Ao ver o arco-íris com que o banco Santander coloriu o seu logo neste ano de 2021, num sinal de apoio a Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgénero, só me acudiam à memória os ursos polares empoleirados nuns pequenos icebergues que nos idos de 2008 ilustravam os cartazes com que então outros bancos nos procuravam alertar para o aquecimento global. Por outras palavras, ao abeirar-se a crise das hipotecas, os bancos (ou alguns deles) pretendiam sensibilizar-nos para o problema da acomodação dos ursos nos icebergues. Poético, não era? Em 2021, à espera da borrasca das moratórias, com despedimentos no sector bancário a serem anunciados, os ursos polares deram lugar ao arco-íris nos activismos da banca.
Obviamente não interessa aquilo que o banco A ou B pensam do casamento gay ou da mudança de sexo sem avaliação médica. Interessa sim que os bancos cumpram escrupulosamente o seu trabalho. Trabalho esse que passa, entre outras coisas, por zelarem responsavelmente pelo dinheiro que lhes é confiado pelos depositantes independentemente da sua vida sexual, credo ou cor. Ou mais prosaicamente de não lhes cobrarem taxas indevidas, de não lhes impingirem seguros, de não apresentarem como investimento seguro o que não o é. Mas para os bancos falar de dinheiro em público é o que menos lhes interessa. Sexualidade ou clima isso sim são assuntos a destacar tanto mais que, aconteça o que acontecer, nunca serão responsabilizados por nada nessas matérias.
Tornámo-nos uma sociedade de responsabilidade empurrada para longe: os casamentos passaram a relações. Os professores deixaram de ensinar. Desenvolvem políticas com vista à promoção da igualdade, inclusão, interculturalidade… (Quanto menos aprenderem os alunos mais aumentam as desigualdades mas esse é um detalhe da realidade cada vez menos referido). O presidente da Assembleia da República e o presidente da República refugiam-se no futebol (no caso não é uma metáfora: se pudessem andavam permanentemente de estádio em estádio).
A adesão à causa do momento tornou-se um sinal exterior de identificação com a corrente dominante, Há actividades como a moda, o humor, a televisão… em que essa identificação está implícita. Neste universo de intenções só mesmo as intenções que contam: o ministro da Administração Interna declarava Portugal um país campeão nos direitos dos refugiados enquanto um serviço sob a sua alçada espancava até à morte um imigrante. Foram precisos meses para que se rompesse a barreira do palavreado ministerial. O mesmo acontece com Fernando Medina, presidente da CML, que espalhava cartazes melosos por Lisboa sobre o acolhimento aos refugiados e enchia páginas e páginas da propaganda da CML com esse mesmo assunto, ao mesmo tempo que o seu gabinete enviava dados sobre refugiados às embaixadas dos respectivos países.
Para mais muitas destas causas são-nos apresentadas como novos direitos humanos. Ora quem de bom senso se sente capaz de andar por aí com o rótulo colado na testa de ser contra os direitos humanos ? Na verdade não é confortável mas tem de ser assumido pois a aprovação destes alegados novos direitos não só não traz mais liberdade como a limita e, não menos importante, criminaliza a discordância. O recente caso da aprovação de um relatório no parlamento europeu que faz do aborto um direito humano (coisa muito diferente de não o criminalizar) destina-se sobretudo a limitar a liberdade de médicos e enfermeiros. Ou seja acabar com a objeção de consciência. É isso que queremos? Num outro âmbito a mesma táctica aconteceu com a famigerada Carta dos Direitos Digitais que invocando o propósito de combater a desinformação institui uma verdade oficial controlada por funcionários que distribuem prémios e castigos.
A pretexto dos direitos e da defesa da igualdade entre as diversas comunidades/tribos em que nos foram atomizando, institucionalizam-se formas de racismo que se julgavam abolidas — em França, a candidata socialista, a antiga jornalista Audrey Pulvar, defende que em certas reuniões se pode pedir aos brancos que se mantenham calados, uma opção apesar de tudo tolerante quando comparada com a da representante estudantil Mélanie Luce, uma natural de Guadalupe, que defende reuniões segregadas racialmente.
Mal um assunto é apresentado nesta lógica de “mais um direito humano” torna-se quase uma fatalidade inscrita do destino: alegando defender a inclusão o Comité Olímpico Internacional aprovou sem critério a participação da transexuais nas provas desportivas. O resultado desta celebrada inclusão é nada mais nada menos que a exclusão das mulheres de desportos como a halterofilia, onde os primeiros lugares nos próximos Jogos Olímpicos irão provavelmente para homens que se apresentam como mulheres transgénero.
Esta unidimensionalidade, característica dos fenómenos de moda, leva a que abordem assuntos tão sérios quanto a mudança de sexo na adolescência com a leveza de quem passa de calças modelo skinny para palazzo: quanto tempo será necessário para que se investiguem as consequências da banalização desse processo nos adolescentes? Na Suécia estima-se que os casos de adolescentes que pretendem mudar de sexo tenham aumentado 1.500% e neste momento discute-se se não será tempo de parar, dado o desfecho dramático de alguns deles. Mas é quase inútil esperar que daí venha alguma reflexão. De momento a moda manda gritar todos os dias contra a lei húngara sobre sexualidade que obviamente tem muito que se critique mas não tem mais que a chamada “ley trans” aprovada recentemente em Espanha. Isto para não irmos a outro tipo de legislação como é o caso da que enquadra a eutanásia na Bélgica que a par duma prática perturbante, quiçá criminosa, entre os velhos permite a eutanásia de crianças.
Questiona-se o próprio saber: alegando a necessidade de combater o racismo sistémico, a universidade de Princeton aboliu a obrigatoriedade de Latim e do Grego nos estudos clássicos (isto equivale a num curso de Português dispensar-se o Português). Numa universidade escocesa uma aluna incorre em sanções por ter declarado que as mulheres tinham vaginas. Na Califórnia concluiu-se agora que a preocupação com a resposta certa na Matemática é uma forma de racismo… Ou seja a onda de intolerância e perseguição depois de ter transformados as ditas Ciências Sociais numa sessões de agitação e propaganda varre agora as ciências propriamente ditas.
Dada a simpatia compreensiva de que o regime chinês goza nestes meios libertadores será de aproveitar para indagar o que foi a Revolução Cultural chinesa. Aconteceu há 55 anos. Para atalhar caminho, nesta floresta de enganos sempre que nos falarem de direitos temos de perguntar pelas letras pequenas deste contrato cada vez mais enganoso.
PS. A crónica vai longa mas gostava de recordar duas estranhas notícias desta época balnear ainda mal começada:
“12 de Junho de 2021. Rixa entre grupos rivais faz um ferido na praia da Conceição em Cascais PSP identificou um indivíduo suspeito de pertencer a um dos grupos.“