Há cerca de oito anos, Pedro Passos Coelho proferiu a célebre frase “que se lixem as eleições”. Ou pelo menos esta, foi a frase que ficou celebrizada pela intelligentsia lusa, que se apressou a rasgar vestes e a ranger dentes com interpretações tão idiotas quanto as de que o seu autor estava a defender o fim da democracia. A mesma intelligentsia, que perante as sucessivas interferências de facto da esquerda na comunicação social, na universidade, na Justiça, no aparelho do Estado e no Parlamento optam, na melhor das hipóteses, pelo silêncio cúmplice. Enfim, fariseus a serem fariseus é uma história com mais de dois mil anos. A frase de Passos Coelho, porém, era mais elaborada e dificilmente pode ser mais útil relembrá-la que agora. Passos Coelho afirmou que “se algum dia tiver de perder umas eleições em Portugal para salvar o país, como se diz, que se lixem as eleições, o que interessa é Portugal”. Disse mais: em vésperas de eleições autárquicas, sublinhou que o Governo da Nação não estaria ao serviço dos interesses do aparelho partidário, mas ao serviço dos interesses do país.

Recordar hoje esta frase é útil por quatro razões.

A primeira, pelo flagrante contraste com o Dr. Costa. O Dr. Costa nunca perderia umas eleições para salvar o país, porque ao Dr. Costa o que interessa é, primeiro, a sua sobrevivência política e, depois, o sustento do seu partido. E isso não se compadece com a salvação do país, que, com excepção do 25 de Novembro, foi coisa que nunca ocupou o PS.

Segundo, porque parece que o actual PSD se apropriou do guião tendo despachado, sem o compreender, o guionista. Ou seja, olhando hoje para o PSD, parece que este também se está nas tintas para as eleições, não porque queira salvar o país, mas apenas porque o seu líder só quer que o seu partido seja o irmão gémeo do PS; como parceiro ou como alternativa dentro do mesmo status quo. Uma espécie de “Opções Inadiáveis” vintage, mas em mau, perdão, em pior. E conta, ingénua mas firmemente, que isso aconteça mesmo; ou que o Dr. Costa precise dele, ou que o Dr. Costa se desgaste tanto, que seja vencido pela sua própria incompetência e o poder acabe por lhe cair nos braços. É já claro para toda a gente, excepto para o Dr. Rio, que nenhuma das duas vai acontecer a bem. Aliás, nesta altura, isso é mesmo tão claro, que até o Dr. Rio parece estar já hesitante nessa quimera, considerando o recente flirt desajeitado ao Chega; novela para a qual o Rui Ramos já aqui apresentou o trailer.

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Seria, porém, injusto dizer, a este propósito, que este PSD não tem uma ideia para o país. Joaquim Miranda Sarmento tem e o PSD continua a ter gente capaz. O problema é que estas reservas de competência estão como, normalmente, os vinhos de reserva: fechadas na cave. Porque quando o Dr. Rio não gosta, cala ou castiga; basta ver os episódios da formação das listas para as últimas legislativas, ou a recente perseguição a quem, na sua bancada, se recusou a compactuar com o fim dos debates quinzenais. Outro problema ainda, é que uma alternativa – e não se constrói uma alternativa em Portugal sem o partido PSD e sem o povo PPD – carece de um líder da oposição unificador. E a última vez que o país viu o Dr. Rio fazer oposição, foi quando a fez a… Pedro Passos Coelho.

E isto leva-nos à terceira razão pela qual a frase de Pedro Passos Coelho merece ser recordada: a salvação do país. Ora, hoje, para que o país se salve, é necessário que a direita volte a ganhar as eleições. Ao PS. E para que isso seja possível, é necessário que uma grande e abrangente frente eleitoral, que junte todos os democratas à direita do PS, se mobilize num projecto alternativo. A direita é que não parece estar para aí virada, para gáudio da Calle Moneda, perdão, do Largo do Rato; qualquer semelhança com uma mexicanização do regime (não) é mera coincidência.

A este propósito diz-se que a direita ficou presa no passado, à narrativa da austeridade, da troika, do Sócrates e das contas públicas. Diz-se que foi incapaz de olhar para o futuro e, a partir desse olhar, projectar e propor um caminho melhor para os portugueses, oferecendo de bandeja o poder à geringonça. Quem diz isto, não sem alguma razão, são, curiosamente, as mesmas pessoas que, falando na necessidade de um projecto aspiracional vertido num programa eleitoral, ignoram o excelente programa que o CDS levou a votos nas últimas eleições legislativas. Uns apressar-se-ão a dizer que esse programa teve 4% de votos e que o caminho não é esse, outros saberão que, na verdade, como quase sempre, esse programa não foi objecto de escrutínio, simplesmente porque ninguém o leu, nem foi eficazmente comunicado.

E eis-nos, portanto, chegados à quarta razão e que é a que se prende com a questão da comunicação política. Vamos a um breve roteiro. O PSD e o CDS reduzem o défice de 11% para 3% em 4 anos e põem a economia a crescer após mais uma bancarrota socialista; são uns carrascos. O PS, com a maior carga fiscal da história recente e com as maiores cativações de que há memória, reduz o défice de 3% para 0%; são os Ronaldos das finanças. Costa perde as eleições e urde uma coligação negativa; é um génio. Passos diz que coloca o interesse nacional acima das eleições; é um ditador. Só um país acéfalo é que embarca nestas patranhas. Se a esta acefalia juntarmos todas as micro-causas, todas as crises identitárias, todos os ódios alimentados a pão-de-ló e todas as supressões de debate, temos a asfixia da democracia e um garrote na independência do país.

Se há ideias, se há programa, se há gente capaz, à direita e ao país só resta a esperança num líder de oposição unificador, com capital político suficiente, que corporize um projecto ambicioso para Portugal, alternativo a este nada, e que o saiba comunicar em torno de mensagens curtas, eficazes, construtivas e não reactivas. De caminho, já agora, vale a pena ouvir a sociedade – empregadores, trabalhadores, sector social… – e não se limitar a fazer eco do que se ouve nos cafés. Alguém por aí disponível?