É moda entre a extrema-esquerda considerar que qualquer levantamento com vista a derrubar os ditadores da sua cor política não passa de uma “revolução colorida”, palavras para caracterizar uma revolta organizada por forças externas, obrigatoriamente financiadas pelos Estados Unidos, União Europeia, CIA, George Soros, Alexey Navalny, etc., mas recusam-se a reconhecer que na origem dessas revoluções estão políticas desastrosas realizadas por ditadores ou autocratas que pretendem eternizar-se no poder.

No momento em que escrevo este artigo de opinião, ainda não se sabe quem irá vencer no confronto entre o ditador bielorrusso Alexandre Lukachenko e os muitos milhares de manifestantes que saem há já sete dias para as ruas das cidades da Bielorrússia para exigir a demissão do “agro-fuhrer” (como é conhecido Lukachenko por no passado ter dirigido uma unidade colectiva de produção soviética) e a realização de eleições presidenciais livres e transparentes. Mas, qualquer que seja o resultado, o país irá passar por um longo período de turbulência devido à sua posição geopolítica.

Os apoiantes de Lukachenko, dentro e fora da Bielorrússia, não têm dúvidas de que as eleições presidenciais de 9 de Agosto corresponderam aos mais exigentes padrões democráticos e que os protestos da oposição não passam de manobras imperialistas para derrubar o Presidente legitimamente eleito.

O comunicado do quase defunto Partido Comunista de Espanha é um exemplo claro dessa tese: “Os mídias conservadores e algumas forças de esquerda que cederam à campanha de propaganda eclodida em Washington e Bruxelas, descreveram os protestos após as eleições como pacíficos, algo que não corresponde à realidade. Além do facto de outras questões relevantes requererem esclarecimento (como a presença dos mercenários russos de Wagner detidos em Minsk, e cuja presença não pode ser descartada como sendo o resultado de um plano dos serviços secretos ucranianos), os governos ocidentais exigem passividade à polícia bielorrussa, considerando todos os protestos como pacíficos, apesar das ações evidentes de grupos nazis e destacamentos de extrema direita, complementando os protestos da oposição liberal para criar bolsas de caos em Minsk e outras cidades, e que até levou à criação de grupos de mulheres de branco, em imitação das campanhas contra Cuba, tentando criar outro Maidan que justifique a aplicação de novas sanções, assédio político e diplomático e, eventualmente, que possa servir de gatilho para derrubar o governo Lukashenko” .

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Uma mistura de mentiras, meias-mentiras e meias-verdades que fazem inveja aos adeptos das teorias da conspiração. Aí só falta mesmo George Soros e Bill Gates.

O Partido Comunista Português ainda não se manifestou sobre a situação na Bielorrússia, mas o artigo publicado no último número do Avante a propósito da reeleição de Lukachenko faz crer que a sua posição não irá divergir dos camaradas espanhóis.

Claro que, tendo em conta a posição estratégica da Bielorrússia entre a União Europeia e a Rússia, seria ingénuo acreditar que membros da UE, os Estados Unidos ou o Kremlin não tentassem tirar proveito, directa ou indirectamente, da crise nesse país.

Mas isto não pode fazer esquecer uma questão, principalmente aos ideólogos do marxismo-leninismo: quem e o que levou a esta “situação revolucionária”. Como é sabido, para isso é necessário que haja “condições objectivas e subjectivas”.

No caso da Bielorrússia, a resposta é evidente: o cansaço dos bielorrussos com uma ditadura nacional-socialista, que mantém o país numa situação económica estagnada, mantida, significativamente, à custa dos subsídios russos através do fornecimento de hidrocarbonetos a baixos preços.

A forma como o ditador trata a população bielorrussa durante a pandemia, subestimando os perigos do Covid-19 para a saúde pública, contribui muito para a perda de popularidade de um político que já se encontra no poder há 26 anos.

Mas o rastilho da explosão social foi aceso com a realização de umas eleições presidenciais viciadas e a posterior onda inaudita de repressão, lançada pela polícia e pelo KGB (os serviços secretos bielorrussos herdaram o nome do seu antecessor soviético) contra aqueles que ousaram vir para a rua contestar a “estrondosa vitória” do ditador.  Milhares de pessoas foram detidas e torturadas de forma violenta pelas forças de segurança.

Tudo indicava que o cenário iria repetir situações anteriores, ou seja, Lukachenko falsifica eleições presidenciais, a oposição contesta, ele envia tropas e polícia para a rua e, passados alguns dias, as coisas acalmam.

Desta vez, aconteceu uma novidade que deveria deixar eufóricos os marxistas-leninistas, mas parece não ser o caso. A classe operária, sim, os trabalhadores dos gigantes industriais públicos ameaçam com greves se as repressões continuarem, juntaram-se aos protestos. Em alguns lugares já se registaram paragens laborais e os manifestantes exigem a demissão de Lukachenko. Além da polícia e das forças armadas, o ditador não tem apoio de mais ninguém no interior do país, mas mesmo essas podem mudar de campo, tendo-se registado já alguns casos.

Putin: a última esperança de Lukachenko

Durante a campanha eleitoral, o presidente bielorrusso lançou muitas farpas na direcção do Kremlin, sendo uma das mais forte a prisão de 32 mercenários russos. Isso levou a que alguns políticos russos fiéis à corte criticassem Lukachenko e levantassem a hipótese de ter chegado a hora de ser necessário livrar o “infeliz povo bielorrusso” do sátrapa.

Vendo-se completamente encurralado, Lukachenko vira-se para Moscovo, como era previsível, e dispõe-se a aceitar todas as condições. Ele apressou-se a telefonar a Putin e ambos se mostraram convencidos de que todos os problemas da Bielorrússia.

“O principal é que esses problemas não sejam utilizados por forças destrutivas que tentem prejudicar a cooperação mutuamente vantajosa dos dois países”, sublinharam eles, acrescentando que reafirmaram a disposição de “reforçar as relações de aliados”.

É de recordar que, durante a campanha eleitoral, Lukachenko anunciou que as relações com a Rússia deixavam de ser de “aliados”, para ser de “parceiros”.

Porém, agora, o discurso de Moscovo mudou rapidamente. Putin foi dos primeiros a enviar os parabéns a Lukachenko pela “vitória”. Com o aumento da onda de contestação, alguns políticos e jornalistas próximos da corte do Kremlin, como Margarita Simonian, directora do Russia Today, principal canal de propaganda russa para o estrangeiro, passaram a defender publicamente a necessidade do envio de “pessoas simpáticas” para o território do Estado vizinho, ou seja, mandar tropas especiais russas para ocupar a Bielorrússia tal como a Crimeia em 2014.

Segundo Alexandre Lukachenko, durante a conversa telefónica, Putin ter-lhe prometi ajuda militar no âmbito dos tratados sobre a União de Estados e a Organização do Tratado de Segurança Colectiva.

É verdade que Vladimir Putin não quer perder a Bielorrússia e não pretende permitir que apareça mais um mau exemplo para os seus cidadãos: o derrube do ditador através de protestos, mas fazer uma intervenção militar terá consequências imprevisivelmente perigosas para a Rússia e o mundo. As tropas russas não terão certamente a recepção que tiveram na Crimeia e a opinião pública russa poderá contestar os planos militaristas e imperialistas do autocrata Putin.

O dirigente russo talvez ainda consiga encontrar uma alternativa pró-russa ao actual ditador, mas já perdeu muito tempo. Até agora, Putin tem sido cúmplice de Lukachenko na criação de condições para mais uma “revolução colorida”.