1 “Se convidar cubanos para jantar num restaurante como este e perguntar-lhes o que acham da comida, eles não respondem “boa” ou “má” mas sim quanto comeram. Um julgamento de qualidade é substituído por um comentário sobre a quantidade.” As palavras são de Leonardo Padura, o mais famoso escritor cubano vivo que foi entrevistado pelo Financial Times em agosto de 2017 no seu bairro de Mantilla (nos arredores de Havana) para a famosa rubrica “Lunch with FT”, o “restaurante como este” chama-se “Divino” e é classificado como restaurante de luxo por servir refeições que custavam 28,5 pesos cubanos na altura — o equivalente neste momento a 1 euro.

Isto diz tudo sobre a miséria em que os cubanos vivem desde há largos anos. Apesar de Padura não ser propriamente um opositor do regime castrita mas sim um desiludido com o marxismo que ainda este domingo falava em protestos pagos ao mesmo tempo que aconselhava o Governo cubano a ouvir os protestos da população, a sua descrição é mais uma prova da falência total da economia planificada e estatizada do comunismo.

Não há, nunca houve nem nunca haverá, um regime comunista bem sucedido que tenha conseguido dar à sua população a prosperidade mínima em termos económicos, ao mesmo tempo que promove as liberdades políticas, sociais e económicas.

E não há por uma razão simples: quer a economia planificada, quer a Ditadura do partido único são contra a natureza humana. Sejam eles cubanos, russos, búlgaros, angolanos ou indonésios, etc. É irrelevante a cultura e a nacionalidade, o resultado é sempre o mesmo, não há que enganar: ditadura, perseguição, fome, miséria e discriminação.

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Sim, discriminação. Tal como os comunistas soviéticos do grande líder Estaline perseguiam judeus, ciganos e homossexuais, enviando-os para o Gulag (Hitler preferia as câmaras de gás), também o regime do camarada Fidel nunca escondeu a sua repulsa pela homossexualidade.

No fantástico livro “O Homem que Gostava de Cães”, onde se a conta a história de Trotsky e do seu assassino espanhol contratado por Estaline, Padura descreve os crimes do estalinismo para chegar aos crimes do castrismo. Um deles, descrito através do personagem William e da sua “lamentável revelação da homossexualidade” (pág. 135), é precisamente a discriminação e a perseguição abjeta e estrutural de milhares de cubanos por parte do Partido Comunista.

Reinaldo Arenas, que foi eternizado no filme “Antes que Anoiteça” protagonizado por Javier Bardem, foi um desses homossexuais perseguidos, presos, torturados e obrigados a passar fome só porque não tinham os mesmos gostos sexuais como o macho latino Fidel Castro. Fugiu do país nos anos 70, tal como aconteceu com muitos gays igualmente expulsos pelos comunistas.

A este tipo de perseguição de costumes — como a perseguição política que caracteriza os regimes comunistas e que levaram muitos milhares de cubanos à tortura e à morte, assassinados sem qualquer julgamento pelo regime castrista — toda a esquerda europeia fechou os olhos durante muitos anos. E ainda hoje fecham!

3 Ainda me recordo de ver muitos intelectuais portugueses, como Luís Represas (um músico que até admirava), a apelidar a perseguição política e de costumes como um simples “erro”. Discriminar, torturar e matar seres humanos por não serem comunistas e por não serem heterossexuais são simples “erros” — não são dos crimes mais abjetos contra os direitos humanos.

É estranho que Represas, e tantos outros intelectuais esquerdistas (como José Saramago) que iam tanto a Cuba, nunca tenham ouvido o povo cubano denunciar os crimes do regime castrista. Pelo contrário, imbuídos por uma mistura de puro anti-americanismo primário e um deslumbramento por uma pequena ilha que resistia aos imperialistas yankees desde os anos 60, os intelectuais portugueses sempre preferiram viver na mais pura ignorância. Como esta entrevista de Represas em novembro de 2016 (há apenas cinco anos, portanto) é o mais puro dos exemplos. Ignorante e pueril são os adjetivos mais suaves que podem classificar a visão de Represas

E, ao mesmo tempo, vociferavam contra todos as ditaduras autoritárias de outros países latino-americanos, como a do Chile. Enquanto que Pinochet era um criminoso, o ditador Fidel Castro era não só encantador, como um sedutor (de milhares de mulheres, claro; um macho latino) e um santo que tinha salvado os cubanos das mãos da mafia norte-americana que mandava no ditador Baptista. Esta duplicidade moral, a que José Manuel Fernandes se refere no prefácio do “Livro Negro de Cuba”, é algo verdadeiramente extraordinário — e que diz muito sobre a honestidade inteletual de quem consegue pensar e agir com esses ‘dois pesos e duas medidas’.

Uma duplicidade que, recorde-se, começou com a figura patética de Otelo Saraiva de Carvalho que ainda hoje fala de Cuba, onde foi recebido durante o Verão Quente de 1975 por Fidel Castro com honras de líder, como se estivesse a falar do paraíso na terra.

4 Se para os comunistas é sempre tudo relativo em nome dos objetivos finais da revolução, para os simpatizantes do comunismo a lógica é muito semelhante. No caso dos que sentem afinidades com um ditador como foram Fidel Castro e o seu irmão Raúl, e como é hoje o atual líder cubano Miguel Diaz-Canel, o relativismo moral é quase absoluto.

Poucos lhe interessa que, como Joe Biden disse, Cuba seja um Estado falhado. Poucos lhe interessa se o povo cubano passe fome, não tenha acesso a medicamentos e a cuidados de saúde primários porque não há dinheiro para os comprar. Poucos lhe interessa se Cuba nunca tenha sido autónoma em termos agrícolas (ao contrário do que o regime prometia), sendo obrigada a importar boa parte dos bens alimentares que necessita para a população e a viver de subsídios e esmolas da União Soviética até 1990, tomando a Venezuela de Hugo Chávez o lugar dos comunistas soviéticos depois dessa data.

Nunca Cuba conseguiu o mínimo de prosperidade económica por modo próprio — e isso nada tem a ver com a consequências das restrições do embargo dos Estados Unidos — mas isso não interessa nada. O que interessa é que Cuba tem médicos fantásticos, a saúde é gratuita, a educação também é espetacular, que Castro até fez o favor de levar aos pobres cubanos “os melhores mestres da música clássica”, como diz Represas, e, imagine-se!, até construiu um Museu de Arte Contemporânea em Havana.

Que os cubanos apenas tenham um salário equivalente a 100 dólares por mês, que passem fome a torto e a direito porque as lojas oficiais não têm nada nas prateleiras, que sejam obrigados a recorrer ao mercado negro, que não tenham sequer uma caixa de Benuron em casa, que os excelentes médicos sejam obrigados a trabalhar na indústria do turismo a carregar malas como paquetes (antes da pandemia, claro), que a inflação esteja neste momento nos 500% — nada disto interessa face à extraordinária resistência aos malandros dos americanos.

Podem morrer à fome, mas são uns heróis por darem luta aos americanos. Se isto não fosse tão ridículo, o que seria?

5 Não faço ideia do que vai acontecer a Cuba nas próximas semanas. Uma coisa é certa: a queda de qualquer Ditadura, seja ela comunista ou fascista, merecerá sempre o meu aplauso de pé. E o fim do regime castrista será uma excelente notícia para os cubanos, em particular, e para o Mundo, em geral.