Há meses que se desenrolam guerras comerciais entre Washington e um conjunto de Estados. É certo também que, apesar do mal estar que estas situações têm causado, com a União Europeia e com a China, por exemplo, as tensões chegaram a um novo patamar no que se refere à Turquia. Recep Tayyip Erdoğan perdeu o controle do valor da lira, o que se começa fazer a sentir nos bolsos dos cidadãos. Tem havido ameaças de corte de relações, mas nada parece demover o presidente norte-americano. O problema é que Erdoğan é um líder cada vez mais solitário e, portanto, com menos a perder. E este elemento constitui um risco de segurança acentuado. Não directamente para os Estados Unidos, mas para a Europa.

Antes de argumentar porquê, é importante perceber a que se deve esta solidão de Erdoğan. Em política é muito difícil agradar a gregos e troianos – e à opinião pública interna ao mesmo tempo. Por isso, a Turquia atravessa uma crise de relações externas. Por um lado, o ano atribulado de 2016 resultou num afastamento dos aliados ocidentais que aproveitaram, durante muitas décadas, a vontade turca de ter um pé (ou os dois) na Europa. Mas não souberam lidar com a mudança de posição de Ancara – deixando de ter influência nas políticas do presidente.

Por outro, a nova postura líder otomano, de homem forte e autoritário, colocaria Erdoğan, pelo menos em teoria, mais perto de chefes de Estado com as mesmas caracterísitcas. No entanto, se a “paz democrática” está a ruir a olhos vistos, não tenhamos ilusões: não vai ser substituída por uma paz autocrática. O que caracteriza esta (nova) vaga de líderes fortes é precisamente a procura da estabilidade internacional e dos alargamentos da sua clientela geográfica. Mas estas duas características são perfeitamente compatíveis com uma terceira: nas relações entre potências há competição permanente. E Erdoğan é o primeiro e ser pouco dado à diplomacia e a usar retórica forte contra qualquer Estado que, no seu entender, se atravesse à frente de interesses turcos. Esta tem, aliás, sido uma das fontes de legitimidade interna. Mas assim, torna-se mais difícil angariar apoios internacionais.

Agora, quer se queira quer não, está aberto um problema de segurança. Por três motivos essenciais. A Turquia é um aliado fundamental da NATO. Se a Aliança Atlântica já se transformou o suficiente – de uma comunidade de segurança numa aliança militar de defesa cuja manutenção depende do pagamento das quotas – a última coisa que precisávamos era de uma querela entre os Estados Unidos e a Turquia, dois dos mais sólidos membros da instituição no que respeita ao poder militar.

Em segundo lugar, a Turquia é um Estado tampão que retém três milhões de refugiados – a maioria oriundos da Síria. Um gesto mais irrefletido de Erdoğan pode levar a uma crise sem precedentes na Europa. O principal alvo das críticas do presidente turco são os Estados Unidos. Mas tem havido lugar para apontar o dedo ao euro – como a outra moeda forte que impede a Turquia de se desenvolver – à banca e às empresas europeias, que começam a colocar dúvidas sobre os seus investimentos no país e a “alguns países europeus” por diferentes razões políticas.

Finalmente, há poucas coisas tão perigosas que um líder forte que usa esse característica – entre outros factores – para assegurar a legitimidade junto da opinião pública. E que deixou de ter controle sobre a moeda por não ceder aos Estados Unidos. Um desafio desta ordem ao líder turco pode ter consequências inesperadas. Mas neste caso não será o Estado com que se desentendeu que sofrerá as consequências; são os Estados aos quais coube em sorte estarem na área de sua vizinhança.

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