Há muita gente nas esquerdas portuguesas, no PCP, no Bloco e no PS, que mostra uma enorme compreensão em relação a Putin. Em Portugal, andam muito preocupados com a natureza “anti-democrática” do Chega, mas em relação a Putin, o maior ditador que existe na Europa, entendem a sua preocupação com a Ucrânia. Como se fossem as forças ucranianas a ameaçar a Rússia. Não devem ter reparado que foi Moscovo que deslocou mais de 100 mil soldados para as fronteiras da Ucrânia.
Vamos tratar dos argumentos dos nossos defensores de Putin. Em primeiro lugar, todos falam da expansão da NATO, caindo na armadilha de Putin. A crise na Ucrânia não tem nada a ver com a NATO. É uma pura desculpa de Putin. Todos sabem que a adesão da Ucrânia à NATO não está em cima da mesa, como disse muito bem o Chanceler alemão. Na Cimeira da NATO de 2008, a maioria dos aliados recusou expressamente a adesão da Ucrânia. Além disso, Putin sabe muito bem que a Aliança Atlântica nunca poderia aceitar como membro um país cuja parte do território está ocupado por forças estrangeiras. Isto é óbvio, só não é para os que querem acreditar em Putin.
Para Putin, há dois problemas centrais. Em primeiro lugar, não aceita a independência da Ucrânia. Para o Presidente russo, a Ucrânia é uma região da Rússia. A vontade de milhões de ucranianos de viverem num país soberano é completamente indiferente para o ditador imperial que vive em Moscovo. Em segundo lugar, Putin está muito mais preocupado com a União Europeia do que com a Aliança Atlântica. Moscovo sabe que a UE tem capacidade para apoiar o desenvolvimento económico e a consolidação democrática da Ucrânia. Ora, Putin não quer um vizinho democrático. Seria uma ameaça para a ditadura que impôs na Rússia. Esta questão não é moral. É a questão política mais importante de todas: o direito de construir uma democracia. Se os russos não o querem fazer, é uma escolha soberana. Mas os ucranianos querem, e não deve ser Putin a impedi-los.
Os nossos simpatizantes de Putin (fieis ao seu velho anti-americanismo) descobriram com grande entusiasmo a ideia de esfera de influência e o direito natural da Rússia a incluir a Ucrânia nesse espaço. É extraordinário como políticos (e militares) portugueses de um país pequeno com um vizinho mais poderoso aceitem o conceito de soberania limitada e esfera de influência das grandes potências. Aceitariam que a Espanha tivesse um direito de imposição sobre escolhas diplomáticas e políticas portuguesas? Eu nunca aceitaria.
Obviamente que sei que a ideia de esfera de influência continua a ser relevante em muitos continentes, mas na Europa não deve ser. A integração europeia significa, antes de mais, um novo modelo de relações entre Estados soberanos. Um modelo assente em regras e valores comuns, onde naturalmente os interesses nacionais são fundamentais, mas onde o poder é exercido de um modo diferente daquele defendido e praticado por Putin. A defesa da ideia de esfera de influência na Europa significa uma traição aos valores da integração europeia.
Muitos nas esquerdas nada aprendem. Entre um Presidente Democrata, como Biden (nem sequer existe a desculpa do Trump), que tem seguido um comportamento exemplar com os aliados europeus, e um ditador como Putin, escolhem o segundo. Para eles, o muro não caiu mesmo. É lamentável que o governo português não seja absolutamente claro dizendo que Portugal está ao lado de um país que quer ser uma democracia contra a ameaça de uma ditadura. Deveria fazê-lo, até pelas dezenas de milhares de ucranianos que decidiram viver em Portugal como cidadãos democráticos exemplares.