, de casos e episódios, uns relevando da irresponsabilidade, outros do abuso de poder, outros da ostentação e da arrogância, outros da mera vulgaridade, outros da caricatura. E outros, claro, da tonteria presidencial. A mistura ia produzindo resultados deploráveis mas com uma passividade digna de estudo e uma indignação inoperante, fomo-nos habituando. E subitamente, há dias, pisou-se uma impisável linha vermelha. O que não é nada a mesma coisa do que tem ocorrido ultimamente. E o ministro que esteve no centro desta história turva, dono de personalidade assanhada, gerador de polémica, dotado de pouca credibilidade política e a quem ouvimos evocar o SIS como se o SIS não fosse o SIS, continua ao leme de um dossier trágico. Porquê? Porque a venda da TAP pode estar num ponto delicado e não convir mudar de rosto e de nome? Não. Dizer que estamos perante a oficialização de uma declaração de guerra ao PR, sendo verdade, fica aquém. A “consciência” de António Costa será a conveniente camuflagem da sua vontade de uma dissolução rápida do parlamento, por saber melhor que ninguém que já lhe sobra pouco tempo para puxar pelos galões, vitimizando-se ou glorificando-se? Talvez mas nunca o PR lhe oferecerá o bombom da vitimização numa bandeja. O Presidente esperará que a espiral negativa em que se encontra a governação teça as suas malhas e que um dia o governa cai ao chão e já não se levante. Mas eu insisto: há uma pergunta – a única que interessa – que ficou por responder: porque é que António Costa não demitiu João Galamba? Se lhe antepusermos o inédito caso do SIS – também ainda por responder – sabemos ao menos que vivemos um momento politico particular. Começou outra história.

3 São muitas as perplexidades, incomensuráveis as estranhezas, incontáveis as razões de queixa do comportamento dos órgãos de soberania – dos três, o que, convenhamos, é pouco vulgar. Mas apesar delas e apesar de convivermos com a tal governação impreparada, inoperante, abusadora; apesar da misteriosíssima gestão política do país tão generosa no fornecimento de vergonha diária; apesar do irresponsável relevo que o PS – por razões meramente tácticas e não de pundonor democrático – confere à meia dúzia de gatos pingados rudimentares e boçais do Chega, qualquer dia levando-o ao colo ao altar da vitória; apesar de tudo isso que já era muito, subiu-se um lance na escala da vida politica nacional. Não se pode sair disto: porque é que João Galamba não foi demitido? (Que aconteceu? Quem tem medo de quem? Quem se quer vingar de quem?)

4 Ontem, terça-feira, dia 2 de Maio de 2023, foi o primeiro dia do “depois” nas relações entre o PR e o PM. Anteontem vivia-se no “antes”: no fundo “eles” davam- se bem, conheciam-se há tanto tempo, riam das mesmas coisas, faziam coro a dizer mal do PSD, Costa sempre fez o que quis, Marcelo sempre o deixou fazer o que ele queria. Agora não, já passou. Passou de vez. A era agora chama-se “depois”. Com todas as consequências que daí virão: dissolução ou… (sim, sim) um dia a demissão do chefe do governo. Não há hipótese C. Na certeza porém de que detestando Marcelo confrontos como detesta, nesta nova era do “depois” quem está aliviado é Marcelo Rebelo de Sousa e a fazer contas de cabeça é António Costa. Quem diria?

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