Se perguntássemos a um milhão de pessoas qual é a principal preocupação da vida humana, a resposta mais comum seria, seguramente, “a busca da felicidade”. Como nos ensinou William James na sua obra As Variedades da Experiência Religiosa, alcançar, manter ou recuperar a felicidade é, para a maioria dos homens ao longo dos tempos, o motivo secreto de tudo o que fazem e de tudo o que estão dispostos a suportar. Não é, também, incomum que as pessoas pensem na plenitude como um destino, um estado final onde as suas vidas estão em perfeita ordem, onde são felizes, equilibradas e em paz com o seu papel no mundo.
Hoje, contudo, a ideia de felicidade plena está a ser fortemente distorcida por uma sociedade dependente de redes sociais, tendo-se tornado uma sombra de si própria, uma espécie de ilusão disforme de um estado ideal que supostamente todos nós deveríamos alcançar. A perseguição de uma felicidade pervertida pelas redes sociais está a tornar o dia-a-dia de muitas pessoas num inferno semelhante ao que é experienciado por quem mergulha nas drogas duras, onde, depois de um período inicial de deslumbramento, a vida se torna numa náusea rumo ao abismo.
No caso das crianças, e na linha do que apresentei numa das últimas crónicas, o embalo das redes sociais e dos jogos online, patrocinado pelo acesso através de telemóveis, está a ter efeitos altamente nocivos, desde logo, no seu comportamento imediato. Há toda uma economia digital construída em cima de estímulos aditivos que está a transformar as crianças em dependentes de estímulos digitais. A expressão pode ser agreste, mas não é exagerada se pensarmos que são inúmeras as crianças que não conseguem, hoje, estar cinco minutos concentradas a ler um livro ou a ver um filme e que entram – literalmente – em espasmo físico (com relatos de dor física e até vómitos) quando privadas dos seus dispositivos. As dezenas de relatos que recolhi nas últimas semanas, de pais, professores e pessoas expostas a crianças, revelam um cenário muito pior do que aquele que encontro nos estudos e textos teóricos dedicados ao tema, pois os estudos acabam por avançar mais lentamente que a realidade: e a realidade, mês após mês, atinge patamares inimagináveis.
Mas se há sinais de comportamentos imediatos que já por si são preocupantes, há danos menos visíveis, mas igualmente graves, que resultam da distorção das aspirações que estamos a permitir que as crianças construam, e da forma como deixamos que plataformas de marketing funcionem como fonte principal das referências sobre o que significa a vida adulta e o futuro. Cada vez mais inebriados num mundo ilusório e fictício, não são poucas as crianças (e cada vez mais, também adultos) que entram em choque quando são forçadas a enfrentar a realidade, com toda a sua complexidade e caos: contas, tarefas diárias, fracassos, preocupações financeiras, desilusões e as pressões de um mundo em constante crise e com poucos horizontes e perspetivas. A pressão para alcançar uma felicidade idealizada, apresentada de forma incessante nas redes, torna a plenitude uma miragem, alimentada pelo filtro irreal de uma vida perfeita. Um ambiente digital que promove um foco no que “não temos” e nos defeitos que supostamente precisamos de corrigir, acaba por nos desviar a todos do que realmente somos e poderíamos desenvolver – sendo isso particularmente crítico quando falamos de crianças em fase de crescimento e formação das suas personalidades e valorização do seu potencial.
Muitos jovens, como resposta à pressão de perseguição de um ideal utópico sem viabilidade real, têm crescentemente optado por, defensivamente, abandonar ambições. Num aparente “desprendimento” material, muitos aceitam a ideia de que não faz sentido tentar melhorar, ser o melhor ou ir mais longe – e, com isso, renunciam aos sacrifícios necessários para a construção do caráter e da autonomia. Embora não sejam poucos os que elogiam essa atitude das gerações mais novas, confundindo esta conformação ou desistência com um sinal de liberdade ou desprendimento, ela pode ser altamente prejudicial para a formação da personalidade e da capacidade de autossuperação dos futuros adultos.
Desligar os miúdos de telemóveis, videojogos e redes sociais é fundamental se queremos salvaguardar o seu futuro. Temos de voltar a educar as crianças, adolescentes e até adultos a focarem-se no seu crescimento verdadeiro, ao invés de seguirem o ideal irreal e egocêntrico promovido pelas redes. É necessário ensinar as pessoas a valorizar mais o seu potencial e capacidades, trabalhando as suas forças, talentos e virtudes, e a preocuparem-se menos em se compararem com arquétipos de perfeição que não são nem realistas nem viáveis.
A verdadeira plenitude não vai brotar das aparências ou da ocultação das emoções, mesmo as mais complexas. A autenticidade, um valor que deveria estar na base da educação dos mais novos, implica sermos capazes de acolher toda a gama das emoções humanas, integrando tanto as positivas quanto as experiências mais difíceis. Ensinar as novas gerações a lidar com situações negativas e a transformar esses momentos em oportunidades de superação é fundamental para uma construção sólida do caráter. Em vez de uma plenitude artificial, limitada a esconder ou reparar o que supostamente está “errado”, precisamos de promover uma ideia de crescimento autêntico, com espaço para o erro, onde a capacidade de enfrentar desafios é o que fortalece a autoconfiança e prepara para uma vida plena e resiliente.
Se as redes sociais incentivam um estilo de vida centrado no ego e na perfeição superficial, cabe aos adultos mais responsáveis, que ainda não se tornaram dependentes digitais, estimular as gerações futuras a valorizarem uma vida equilibrada e autêntica. O primeiro passo, porém, tem de ser dado pelos adultos, dando o exemplo e reconhecendo a natureza ilusória da felicidade “instagramável”. São muitos os adultos que precisam de se libertar para buscar de novo plenitudes verdadeiras e realistas – que, embora imperfeitas, permitem prosperar e encontrar satisfação genuína, mesmo quando a vida apresenta desafios. Só assim, libertos nós próprios das prisões em que também nos estamos a deixar cair, poderemos sinalizar aquilo que importa aos mais novos: é ao enfrentar dificuldades e superar problemas que se constrói a vida adulta.