O sucesso das políticas públicas depende de estudo, de planeamento, de previsibilidade, de metas mensuráveis. É também por essas medidas que as podemos avaliar. Ora, em semana de aulas a distância, escuso-me a regressar ao tema da aquisição e distribuição dos computadores para os alunos e professores — como mostrei na semana passada, apesar de ter prometido rápida resolução, o Governo arrastou durante meses as aquisições de equipamentos, fê-lo a conta-gotas (com contratos assinados já em Fevereiro) e, em 2020, investiu menos 40% do que o orçamento previsto para comprar esses equipamentos. Contudo, vale a pena ir ao tema da tarifa social de internet, há dias anunciada para… o segundo semestre de 2021 — ou seja, depois de famílias e escolas concluírem o ano lectivo, o que, não significando que a medida se torne inútil, implica que não estará implementada num período de grande necessidade.

Façamos um exercício de memória. A 21 de Abril de 2020, foi publicada a Resolução de Conselho de Ministros 30/2020, que aprovou o plano de acção para a Transição Digital, composto por 12 medidas. Uma delas era precisamente a tarifa social de internet — ou seja, um apoio direccionado às famílias socialmente desfavorecidas, de modo a atenuar os seus custos com o acesso à internet e expandir o uso da internet na população portuguesa. Embora a medida não tenha sido concebida por causa da pandemia, ganhou uma relevância maior quando, devido à pandemia, se percebeu que, por longos períodos, as famílias portuguesas ficariam dependentes do acesso à internet para se manterem a trabalhar e a estudar.

Também por isso, não faltaram compromissos políticos à volta desta medida. Em Julho 2020, o grupo parlamentar do PS submeteu um projecto de resolução (aprovado sem votos contra) onde pedia ao Governo que avançasse nesse dossier. Em Agosto, o Governo assumiu que o objectivo era concretizar a medida até final de 2020. Em Novembro, o Governo reviu a meta para o primeiro trimestre de 2021. Em Janeiro 2021, informou que, afinal, seria “o mais brevemente possível”. E, há dois dias, apontou finalmente para Junho/ Julho de 2021. Não é certo se o calendário ficará por aqui ou se continuará a ser empurrado pelo segundo semestre de 2021 adentro. O que é certo é que, comparando com o calendário do plano de vacinação e do ano lectivo, a tarifa social de internet arrisca-se a chegar na recta final de tudo — eventualmente, das próprias restrições resultantes da contenção da pandemia.

Este é um exemplo de quebra de compromisso político e de Estado, tal como o são as falhas na distribuição de computadores às escolas. Poderia dar outros, apoiando-me nos dados da execução orçamental, onde se percebe que, em inúmeras alíneas de investimento público, o Governo gastou muito menos do que anunciara. Mas o meu ponto é sobre mais do que promessas incumpridas. É, sim, sobre um Estado que, num momento de grande aflição da sua população, falha em auxiliar os mais frágeis, enganando-os com metas que não cumpre e com prazos que não respeita. É, na verdade, sobre aqueles que, porque os compromissos do Estado não foram cumpridos, ficarão ainda mais para trás, com horizontes encurtados e aspirações reduzidas.

Cada dia que vivemos em confinamento geral, em teletrabalho ou em ensino a distância é um dia para o qual os mais pobres e os menos qualificados têm piores instrumentos para vencer, ficando ainda mais à mercê dos apoios do Estado. E o Estado falhou-os, promessa incumprida após promessa incumprida. Não é possível discutir medidas de combate à pandemia sem perceber isto. Sinto, por isso, um arrepio na espinha quando constato a ligeireza com que tantos defendem a manutenção das actuais restrições até final de Março. Relembro: não somos a Alemanha, mas um país muito mais pobre e com muito menos meios para colmatar os efeitos das restrições aplicadas. Que não se subestime, por isso, o que tal alargamento das restrições significaria para milhares de portugueses em situações de risco, sabendo-se que o Estado promete soluções que depois não cumpre. Na educação, na saúde, no comércio, no acesso aos serviços públicos, a impotência do Estado converteu Portugal num país de castas sociais. Isto, sim, é revoltante e intolerável.

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