Elon Musk assumiu publicamente ter Síndrome de Asperger e ainda que seja impossível medir o impacto deste seu testemunho direto, sabemos que ficará para sempre como referência para quem vive uma realidade semelhante e, ainda, para quem possa ter dúvidas relativamente aos comportamentos de alguém próximo, no sentido de identificar sinais e procurar especialistas para obter um diagnóstico e conseguir ajudas efetivas.

As vidas de uns fazem sempre eco nas vidas de outros, sobretudo quando são muito conhecidos ou, por alguma razão, se tornaram figuras influentes. É difícil, senão impossível, ficar imune aos testemunhos de quem assume fragilidades e patologias, particularmente quando estas são tabu, se vivem de forma solitária ou escondida. Elon Musk tem legiões de seguidores no mundo inteiro e sabe que o seu testemunho interpela muita gente, validando especialmente aqueles que vivem a sua condição.

Greta Thunberg, a jovem ativista ambiental que mobilizou multidões numa escala planetária, também reconheceu ter Síndrome de Asperger e fez questão de sublinhar que a sua obsessão num foco único é um sintoma da doença, mas é também uma força e não uma fraqueza. “Não sou como os outros, penso de forma diferente” insiste Greta.

Tanto o empreendedor visionário de tecnologia, magnata e presidente da SpaceX, como a ‘miúda’ que vive para alertar todas as gerações para a gravidade das alterações climáticas se converteram automaticamente em role models no minuto em que revelaram a sua circunstância particular.

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Estima-se que haja no mundo mais de 40 milhões de pessoas com Síndrome de Asperger, um transtorno neurobiológico enquadrado dentro da categoria Transtornos do Neurodesenvolvimento ou TEA – Transtormo do Espectro Autista, que não é considerado doença e, por isso, também não tem cura, mas afeta os próprios e todos os que os rodeiam. Aliás pensa-se que 1% da população mundial sofra de algum tipo de TEA, o que não só é expressivo como implica uma necessidade de desocultar esta realidade, falando dela.

A Síndrome de Asperger altera a forma como as pessoas percebem o mundo e interagem com os outros. As pessoas com Asperger vêm, ouvem, sentem e lêm o mundo de forma distinta e esta circunstância acompanha-as ao longo da vida. À semelhança de Greta Thunberg e Elon Musk, muitos outros assumem que é um traço fundamental da sua identidade.

Muitas pessoas que convivem com ‘Aspergers’ não fazem a menor ideia de que eles têm esta condição e os próprios também o ignoram, mas os traços comuns desta síndrome podem tornar a vida de uns e outros num inferno.

As pessoas com Asperger sentem tudo de forma brutal, quase esmagadora, e esse sentimento é gerador de uma grande ansiedade que perturba a sua vida emocional e social. Participar na vida familiar e relacionar-se com os outros na escola, no trabalho ou nos espaços públicos pode ser mesmo uma dificuldade tremenda para os Asperger e isso gera uma grande erosão nos núcleos a que pertencem.

O facto de terem uma inteligência muito acima da média confunde os outros e deixa-os muitas vezes desarmados. Ou pior, desamparados e sem saberem como agir e reagir. Também por isso é importante que haja role models, que se conheçam pessoas que foram e são capazes de se realizar, apesar de terem Asperger. O que Elon Musk e Greta Thunberg fazem, ao assumirem publicamente a sua condição, é validar sintomas, mas também valorizar dúvidas que podem levar muitos a procurarem ajuda especializada. O facto de assumirem publicamente que foram diagnosticados desperta muitos outros para a mesma necessidade.

Tal como muitas outras perturbações e transtornos de personalidade, também a Síndrome de Asperger pode ser vivida de forma mais leve e gratificante pelos próprios e pelos que com eles vivem ou convivem. Daí a importância do diagnóstico pois a partir de uma identificação formal da sua condição tudo se torna mais compreensível e vivível.

