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A Cuba imaginada e a crua realidade de uma ditadura

Recordações de uma viagem a Cuba e reflexões sobre o contraste entre os mitos da revolução e a dura realidade de uma ilha onde a igualdade é na pobreza. Republicação de texto de José Manuel Fernandes.

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“No es facil…” Foi esta a expressão que mais vezes ouvi em Cuba na única vez que visitei a ilha e a percorri longe dos circuitos turísticos tradicionais e dos guias oficiais. Foi a partir das recordações dessa viagem que, em 2005, escrevi o prefácio para o “Livro Negro de Cuba”, uma obra organizada pelos Repórteres sem Fronteiras e que reúne documentos de organizações de direitos humanos, como a Amnistia Internacional, onde se revela o lado sombrio do regime ditatorial fundado e dirigido por Fidel Castro. Nessa altura o o líder cubano ainda estava no poder, que exercía com mão de ferro e sem complacência para qualquer dissidência.

Nesse prefácio que agora se republica utilizei alguns dados estatísticos da época, mas que no seu valor comparativo se mantêm absolutamente actuais. Cuba mudou alguma coisa com Raul Castro, mas o regime não deixou em momento algum de perseguir os opositores e espezinhar as liberdades.

Cuba, 1999

Janeiro talvez não seja o mês ideal para passar férias em Cuba, mas quando decidi escolher esse destino a minha ideia também não era fazer umas férias convencionais. Queria, sobretudo, ver Cuba com Fidel e, nesse ano – 1999 – o velho “Comandante” (mais correcto seria chamar-lhe antes o “velho ditador”) estava em vias de completar 74 anos, 40 dos quais no poder. Quando viajei ainda se sentiam os efeitos da passagem recente de João Paulo II, mas isso eu só descobriria mais tarde, ao percorrer a ilha longe dos circuitos turísticos e, sobretudo, longe da vigilância dos guias.

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A Cuba que vi por esses dias confirmou muito do que tinha lido, mas acrescentou-lhe o que é difícil encontrar nos livros e nos jornais: pessoas, pequenas histórias, situações insólitas, sobretudo a sensação de entrar numa sociedade vigiada onde encontrei sinais que me fizeram recordar o Portugal de antes do 25 de Abril, quando não sabíamos se estávamos a ser vigiados e como.

Não é possível circular por Cuba sem nos depararmos, a cada esquina, com o culto da personalidade de Fidel e, num plano secundário, a mitificação de Che Guevara

Com efeito, 25 anos depois do fim da nossa ditadura, já mal me lembrava da figura odiosa, viscosa, do “pide”, ou do informador, ou do polícia disfarçado, até que voltei a encontrar esses personagens em Cuba. A primeira vez foi num fim de tarde quando, depois de um dia a errar pelo norte da ilha, decidi passar a noite num pequeno aldeamento de praia, para turistas, situado numa ilha que corria paralela à costa. Para lá chegar tínhamos de tomar um pequeno barco e, naquela época do ano, éramos os únicos estrangeiros a bordo. Para além do piloto seguiam connosco três cubanos que, na ilha dos charutos, repartiam uma beata untuosa. Eram polícias e iam passar a noite na ilhota, vigiando. Tudo porque, para além dos poucos empregados do aldeamento, o acesso estava vedado aos cubanos e, por se situar no norte da ilha, a Florida quase a espreitar no horizonte, o local estava sob permanente vigilância.

Os momentos em que [o polícia disfarçado] me dirigiu a palavra, a fazer perguntas, a apresentar-se como vigilante, a garantir que estava ali para garantir a minha segurança, ficaram-me marcados como os mais desagradáveis da visita. Livrei-me dele como quem se livra de um peçonha

Havia algo de simultaneamente miserável e detestável naquelas figuras de quem se afastava até o piloto do barco, evitando qualquer conversa, mas o encontro mais sinistro vivi-o, dias depois, durante uma festa de rua na velha Havana. Lugar de artistas e crioulos, beco entalado entre prédios semi-arruinados que se enchia de música e corpos suados nas manhãs de domingo, surgiu-me como uma ilha de alegria após dias a ouvir repetir a frase nacional de Cuba – “No es facil…” –, até que fui abordado por um tipo magro mas oleoso, a pele cinzenta, vestir negro, voz melada e curiosidade enjoativa. Os momentos em que me dirigiu a palavra, a fazer perguntas, a apresentar-se como vigilante, a garantir que estava ali para garantir a minha segurança, ficaram-me marcados como os mais desagradáveis da visita. Livrei-me dele como quem se livra de um peçonha, com uma desculpa e virando costas, mas não deixei de reparar como se fizera o vazio à nossa volta, como ninguém parecia querer a sua companhia.

