1 Não se pode dizer que a estagnação económica portuguesa dos últimos 20 anos seja propriamente uma surpresa. Em agosto de 2010, por exemplo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) antecipava que Portugal iria estar em 2015 na “pior posição” no ranking mundial do PIB per capita desde que tinha entrado para a União Europeia (UE) em 1986. Tendo em conta o PIB per capita expresso em paridades do poder de compra, Portugal já tinha sido ultrapassado dez anos depois pela República Checa, Estónia, Hungria, Letónia, Lituânia, Polónia, Eslováquia, Eslovénia, Malta e Chipre.
Agora, o FMI prevê que o nosso país perca 11 lugares no ranking mundial do PIB per capita até 2026, enfatizando que Portugal teve o terceiro pior crescimento económico da zona euro desde 1999.
Esta perda de competitividade, que se acentuou com a pandemia que fez o PIB per capita expresso em paridades do poder de compra recuar de 78,6% para 76,4% da média europeia (quando chegou a ser de 83,1% em 2009), tem tudo para ser o centro da campanha para as legislativas que, na prática, começou este domingo com os debates televisivos. Será mesmo? Ouviremos propostas para combater essa estagnação? Veremos.
2 Podemos explicar essa perda de competitividade com atrasos estruturais do país — a educação e os baixos níveis de escolaridade médios de empresários e trabalhadores, por exemplo, são um deles. Mas há igualmente uma insistência em políticas económicas que dependem do consumo público e privado para gerar crescimento económico, aumentando o já terrível endividamento público e privado do país. Não se dá prioridade a questões como a produtividade, à captação de investimento, aos custos de contexto e às exportações de valor acrescentado.
Há mesmo duas verdades manipuladas que comprovam bem a influência de certas narrativas criadas pela extrema-esquerda mas também do conservadorismo das políticas públicas do PS e do PSD: reduzir os impostos é acabar com o Estado Social e o salário mínimo deve ser uma espécie de alfa e ómega da política de rendimentos de qualquer governo.
Comecemos pelos impostos. Por muito que o PS e o PSD citem a estatística oficial de que a carga fiscal está ligeiramente abaixo da média europeia (apesar do recorde batido em 2020), a realidade é que, se tivermos em consideração o rácio da carga fiscal da UE face ao poder de compra de cada país, Portugal tem impostos demasiado altos: a OCDE diz que estão claramente acima da média europeia e, em 2019, a a Associação Empresarial de Portugal calculou que estão 17% acima da média europeia. E temos um peso dos impostos no PIB nominal claramente acima de países que concorrem connosco na captação de investimento, como a Irlanda, Lituânia, Letónia e Estónia.
De uma vez por todas, temos de acabar com a ideia de que baixar impostos é colocar “dinheiro no bolso” de alguém, como Catarina Martins afirmou este domingo no debate com André Ventura. Como se reduzir impostos fosse retirar algo que pertence por lei natural ao Estado — o supra sumo da manipulação política ao nível das muitas aldrabices de André Ventura. Lamento mas baixar impostos é aumentar o investimento das empresas e o consumo ou a poupança das famílias — e é deixar a riqueza com quem a produziu, que não foi o Estado.
3 E chegamos a duas outras vacas sagradas intimamente ligadas: o salário mínimo e as isenções do IRS. Se olharmos para os dados estatísticos da liquidação do IRS de 2019, chega-se facilmente à conclusão que cerca de 44% dos agregados familiares não pagaram IRS (que representam um total de cerca de 2,4 milhões de famílias). E a esse número ainda temos de somar as famílias que nem sequer têm de entregar a declaração de IRS.
Acresce que esse número total deve abranger mais 570 mil famílias no final deste ano fiscal de 2022. Ou seja, o Governo de António Costa vai subir o salário mínimo para 705 euros mas aumenta igualmente o chamado mínimo de existência, logo haverá uma subida significativa das famílias que não pagam IRS.