Há, no entanto, um problema acrescido quando falamos de diagnosticar a Síndrome de Asperger: varia muito de pessoa para pessoa e, por isso mesmo, exige quase sempre uma equipa de diagnóstico multidisciplinar. Em todo o caso, há dificuldades que apenas são reconhecidas na idade adulta e também isto é motivo de grandes sofrimentos, pois é frequente revelar-se em pessoas que casaram ou constituíram família sem saberem que tinham Síndrome de Asperger e só algum tempo depois, numa convivência já difícil, se descobre esta circunstância.

Sempre que isto acontece, quem não é Asperger começa por estranhar certas atitudes ou por sentir falta de uma ligação afetiva, depois evolui para uma enorme perplexidade perante reações invulgares ou comportamentos repetidos e pode chegar a situações de grande desgaste diário, mais ou menos agravado, em função da maior ou menor severidade com que se manifesta a Síndrome de Asperger na pessoa com quem vive.

Há quem ache o diagnóstico inútil ou fútil por variar tanto de pessoa para pessoa, mas todos os especialistas são unânimes em considerá-lo valioso justamente porque permite identificar situações e aligeirar sofrimentos, mas também ajuda as próprias pessoas com Síndrome de Asperger. As famílias diretas sofrem sempre, mas não são as únicas vítimas. Os estragos que o Asperger faz sentem-se particularmente no ambiente de trabalho, entre colegas e empregadores, mas também se notam mais cedo, entre amigos e professores, nas escolas e universidades.

Fazer um diagnóstico também equivale a poder beneficiar de apoios mais ajustados à condição de cada um. Cada caso é um caso, mas a partir do diagnóstico as pessoas compreendem melhor o que se passa e muita coisa se pacifica por perceberem as causas.

Muitas pessoas com Síndrome de Asperger têm dificuldade em lidar com os sentimentos e em interpretar a linguagem verbal. Têm uma compreensão muito literal das palavras e não percebem metáforas. Acham difícil usar e entender expressões faciais, não sabem como reagir às mudanças de tom de voz, não têm capacidade para lidar com piadas, sarcasmo, humor e ironia mais ou menos subtil, estranham as imprecisões dos outros (se combinam encontro às 2h, não podem chegar às 2:02, porque isso os perturba muitíssimo) e desconhecem conceitos abstratos. Também têm sérias dificuldades em perceber as expectativas dos outros e raramente sabem reconhecer ou entender os sentimentos e intenções dos outros.

Nesta lógica, facilmente parecem insensíveis, distantes ou desligados. Pior, não procuram o carinho dos outros nem valorizam o conforto dos que amam. Isolam-se e comportam-se demasiadas vezes de forma estranha ou socialmente desajustada, mas como são muito inteligentes também podem falar de forma obsessiva sobre os seus próprios interesses, cansando os que os ouvem. O mundo pode parecer um lugar ameaçador e confuso para pessoas com Síndrome de Asperger, que preferem ter rotinas e antecipar gestos. Muitos ficam demasiadas horas por dia ‘emboscados’ atrás de computadores e ecrãs porque não suportam a ideia de mudança nem a imprevisibilidade das relações humanas.

Tudo isto vem a propósito do passo que Elon Musk decidiu dar no programa Saturday Night Live, onde a sua mãe esteve presente e serviu de pilar de confiança. Tudo isto é importante porque só divulgando informação e tendo role models é possível ajudar mais pessoas com Síndrome de Asperger. Embora muitos saibam, vale a pena lembrar alguns génios a quem é associada esta Síndrome, para que prevaleçam a compreensão e as ajudas, mas não os preconceitos.

Bill Gates, Steven Spielberg, Woody Allen e Tim Burton são apenas alguns contemporâneos de Greta e Elon, mas há quem arrisque supor que, em séculos passados, Albert Einstein, Isaac Newton, Vincent Van Gogh, Nikola Tesla e o próprio Mozart também tinham Síndrome de Asperger. Nunca saberemos ao certo, mas importa perceber a natureza desta condição para lidar melhor com ela.