Os turistas que vão para Varadero e passam em bandos seguindo os guias talvez não dêem nunca por esta realidade opressiva, mas a minha memória dos tempos da ditadura portuguesa foi violentamente acordada quando tropecei naqueles sujeitos. Eu era apenas um estrangeiro, um turista com bilhete de regresso já comprado, pelo que sentir de perto a omnipresença da polícia, dos “vigilantes”, a impossibilidade de iludir a repressão, permitiu-me compreender melhor como mais este “socialismo real”, mesmo com cores tropicais, mesmo com o folclore castrista, mesmo que associado à imagem crística de um Guevara transformado em ícone mundial, é apenas mais um sistema totalitário que, como todos os outros, não suporta a dissidência e que abomina o pluralismo.

A mentira da igualdade. A verdade da pobreza

Os documentos reunidos neste livro são elucidativos do que é a repressão em Cuba. De como as vozes da dissidência mais pacífica vivem sob a constante ameaça de prisão, ou então passam períodos mais ou menos longos na prisão. De como tentar fugir da ilha pode implicar a pena de morte – sim, a pena de morte. Ou de como o sistema é ainda mais opressivo por estimular cada vizinho, ou colega no trabalho, ou familiar, a transformar-se num delator. E tudo isto em nome de uma constelação de mentiras que, ao viajar pela ilha, vemos repetidas em enormes cartazes ou pichagens que por todo o lado glorificam o regime.

Uma das mentiras é a da igualdade. Cuba seria uma sociedade igualitária, onde ninguém gozaria de privilégios. Tão obsessivamente igualitária que quando as famílias começaram a utilizar os pátios das traseiras das suas casas para criar mini-restaurantes para turistas conhecidos por “paladares”, o regime logo decretou que nenhum podia ter mais de doze lugares para que ninguém pudesse enriquecer (como fosse possível enriquecer quando, nesses “paladares”, os menus quase nunca fogem de uma dieta monótona de pratos de frango ou porco, cozinhados com mais ou menos imaginação).

As lojas dos dólares são coloridas, alegres e têm tudo, mesmo produtos norte-americanos. As lojas dos pesos são escuras e têm as prateleiras vazias. É por isso que um dos recepcionistas que nos ajudou a levar as malas no mítico Hotel Nacional era médico, pois as gorjetas de um dia de trabalho valem mais que um mês de salário de cirurgião

Contudo, apesar desta obsessão oficial contra qualquer actividade particular de que resulte algum sucesso económico, a verdade é que Cuba é hoje uma sociedade dual – e isto se excluirmos a nomenklatura, que vive num mundo à parte. Percorrendo a ilha percebemos que de um lado estão os que têm dólares, do outro os que só têm pesos. Todos os que trabalham no sector do turismo ou têm familiares emigrados em Miami têm acesso a dólares, o que quer dizer que podem comprar nas lojas onde só o dólar tem valor – que são também as únicas lojas onde há produtos com abundância. Os outros, os que vivem dos seus salários em pesos, pertencem a outro universo: vivem das senhas de racionamento, só têm acesso a leite se tiverem crianças na família, a carne uma vez por mês, a sabão quase nunca.

As lojas dos dólares são coloridas, alegres e têm tudo, mesmo produtos norte-americanos. As lojas dos pesos são escuras e têm as prateleiras vazias. É por isso que um dos recepcionistas que nos ajudou a levar as malas no mítico Hotel Nacional era médico, pois as gorjetas de um dia de trabalho valem mais que um mês de salário de cirurgião; ou que para entrar na península de Varadero, onde está a maior estância turística, os cubanos comuns tenham de dispor de um passe especial. E é também por isso que um “herói de Angola”, professor de matemática, pai de uma das muitas pessoas a quem dei boleia durante as duas semanas que passei na ilha, tinha de fazer um turno na fábrica siderúrgica para compor o fim do mês.

