Se excluirmos a parte do discurso de Vladimir Putin dedicada às relações com a Turquia e à luta contra o terrorismo, todo o resto da sua mensagem à nação não passa da repetição ritual de ideias já repetidas por ele há 10 ou 15 anos. Putin não tem uma estratégia para o desenvolvimento da Rússia.
O Presidente russo voltou a defender que é preciso proteger os pequenos e médios empresários dos funcionários públicos mafiosos que lhes querem roubar os negócios, continuar a luta contra a corrupção, retirar a economia da dependência do preço do petróleo e gás e melhorar a vida da população. Mas, a julgar por algumas das suas exclamações, não parece muito animado: “Mas quantas vezes já falámos disto!”, “Ouçam, há já quantos anos falamos disto?”, “Já falei disto tantas vezes…”.
No entanto, avança novas promessas: “A Rússia precisa de empresas que não só sejam capazes de garantir ao país produção de qualidade moderna [agrícola], mas também de conquistar mercados mundiais”.
Este seria o momento ideal para Putin falar de problemas concretos, mas não o fez. Não pronunciou uma só palavra sobre as acções de protesto dos camionistas de longo percurso contra as portagens que a empresa do filho do seu amigo, seu antigo treinador de judo e oligarca Arkadi Rotenberg está a impôr nas estradas de nível federal. Não obstante todas as dificuldades que as autoridades locais levantam perante os camionistas, estes ameaçam bloquear Moscovo.
É de assinalar que, desta vez, não se trata de acções realizadas pela oposição liberal, considerada pelo Kremlin a “quinta coluna” do Ocidente, mas por trabalhadores que se começam a organizar. E se estes virem satisfeitas, pelo menos parcialmente, as suas reivindicações, poderão servir de exemplo para outros grupos profissionais.
Por incrível que pareça, mas o dirigente russo não pronunciou sequer uma vez a palavra “Ucrânia”, embora o seu país esteja aí directamente envolvido num conflito que, embora parcialmente congelado, continua a fazer sentir-se. Além do mais, tendo em conta as dificuldades na construção de gasodutos que passem ao lado do território ucraniano, o governo de Kiev volta a ter um palavra sobre os preços e as condições do trânsito do gás russo para a União Europeia.
Ele também nada disse dos problemas que enfrentam os habitantes da Crimeia que estão há várias semanas sem electricidade devido à explosão de cabos de alta tensão na Ucrânia, pois ficou evidente que o Kremlin não previu todas as consequências da ocupação de parte do território ucraniano.
Para compensar a falta de êxitos internos, o dirigente russo começou o seu discurso com o combate ao terrorismo na Síria e as relações tensas com a Turquia. E aqui pouco acrescentou, a não ser o tom das ameaças pelo derrube do avião militar russo que, segundo Putin, “não se limitará aos tomates”. Porém, o Presidente Erdogan também não quer fazer figura de fraco e, além da espiral de sanções e contra-sanções, assistimos a mais uma guerra de propaganda. Ao que tudo indica, os militares russos só se acalmarão quando derem uma “resposta simétrica” à aviação turca, o que irá contribuir para agudizar mais a tensão bilateral e no Médio Oriente.
Neste sentido, são cada vez mais os receios entre os russos de que o seu país se envolva numa operação terrestre na Síria, pois isso será mais um fardo pesado para a já fraca economia da Rússia. O fantasma da aventura soviética no Afeganistão continua a pairar no país.
O discurso do Presidente Putin deixou claro que ele não tem uma estratégia clara para o desenvolvimento do seu país e que, para que ela apareça, deve realizar uma profunda renovação da élite política russa, de forma a que o país entre realmente na via da modernização. Isso só é possível com a abertura do regime a novas ideias, com o fim da propaganda que apresenta o país como uma fortaleza cercada por inimigos. Até que ele não faça isso, a Rússia irá continuar a aprofundar-se na crise económica, pois a bóia de salvação, o regresso a um preço alto dos combustíveis nos mercados internacionais, é cada vez menos certa.