Em 2016, antes de deixar a Casa Branca, Barack Obama deu uma longa entrevista a Jeffrey Goldberg, editor da revista The Atlantic. Para quem a leu na altura, a entrevista, no seu todo, resulta num quase lamento: o presidente anterior lamenta o tempo que teve que dedicar ao Médio Oriente, a apanhar os restos do plano megalómano de George W. Bush para transformar aquela região num reduto democrático; lidou com as Primaveras Árabes; contrariado, mas empurrado pelo seu Departamento de Estado e pelos ingleses e franceses, teve de liderar na retaguarda uma intervenção da NATO na guerra civil da Líbia. Cansado e contra o seu staff, acabou por deixar Bashar al-Assad pisar a linha vermelha e entregou à Rússia o controle da situação.
Podia ter sido uma política desastrosa – do ponto de vista do próprio Obama –, caso não se tivessem celebrado os acordos de não-proliferação nuclear entre os P5 + 1 e o Irão liderados pelos Estados Unidos. A administração democrata acreditava ter sido esta uma das maiores vitórias diplomáticas de oito anos de mandato.
A mesma opinião nunca foi partilhada por Donald Trump, com uma visão completamente diferente do Médio Oriente e da estratégia para a criação de maior segurança para a região. Desde logo, a atual administração achava inaceitável a crescente influência de Teerão naquela zona do globo e, desde os primeiros dias de presidência, o seu principal objetivo foi isolar a teocracia xiita.
Aos poucos, começou a desenhar-se uma estratégia de profundo desfavorecimento de uns e descarado favorecimento a outros. Os desfavorecidos foram os Estados xiitas. O regime sírio sofreu uma retaliação armada – simbólica é certo, com avisos e sem mortos – quando usou armas químicas contra a população. O Irão viu as sanções económicas aumentarem até ao quase estrangulamento (e a pressão para que outros países seguissem as pisadas dos Estados Unidos), Trump “rasgar” o acordo nuclear por este não impedir a expansão iraniana na região e, num golpe duríssimo, o assassinato seletivo do General Soleimani, ao qual não conseguiu reagir na mesma medida. O Irão de hoje, ainda que ameace voltar a enriquecer urânio, é mais fraco do que era há quatro anos atrás. A hegemonia regional iraniana está menos próxima da realidade.
Por outro lado, houve dois Estados imediatamente favorecidos pela administração Trump: Israel e a Arábia Saudita. Ambos os casos estão envoltos em polémica: Telavive devido a graves acusações que recaem sobre Benjamin Netanyahu, Riad devido ao atropelamento institucionalizado dos direitos humanos. Mas para Donald Trump, como o próprio sempre afirmou, nenhuma destas questões ultrapassa o interesse nacional americano. Israel viu a embaixada norte-americana passar, simbolicamente, para Jerusalém. A Arábia Saudita tornou-se no aliado árabe preferencial dos Estados Unidos, o primeiro Estado a ser visitado por Trump, cuja amizade foi selada com negócios de triliões de dólares.
Todas estas mudanças permitiram uma reaproximação – não sabemos até que ponto forçada – entre potências regionais desavindas. Sabemos que, pela primeira vez na história, há uma quase-parceria informal entre Israel, a Arábia Saudita e o Egito e que a política externa norte-americana para a região quase se confunde com a destes Estados.
Esta terça-feira, na Casa Branca, foi formalizado um acordo de normalização de relações entre os Emirados Árabes Unidos, o Bahrain e Israel. A institucionalização é importante, porque tem a qualidade de fazer com que as intenções perdurem no tempo.
Na conferência de imprensa, Trump garantiu que se seguirão mais cinco Estados árabes a assinarem um pacto de amizade com Israel. Corre na imprensa que um deles é a Arábia Saudita e que estes acordos tomarão forma ainda antes das eleições norte-americanas de 3 de Novembro.
Não está tudo resolvido. Longe disso: o Irão não desistiu dos seus intentos e tem o patrocínio da Rússia e a simpatia da China. O conflito israelo-palestiniano, que perdeu a sua dimensão central nos problemas regionais (como acaba por acontecer com quase todos os conflitos fundacionais) está por resolver. A paz no Médio Oriente é frágil e cheia de atores não-estatais sempre prontos a baralharem as contas. Mas há mudanças significativas que não se devem ignorar por não gostarmos dos protagonistas. Pela primeira vez em muitos anos, os Estados Unidos têm uma política concreta para aquela zona do globo, assente numa visão explícita e realista, tendo, por isso, condições para resultar.
Trump disse aos jornalistas que o Médio Oriente está a entrar numa nova era. É cedo para saber, mas está abrir-se a uma nova forma de organização política na região. E uma coisa é certa: Trump quer que um dos seus legados seja a transformação daquela região. Se se concretizará e se será mais pacífica ou não, o tempo o dirá.