Nos tempos de Covid, ainda se liga menos à política dos outros países do que em tempos normais. Mas vale a pena seguir a política francesa. As próximas eleições presidenciais podem provocar um abalo na política europeia, o qual chegará inevitavelmente a Portugal.

Tem havido uma lei quase infalível na política francesa: a família Le Pen e a Frente Nacional não são elegíveis. Há uma “frente republicana”, da esquerda à direita, que se une votando no candidato que enfrente o membro da família Le Pen na segunda volta. Foi assim em 2002, quando Jacques Chirac derrotou o Le Pen pai. E passou-se o mesmo em 2017 com Macron a vencer contra a Le Pen filha.

Há, no entanto, sinais vindos das terras Gaulesas que indicam o possível fim da “frente republicana”. Foi recentemente publicada uma sondagem que mostra, numa segunda volta em 2022, Macron com 52% e Le Pen com 48% dos votos. É um resultado que não cobre a margem de erro. Mas houve um dado mais importante nessa sondagem. A maioria do eleitorado dos partidos de esquerda abandonou a velha “frente republicana”: é-lhes indiferente que ganhe Macron ou Le Pen. Para esse eleitorado, são ambos igualmente maus. Ora, não há “frente republicana” sem o eleitorado de esquerda.

Haveria, em teoria, três maneiras de reconstruir a “frente republicana.” Um candidato do centro esquerda chegaria à segunda volta contra Le Pen. Mas mesmo isso, poderá não ser suficiente. Marine Le Pen está a moderar o seu discurso, por exemplo deixou de ser contra o Euro, e muitos eleitores da direita tradicional votariam nela contra um candidato socialista.

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Em segundo lugar, um candidato de centro direita iria à segunda volta contra Le Pen. Neste momento, o mais bem colocado nas sondagens é um antigo ministro de Sarkozy, Xavier Bertrand. Michel Barnier também planeia candidatar-se. Mas conseguiriam dois políticos do centro direita mobilizar o eleitorado das esquerdas para derrotar Marine Le Pen? É uma incógnita. De qualquer modo, estes dois cenários são altamente improváveis porque neste momento todas as sondagens apontam para uma segunda volta entre Macron e Le Pen.

A terceira hipótese seria Macron reconstruir a “frente republicana.” Parece, contudo, muito difícil que quem a destruiu em 4 anos, a possa reconstruir no ano que resta até às eleições presidenciais. Além disso, o Covid complica tudo. Macron tem sido muito criticado pelo modo errático como tem lidado com a pandemia. Tal como nos outros países europeus, o atraso com as vacinas irá retardar a recuperação económica. Em Março e Abril do próximo ano, a França pode estar mergulhada numa crise económica e social profundas.

Macron ainda pode recuperar e Le Pen assusta muita gente na direita tradicional, mas neste momento a situação não parece nada boa. Sem reconstruir a “frente republicana”, Macron não conseguirá derrotar Le Pen numa segunda volta. O actual Presidente terá que reconquistar uma grande fatia do eleitorado de esquerda, mas é entre este que a sua popularidade está mais baixa.

Desde que os mandatos presidenciais passaram de 7 para 5 anos, Sarkozy e Hollande só fizeram um mandato. Aparentemente, a maldição de um mandato marca os Presidentes franceses desde que mudou o tempo das presidências. O legislador francês quis limitar o poder temporal do Presidente, mas – como acontece muitas vezes em França – a população tem sido ainda mais radical, limitando os mandatos presidenciais ao primeiro dos dois.

Na cabeça de muitos, o cenário de uma Presidente Marine Le Pen ainda é uma ideia quase impossível. Mas, pelo menos para mim, a eleição de Trump e a vitória do Brexit no referendo britânico foram vacinas contra a possibilidade de grandes surpresas políticas. Vivemos tempos em que tudo é possível.

Se Le Pen chegar ao Eliseu, a União Europeia não será a mesma. O novo caminho seria uma renacionalização progressiva das políticas europeias e um confronto aberto entre Paris e Berlim. Se Le Pen for eleita, também será contra o poder da Alemanha. Há duas verdades que se têm repetido ao longo da história europeia. Mesmo quando as coisas estão más, podem sempre piorar. E há momentos em que a destruição é inevitável, mesmo quando está à frente dos nossos olhos – e nem assim se evita.

Mas também há uma terceira verdade: por vezes, as coisas correm bem. Ainda podem correr bem em França, mas não é certo. Longe disso.