1. O PSD deve ter mais ou menos meia hora para escolher entre a decência e o pântano, entre um amanhã (não é preciso que cante, é só preciso que exista) e a irrelevância, entre – não tenhamos medo das palavras – a vida e a morte. Há muitas maneiras de morrer, até estando vivo e por bem menos, grandes partidos se sumiram de vez da nossa vista e do nosso mundo. Tornaram-se dispensáveis. Entretanto não se sabe se é pior a fragmentação e a brutalidade a que se assiste, se o deplorável espectáculo público de uma e outra.
Não, não subestimo Rui Rio, personagem político que acompanhei profissionalmente por diversas vezes e cuja “forma mentis”, com o tempo, fui aprendendo a descodificar mas, indesmentivelmente, as coisas são o que têm vindo a ser.
De modo que face à infinita capacidade da natureza humana em nos surpreender na sua possibilidade de erro, aguarda-se que o novo líder do PSD, na tal meia hora de tolerância, escolha entre a redenção e o puro fracasso. Dele, ainda antes que a da sua agónica família política. Ou seria possível montar com tão assinalável êxito uma “cabala política” contra Feliciano Barreiras Duarte se não houvesse fartura por onde lhe pegar?
Vinda do próprio PSD (bem entendido) e do PS (também bem entendido) até um cego vê a cabala, sendo que o ponto é o próprio Feliciano (deixemos agora de parte os pecados da universidade) e através do solista Feliciano desagua-se no maestro Rui. Nele e nas suas escolhas e sabe Deus como se “vê” uma capacidade de liderança através do seu critério de escolha. De Elina a Malheiro, passando por Negrão e Barreiras Duarte (não maço mais o leitor com tanta chuva no molhado), o leque é perturbante, mas o leque foi exclusivamente aberto pelo líder. (e que conta dará do recado José Silvano?).
Uma coisa é o modus operandi de Rio – caminhada solitária, escolhas reservadas, um processo de decisão pouco ou nada partilhado; outra, as péssimas consequências do que tem sido este agir. E mesmo dando de barato a saudável independência de Rio face à obediência encomendada da media nos seus ataques ao PSD, ou a sua (calculada) indiferença face às “vox populi”, o líder do PSD tropeçou em todos os erros que produziu. Rio refém ou líder?
2. Pertenço ao grupo (maioritário? minoritário? relevante? despiciendo?) que acha que Portugal reclama pactos de regime, necessitando há muito deles como pão para a boca. Pactos e compromissos, com prévio trabalho político comum, sobre o que fazer para que o país acabe com as ficções e as troque por chão sólido debaixo dos pés. Que o mesmo é pedir que se reforme. E mesmo que a palavra esteja esburacada e careça de fertilidade do que não se duvida é que ao primeiro abanão, ao primeiro amuo do futuro presidente do BCE, provavelmente um alemão mais ortodoxo e menos “jongleur” que o italiano Draghi, a felicidade em que nos dizem que vivemos esvoaçará como um passarinho na Primavera: por manifesta impossibilidade de assentar em turistas e tuck-tucks, exportações nunca suficientes, emprego pouco qualificado, amáveis taxas de juro e cativações sem vergonha, o país dará de si como os souflées que parecem estanques sem nunca o serem.
Vejo por isso com bons olhos iniciativas políticas que sentem á mesma mesa pessoas razoáveis, liderando partidos distintos, que amem a terra de onde são e a queiram melhor. Retirando-a do condenatório “balouço-sissó” onde está atarrachada: subindo aos altos da euforia e da fortuna, para logo cair estrepitosamente no poço da depressão e da quase miséria. Voltando a subir, voltando a descer… Isso.
3. Tudo indica porém que não vai ser desta. Mais “avisamento” político e menos individualismo teriam levado Rui Rio a: 1) outra forma/fórmula de comportamento, evitando deixar Assunção Cristas à espera, sem notícias, durante dias: Rio deu-lhe a terminação e a Costa a parte de leão, erro que nem o querer “fazer diferente” de Passos suporta ou perdoa; 2) os temas da agenda – descentralização e fundos comunitários –, mesmo prioritários, teriam que ter sinalizado um calendário com reformas pesadas onde o presidente do PSD não ficasse nem com a fama nem com o risível proveito de “bengala útil”. Pode ser que melhore, mas até aqui que vantagem politica útil tirou Rui Rio desta démarche ?
4. Nunca me ocorreria vir a terreiro “defender” a legitimidade de um ex-primeiro ministro dar aulas, seja ele quem for, não o fiz nem farei, tão destituído de fundamento me parece o exercício. (que me lembre quando o mesmo se passou com Luís Amado, ex-ministro da Defesa e dos Negócios Estrangeiros de governos socialistas, não se ouviu um som). Mas de repente algo me interceptou numa rubrica intitulada “Do Céu ao Inferno” (Expresso) onde por cima de uma foto de Passos Coelho se lia esta legenda: “É saudável um ex-primeiro-ministro retomar uma vida activa na sociedade. O equívoco passa pelos caminhos seguidos como na polémica que o envolve ao ser contratado para dar aulas em três universidades e logo como catedrático convidado”.
O legendador, com solicitude, informa-nos que acha “saudável” que Passos não fique na cama até ao meio dia ou não vá pedir esmola para o Largo do Chiado. O pior foi o “equívoco” (de quem? qual?) , os “caminhos seguidos” (por quem? quais?) e “logo” como catedrático. Quem leia esta breve legenda não duvida que Passsos, apesar da sua “saudável” predisposição para a vida activa, derrapou num misterioso “equívoco”, cozinhou uma “polémica”, seguiu “caminhos” ínvios, impôs-se a três universidades que nunca o convidaram e “logo” como catedrático. Ou seja, a culpa é dele. O que me interessa aqui não é porém a fraseologia da legenda que segue a onda (tudo menos destoar do ar do tempo quando se trata de Passos Coelho), mas juntar-me à parte do país que ainda não endoideceu: não é o ex-primeiro-ministro que precisa de ser defendido dos praticantes da má-fé, sejam eles stars do ódio ou vomitem fel anonimamente. O país é que necessita de ser defendido (e pulverizado) contra o veneno que infecta o ar que se respira. Em todo o caso convinha reparar que na cave e subcave onde se fabrica o veneno, a temperatura da indignidade e o grau da brutalidade – do insulto, da mentira, do ressentimento, do ódio – atingem picos que nunca se viram, não ouviram, nem se usaram.
4. Dos jornais, um pequeno flash sobre Portugal, em Março de 2018, nove meses após os fogos do verão passado: a ANACOM diz que 99% das 4.600 pessoas afetadas pelos incêndios que ainda não têm telecomunicações são clientes da MEO. A Altice defende-se e diz que a NOS deve repor o serviço.
Ah bom? É tudo uma questiúncula menor, um trivial passa-culpas entre duas comadres, um não-problema, fruto “da péssima qualidade da informação portuguesa”? E a dignidade dessas quatro mil e seiscentas pessoas? E a responsabilidade das empresas perante elas? E a decência a que têm direito pelo que sofreram e perderam?
Santo Deus.
PS: Caro leitor, desconvoquei-me. Preciso de ir para o “banco” por algum tempo por razões exclusivamente familiares e domésticas. Combinei com o treinador estar aqui mais “de vez em quando” e já não como habitualmente às quartas-feiras. Espere por mim, que um dia eu volto.