Que seria do mundo do futebol e de outros desportos sem os portugueses? E da arquitectura? E da ciência? E da literatura? E da engenharia espacial, mas também de prédios, museus e pontes? E das artes, da música, da academia, da investigação e tecnologia, do vinho, do turismo, da gastronomia e de tanta, tanta coisa que seriam precisas muitas linhas, e dias a fio para enunciar tudo o que revela a nossa marca no mundo. Isto, claro, para não falar dos portugueses de quinhentos que nos hão-de inspirar para sempre por terem dado novos mundos ao mundo.

Passamos a vida a identificar boas práticas e boas notícias de gente de fora. Pessoas que vivem e trabalham em países mais ou menos remotos e nos fascinam por uma razão ou outra, mas esquecemo-nos de que nós, os portugueses, estamos sempre a fazer história. Não é só o Ronaldo que faz o mundo vibrar quando marca um golo. O Vhils também humaniza a paisagem aqui como na China; a Maria João Pires pára tudo com a sua música; o António Horta Osório fala e é igualmente tido em conta dum canto ao outro neste universo macro e micro economicista; o Siza e o Souto Moura rasgam a paisagem e abrem horizontes amplos; a Paula Rêgo redesenha a pintura; Pessoa, Sophia e Saramago serão lidos ao longo de séculos, e por aí adiante.

Milhões de portugueses vivos e mortos, conhecidos e anónimos, falam a mesma língua há oito séculos e deixam vestígios pelo mundo. Todo o mundo. Comecei a fazer jornalismo no tempo em que jornalistas como o Joaquim Furtado, o Barata-Feyo e o Rui Araújo, entre outros tão bons como eles, eram enviados especiais à procura de obras, ruínas e sinais da nossa passagem para a célebre série de programas “Portugal Sem Fim”. Eu própria demorei semanas em Zanzibar e Pemba a filmar traços dessa mesma grandeza portuguesa. Décadas mais tarde, porventura por sentir a mesma demanda interior em busca dos portugueses pelo mundo, gravei novas séries de televisão, desta vez para revelar não os sinais do passado, mas aquilo que os portugueses fazem no presente e projectam no futuro. Conheci pessoalmente dezenas, centenas de portugueses excepcionais, muitos deles apenas reconhecidos por gente das suas áreas de especialidade. Homens e mulheres de todas as idades e origens cujo registo passa por fazer tudo muito bem feito, numa lógica de superação diária e numa aposta de trabalho árduo, incessante.

Depois desses anos a viajar e a mapear portugueses lá fora, passei longos anos a cartografar os portugueses cá dentro. Aliás, essa cartografia continua em curso, semana após semana. Há muito tempo que me foi dado o privilégio de conhecer muita gente empreendedora, inventiva, cheia de imaginação e iniciativa. Portugueses que humanizam o mundo com a sua acção. Pessoas reais, mais e menos banais, que se destacam em áreas fabulosas como a Ciência e a Investigação, mas também no cinema, nas artes performativas, na música (o que seria do mundo sem o nosso Fado, com as suas vozes novas e antigas), e em áreas de maravilha como a exposição do fundo do mar (temos o melhor Oceanário do mundo, para o caso de ter passado despercebido a alguém!) e na literatura, com tantos autores e tão variados que seriam precisas realmente muitas linhas para os conseguir nomear todos.

Sei de apps criadas por portugueses que mudaram o mundo a meio mundo. E conheço autores e programadores que transformaram a outra metade deste mundo. Falo, por exemplo, da Color ADD, a melhor app inclusiva premiada pelas Nações Unidas, que permite a 350 milhões de daltónicos identificarem e verem as cores. Também sei de robots e invenções portuguesas fabulosas como a bússola que foi lançada para o espaço e permite medir o campo magnético de forma a saber a orientação dos satélites (e o que seria do mundo e da vida de cada um de nós sem os satélites!), mais os óculos de realidade aumentada a que um português adicionou equipamento de vídeo que permite ver para onde o olho está a olhar, e cuja câmara filma o olho, para através de um teclado virtual poder escrever apenas com os olhos. Se estes portugueses não salvam a humanidade, não sei quem a pode salvar, pois inventam tecnologia sofisticadíssima que cria acessibilidades e inclusão, salvando pelo menos parte da humanidade doente.

Sei e sabemos todos de muitos outros inventos cuja patente é nossa, portuguesa. Seja na Nasa, em Hollywood, em Silicon Valley, nos maiores centros hospitalares ou nas melhores universidades do mundo, há sempre portugueses a dar cartas. É impressionante. Médicos de excelência a trabalhar dentro e fora de Portugal, são aos milhares. Assim como engenheiros, arquitectos, professores, advogados, actores, músicos, artistas e artesãos são igualmente incontáveis. Tão importante como tudo isto é saber que sendo nós um país de emigrantes, sempre estivemos no topo dos rankings das boas práticas de acolhimento aos imigrantes. E mais, o voluntariado dos portugueses no mundo é uma marca muito impressiva e de grande humanidade.

Há anos o Nicolau Santos escreveu no Expresso um artigo fabuloso (que pouco tempo depois demos como enunciado de teste aos alunos de Economia e Gestão, na Nova SBE) onde enumerava dezenas de exemplos de como Portugal e os portugueses são (somos!) uma marca incontornável. Cito apenas alguns: “conheço um país que em 30 anos passou de uma das piores taxas de mortalidade infantil para a quarta mais baixa a nível mundial; que em oito anos construiu o segundo mais importante registo europeu de dadores de medula óssea, indispensável no combate às doenças leucémicas. Que é líder mundial no transplante de fígado e está em segundo lugar no transplante de rins (…) que é líder mundial no sector da energia renovável e o quarto maior produtor de energia eólica do mundo (…) que inventou e desenvolveu o primeiro sistema mundial de pagamentos pré-pagos para telemóveis, que é líder mundial em software de identificação, que tem uma empresa que corrige e detecta as falhas do sistema informático da Nasa e tem a melhor incubadora de empresas do mundo (…) um país que é o “state of art” nos moldes de plástico e líder mundial nesta tecnologia (…) que tem um dos melhores sistemas Multibanco a nível mundial e desenvolveu um sistema inovador de pagar nas portagens das auto-estradas, a Via Verde.” O texto era extenso e os exemplos sucediam-se.

Se agora volto a este texto e a esta realidade que é a marca dos portugueses no mundo é por estarmos em vésperas de mais uma entrega de prémios aos vencedores do Concurso FAZ, Ideias de Origem Portuguesa que a Gulbenkian promove todos os anos, com o apoio da Cotec. No dia 3 de Junho serão conhecidos os autores das melhores ideias pensadas fora de Portugal, para aplicar dentro do país. As edições anteriores já revelaram dezenas de talentos extraordinários e tenho a certeza de que esta edição não será excepção. Durante uma tarde inteira a Gulbenkian será o palco livre e aberto onde vários portugueses inspiradores e de sucesso, dentro e fora de Portugal, foram convidados a dar testemunho da sua ciência e experiência. Todos eles terão como ponto de partida e de chegada uma interrogação: que seria do mundo sem os portugueses?

Confesso que a mim me soa mais como certeza e, daí, ter começado por retirar a interrogação do título.