Tudo isto é fantástico em tempos de eleições para captar votos mas deixo apenas as seguintes questões:
- quanto mais reduzimos a base dos contribuintes que pagam IRS, maior é a pressão (já de si verdadeiramente extraordinária) sobre os restantes contribuintes. Os agregados que pertencem aos três escalões de IRS que vão dos 32.500 euros aos 100 mil euros foram responsáveis por mais de 50% do IRS liquidado em 2019. Se quisermos alargar ainda mais as isenções, isso significa que alguém terá de pagar o imposto de quem passa a ficar isento. Qual é o incentivo para quem quer ganhar mais?
- Tendo em conta que a fantástica promessa do Governo poderá fazer com que mais de 50% dos agregados familiares passem a ficar isentos de pagar IRS, qual é o limite para essas isenções? 60% ou 70% dos agregados podem deixar de pagar IRS? Isso fará algum sentido num sistema fiscal que se queira justo?
4 O que nos leva à questão dos salários. Por muito que António Costa se gabe da subida de 40% do salário mínimo nacional desde 2015, certo é que ironicamente a questão salarial é uma das maiores provas do falhanço da atual política económica.
Até um economista ligado à CGTP, como Eugénio Rosa, fala em distorção salarial porque no mesmo período, o salário médio subiu apenas 10%. Ou seja, os trabalhadores mais qualificados tiveram aumentos salariais perfeitamente medíocres — que só não foram piores por causa da baixa inflação.
Por exemplo, um quarto do salário médio na Função Pública está apenas 1,20 euros acima dos 705 euros do novo salário mínimo.
Se olharmos só para o setor privado, percebemos facilmente que o salário médio não sobe administrativamente segundo a vontade política do Governo (seja ele qual for). Depende sim de outros fatores mais chatos, como a produtividade e o crescimento económico. E por muito que o Governo de António Costa fale em convergências com a União Europeia e em recordes do investimento privado, nada disso se refletiu num aumento significativo do salário médio, logo do poder de compra da classe média.
5 A juntar a uma política económica e fiscal que não ajuda Portugal a ser um país mais competitivo, com mais poder de compra e mais justo, temos ainda a irresponsabilidade da extrema-esquerda que sonha com um modelo económico e político sem um único caso de sucesso para apresentar.
Veja-se a proposta que o Bloco de Esquerda fez para o Orçamento de Estado para 2022 — e que repete no seu programa eleitoral — para acabar com o fim do fator de sustentabilidade da Segurança Social.
Quem me lê, sabe que nunca olhei para essa medida criada pelo ministro Vieira da Silva no tempo do Governo Sócrates como uma medida miraculosa. Pelo contrário, é uma medida que, tendo em conta o agravamento das condições demográficas e o fraco crescimento económico, tem de ser complementada por outras, como uma nova idade legal de reforma superior aos atuais 66 anos e sete meses (2022).
Seja como for, o aumento ligeiro e progressivo promovido pelo fator de sustentabilidade tem ajudado a atenuar o grave problema da Segurança Social. Pois bem, o Bloco simplesmente quer acabar com isso. Pior: quer até diminuir a idade da reforma: “por cada ano acima dos 40 anos de descontos, os trabalhadores e as trabalhadoras devem ter um ano de redução na idade legal de reforma”, lê-se no seu programa.
E, claro, criar novos impostos para financiar o buraco que sabe que será cada vez maior nas contas da segurança social, nomeadamente uma nova taxa de 0,75% sobre o “valor acrescentado das grandes empresas”, seja lá o que isso for — e qual a definição do que é “uma grande empresa.”
6 O problema do nosso país é precisamente este: pensar que a persistência em fórmulas económicas gastas e em soluções mágicas (como novos impostos) para problemas complexos nos levarão a algum lado. Obviamente que não levam.
Não só é fundamental que o novo ciclo político que se iniciará a 30 de janeiro traga finalmente um diálogo entre as forças moderadas do espectro político para a construção de um novo modelo económico. Como também é importante que o eleitorado rejeite os vendedores de banha da cobra que existem na extrema-esquerda e na extrema-direita.
Tudo para não termos mais notícias em 2025 ou em 2030 que anteciparão mais quedas abruptas da riqueza de Portugal em 2035 ou em 2045.
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