Trinidad, uma das cidades mais encantadora de Cuba. Quando a deixei dei a boleia a uma mãe que tinha de levar a filha ao médico mas não tinha como lá chegar pois a rede de transportes não funcionava

Por isso, se em Cuba se repete que se fez a revolução para acabar com a desigualdade, a verdade é que esta criou a mais irracional das desigualdades: entre os que têm e os que não têm dólares. Isto num país onde a obsessão nacional são os americanos e se repete a cada esquina outra grande mentira: “el bloqueo”, o bloqueio. O bloqueio americano, como lhe chamam, é apresentado como tendo a culpa de tudo, das dificuldades económicas às malvadas “intentonas” contra a revolução e “el Comandante”. Quem fale com um cubano comum fica com a ideia de que a ilha está cercada, que há navios de guerra a impedir a entrada e a saída de mercadorias e que se as prateleiras das lojas estão vazias isso deve-se a este cerco – só que as prateleiras das lojas só estão vazias para quem apenas pode pagar em pesos ou em senhas de racionamento. Não estão vazias onde se pode negociar em dólares, onde há de tudo, incluindo produtos americanos. Havendo dólares, ninguém fica sem beber Coca-cola, pois se é verdade que não existe comércio directo entre Cuba e os Estados Unidos, os produtos americanos chegam à ilha – ou à parte dolarizada da ilha – vindos do Canadá, do México ou de qualquer outro país da região. E a ilha exportaria para qualquer um dos 115 países com quem mantém relações comerciais se tivesse alguma coisa para exportar a preços competitivos, só que não tem.

Um fracasso económico com mais de cinco décadas

O “socialismo”, que devia ter liberto Cuba do regime semi-colonial em que funcionava nos tempos de Fulgêncio Baptista – um ditador bem mais brando que Castro –, que devia ter permitido a “industrialização” e acabado com a dependência da monocultura da cana de açúcar, que devia ter liberto as jovens de Cuba dos hábitos próprios ao que se dizia ser o “prostíbulo da América”, acabou por agravar a dependência e falhou em todas as suas metas económicas.

Em 1959, ano da revolução o consumo calórico de alimentos era de 2800 calorias por habitante e por dia; hoje [em 2005] as senhas de racionamento permitem uma dieta de apenas 1800 calorias. Por ano a média de consumo de carne por habitante era há 45 anos de 35 quilos, agora [2005] é de 5,5 quilos.

Primeiro, porque Cuba passou a depender da União Soviética até ao colapso desta, sendo que a única coisa que lhe podia fornecer em troca de tudo e, sobretudo, de petróleo era… açúcar. Depois porque, quando o fim dos regimes comunistas no Leste europeu deixou Cuba sem patrocinadores, esta teve de render-se aos dólares e ao turismo e depressa se multiplicaram as “gineteras”, curioso eufemismo para designar as praticantes da mais velha profissão do Mundo. Mudaram foi de clientes: há menos americanos, abundam os mexicanos.

De resto o fracasso económico de Cuba é tão gritante que mesmo as mentiras do “igualitarismo” e do “bloqueio” não conseguem disfarçá-lo. Basta dizer que em 1959, ano da revolução, o rendimento anual médio per capita era de 1200 dólares, o segundo mais elevado da América Latina; em 2004 foi de 70 dólares [os dados do PIB per capita cubano são sempre sujeitos a muita controvérsia, pois nem sempre consideram a diferença entre o valor real da moeda e o do chamado “peso convertível]”. Havia então 15 telefones por cada 100 habitantes; agora há 3,5. O consumo calórico de alimentos era de 2800 calorias por habitante e por dia; hoje as senhas de racionamento permitem uma dieta de apenas 1800 calorias, isto quando todos os produtos que incluem estão disponíveis, o que nem sempre acontece. Por ano a média de consumo de carne por habitante era há 45 anos de 35 quilos, agora é de 5,5 quilos.

