Nunca a oligarquia portuguesa esteve tão satisfeita com um governo como com este governo de António Costa e a sua maioria parlamentar, integrada pelo BE e pelo PCP. Não é difícil perceber porquê.
Imaginem que um governo baixava o défice com medidas extraordinárias.
Imaginem que um governo aumentava as cativações e cortava o investimento do Estado, de modo a manter os maiores salários da função pública e as pensões mais elevadas.
Imaginem que um governo tentava primeiro privatizar a administração da CGD, e depois arranjava investidores estrangeiros caríssimos, ao mesmo tempo que anunciava ir encerrar balcões e despedir trabalhadores.
Imaginem que um governo, para arranjar receita fiscal, dava um perdão às maiores empresas portuguesas, que assim poupavam milhões de euros.
Imaginem que um governo se propunha aumentar o poder dos serviços de informações para recolher dados de comunicações privadas, numa iniciativa outrora chumbada pelo Tribunal Constitucional.
Imaginem que um governo vendia um banco a custo zero e com garantia à Lone Star, entidade há muito classificada pelo BE como “fundo abutre”, consagrando o controle estrangeiro dos quatro maiores bancos privados em Portugal.
E agora, imaginem que esse governo era um governo chefiado por Pedro Passos Coelho.
Estão a ver?
Era a austeridade. Era o neo-liberalismo. Era a crise social. Era o fim de Abril. Era o fascismo. E, claro, eram greves, eram manifestações, eram aulas magnas, eram apelos ao tribunal constitucional, era Vasco Lourenço, era Manuel Alegre, era a revolução.
Mas como esse governo é de António Costa, derrotado nas eleições de Outubro de 2015, mas amparado pelo PCP e pelo BE, eis o país, segundo o presidente da república, embalado pela mais perfeita paz social.
O sucesso de António Costa não tem mistério. Por volta de 2001-2002, a economia deixou de reagir às auto-estradas e ao emprego público, e passou a ser preciso conter despesas e até fazer “reformas”. Ora, a oligarquia portuguesa sempre achou que nada disso era possível sem o Partido Socialista no governo, como durante os programas do FMI de 1978 e de 1983. O raciocínio é simples: na oposição, durante um ajustamento, a direita nunca teria alternativa, por coerência europeísta, senão apoiar; mas o PS, sempre puxado pela sua “ala esquerda”, recusaria quaisquer compromisso e poderia até juntar-se ao PCP e à extrema-esquerda na contestação, causando a “convulsão social” que tanto medo mete à oligarquia. Daí, aliás, o entusiasmo de 2005 com Sócrates. Daí também, entre 2011 e 2015, a obsessão nacional com o “consenso”, isto é, com o regresso do PS ao poder.
Em 2016, os oligarcas tiveram a mais agradável surpresa das suas vidas: não só o PS no governo, mas exercícios orçamentais combinados com a comissão europeia e militarmente votados pelo PCP e pelo BE.
Dirão alguns: mas o país não precisa só de alcançar défices pequenos, como outros governos já alcançaram no passado, ao contrário da mitologia posta a correr. É verdade: um défice baixo pode ser um arranjo momentâneo, obra de engenho ou de sorte. Um bom défice baixo é outra coisa: reflecte um Estado viável e uma economia com elevado potencial de crescimento. O Estado e a economia em Portugal não são assim, e uma maioria que inclua o PCP e o BE nunca deixará que sejam.
Mas que importa? A oligarquia percebeu que, no actual contexto europeu, improvisações orçamentais efémeras bastam para ir buscar dinheiro ao BCE, e que enquanto isso for possível estará poupada à maçada de ter de pensar em mudar o Estado, ou libertar a economia. De facto, as coisas vão correndo da melhor maneira possível. Poderá tudo perder-se um dia, como receia Passos Coelho? Talvez, mas isso depende da Europa — e então logo se verá.