Cuba já tinha o melhor sistema de saúde e o melhor sistema de educação da América Latina antes da revolução

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Nesta altura, quando se fala da dura realidade económica, costuma surgir outra mentira: é verdade que até pode haver menos bens materiais, mas já os cuidados de saúde são exemplares e a escola é para todos. À primeira vista parece indesmentível, sobretudo para quem conhece outros países da América Latina e viu de perto as suas realidades. Só que o argumento esquece que Cuba já tinha o melhor sistema de saúde e o melhor sistema de educação da América Latina antes da revolução.

No caso concreto do sistema de saúde, em 1958 a taxa de mortalidade infantil já era mais baixa de toda a América Latina e a taxa de mortalidade geral era melhor que a dos Estados Unidos e a terceira mais baixa de todo o Mundo. Na verdade nessa época já havia um médico para cada 950 habitantes, número que tantos anos de socialismo conseguiu melhorar para… um médico por cada 750 habitantes (em Portugal, no mesmo intervalo de tempo, o número de médicos por mil habitantes foi multiplicado por quatro). Sendo que em 1959 não havia falhas no abastecimento de medicamentos, mesmo os mais básicos, enquanto hoje o alho serve para combater a hipertensão, o mamão para os problemas digestivos e os anti-inflamatórios só se encontram no mercado negro. Isto para além de os médicos se debaterem com carências terríveis (é um inferno fazer uma simples radiografia…) e trabalharem em edifícios literalmente a desfazerem-se, onde as condições de higiene são quase inexistentes. Mais: para que tirar partido de tantos médicos, é fundamental que os doentes os possam consultar, algo muito difícil numa ilha onde o sistema de transportes colapsou (havia um autocarro para cada 300 habitantes em 1959, hoje há apenas um para 25 mil habitantes) e muitos doentes dependem de boleias avulsas e aleatórias para chegarem às consultas – eu próprio levei uma mãe e uma filha a um hospital onde a criança iria ser operada.

Por outro lado, mesmo o chamado “milagre da educação” não impede que, medida pelos padrões da UNESCO, os seus níveis em Cuba fiquem a perder, só na América latina, para o Chile, a Argentina, o Uruguai e a Costa Rica.

Duplicidade moral

Fidel Castro transformou pois a sua ilha não só numa enorme prisão, mas tornou Cuba mais pobre em termos absolutos, muito mais pobre em termos relativos e de onde as desigualdades não desapareceram, pelo contrário, logrando manter o seu poder com base em mentiras que espalha por todas as paredes da ilha. Criou um regime de poder absoluto e unipessoal que explora um nacionalismo de vistas curtas, uma dita “cubanidade” que ele próprio perseguiu durante anos até que se viu forçado a aceitá-la e agora lhe serve magnificamente, nem que seja como pano de fundo para filmes de Wim Wenders.

Continua a ser extraordinário é que Cuba continue a beneficiar de um estatuto à parte – diria mesmo: de um cantinho no coração – de tantos intelectuais. Tal como é extraordinária a duplicidade moral dos que não perdoam nada aos ditadores de direita e estão dispostos a perdoar tudo aos de esquerda.

Face a uma realidade que, quando conhecida mais de perto, só pode tornar mais anti-comunista quem quer que preze a liberdade, o que continua a ser extraordinário é que Cuba continue a beneficiar de um estatuto à parte – diria mesmo: de um cantinho no coração – de tantos intelectuais. Robert Ménard, secretário-geral da organização de jornalistas Repórteres sem Fronteiras, aborda com frontalidade este estranho fascínio no prefácio deste livro ao criticar a duplicidade moral dos que não perdoam nada aos ditadores de direita e estão dispostos a perdoar tudo aos de esquerda – aos que vilipendiam Pinochet e celebram Fidel, apesar do primeiro ser responsável pela morte, por razões políticas, de menos pessoas, ter saído do poder após convocar eleições e ter deixado o Chile com a economia mais vigorosa da América Latina. Se nada nesta comparação nos pode levar a perdoar a Pinochet, nenhum “feito” da Cuba socialista nos pode levar a justificar um regime que persegue quem discorda, que executa quem se revolta, que não prende apenas os dissidentes políticos mas também os que considera terem comportamentos “desviantes”, como os homossexuais.

Por detrás dessa duplicidade moral está aquilo que, depois de tudo o que vivemos no século XX, não pode ser apresentado apenas como uma “ilusão”: a ideia de que a construção de um idílico “paraíso na Terra” justificaria os mais ferozes métodos. Contudo é isso mesmo que prevêem as leis cubanas, a começar pela Constituição onde se proclama que “nenhuma das liberdades reconhecidas aos cidadãos pode ser exercida contra o que está escrito na Constituição e nas leis, ou contra a existência e os objectivos do Estado socialista, ou contra a decisão do povo cubano de construir o socialismo e o comunismo”. O que é mais ou menos o mesmo que dizer que só se pode ser livre se se for comunista, e que haverá sempre quem, no Estado, saiba interpretar a vontade do povo e determinar quem é ou não comunista.

Repressão, já este ano, de uma manifestação de mulheres de presos políticos

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Não há, nestas formulações e nas práticas correspondentes, nada de substancialmente diferente do que era moeda corrente nos países ex-comunistas – e, no entanto, continuam a ser numerosos os que já não sendo capazes de negar o colapso desses modelos de sociedade, continuam a agarrar-se Cuba como quem se agarra a uma derradeira tábua de salvação. Em relação ao que se passava em Moscovo ou Berlim-Leste reconhecem “erros”, “desvios”, por vezes até admitem “crimes”, mas depressa os apresentam como o resultado de entorses à doutrina e obra de maus dirigentes e más práticas. Isso permite-lhes abrir a excepção para Cuba: alguém, olhando para aquele velho barbudo que teimosamente bate o pé do gigante americano é porventura capaz de ver nele uma encarnação do mal? E quem se atreve a criticar o imenso exemplo de “generosidade” e “dedicação suprema” que representou esse homem de olhar penetrante e sonhador e boina com uma estrelha vermelha, o “imortal” Che?

Não. Não: o problema não está em saber se Fidel e Guevara são homens generosos ou não. O importante é perceber que o mal está nas ideias que os líderes cubanos, como os dos múltiplos pesadelos comunistas, defendiam e defendem. São ideias que são intrinsecamente malignas, mesmo que possam ter surgido como racionais, generosas e até libertadoras. 

Não. Não: o problema não está em saber se Fidel e Guevara são homens generosos ou não, e nem valerá a pena recordar que o líder cubano fez fuzilar alguns dos seus mais próximos companheiros ou que Guevara presidiu com frieza e júbilo a pelotões de fuzilamento nos dias mais quentes da Revolução. Isso não é importante: o importante é perceber que, sendo eles homens maus ou bons, generosos ou impiedosos, o mal está nas ideias que os líderes cubanos, como os dos múltiplos pesadelos comunistas, defendiam e defendem. São ideias que são intrinsecamente malignas, mesmo que possam ter surgido como racionais, generosas e até libertadoras. São ideias que sacrificam de forma assumida a liberdade individual e conduziram sempre aos mesmos resultados: regimes opressivos, desastres económicos e criação de sociedades que, longe de serem igualitárias, geraram e geram desigualdades económicas e políticas chocantes.

Daí a importância deste “Livro Negro de Cuba”, não apenas por apresentar informação recente sobre os atentados às liberdades públicas na ilha de Fidel, mas também por grande parte dos relatórios que são nele transcritos terem origem em ONG (Organizações Não Governamentais) acima de toda a suspeita. Ou, mais exactamente, de ONG’s acusadas de muitas vezes terem uma agenda política demasiado colada à esquerda. O que, neste caso, lhes confere uma autoridade suplementar pois permite perceber que o que está mesmo em causa não são ideologias, mas um escrutínio rigoroso e independente do estado das coisas em Cuba – um país onde, suspeito, mesmo os que o apresentam como “paraíso na Terra”, não gostariam de viver.

Os trópicos e a doce mistura de melancolia e sensualidade caribenha não mudam o essencial: uma ditadura é sempre uma ditadura.

(Julho de 2005)

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