Ao fazer scroll-down no Linkedin deparo-me com a mensagem: “I have decided to be happy because it is good for my health”. Como se fosse assim tão simples. Esta frase está aposta numa página de uma empresa chamada European Leadership. Fiquei perplexo até porque no canto superior esquerdo da página temos uma bandeirinha que faz lembrar a da União Europeia. Com as devidas diferenças, mas para um pitosga como eu, quase passa. Não fora a minha atenção a estas mensagens perniciosas e passaria mesmo.

Lá fui visitar a página e ver do que se tratava. Aparece uma loiraça dinamarquesa, numa foto muito bem, noutra menos bem: a rir para uma cegonha morta e pendurada ao lado. Dá que pensar quando se empalha uma cegonha e se ri ao lado do bicho empalhado e se coloca um título a dizer “Meet your team”. Um team de passarões mortos? Weird. A isso presumo eu que a Tine Gaihede (a loiraça) chame, também, felicidade por opção. Ora bem.

Que alguém procure a felicidade tudo bem e a mim nada me incomoda, antes pelo contrário. Que alguém anuncie os seus serviços muito menos. Mas que faça disso uma obsessão como se não houvesse outra coisa na vida, fará certamente mal mas cada qual terá, na prática, a justa medida do fracasso a que este vício irá conduzir. Noutra frase lançada pela Tine lê-se: “The only difference between a good day and a bad day is your attitude”. Ok, mais uma frase perigosa, como se não houvesse um dia negativo. Sem qualquer interferência de atitude. Enfim, há por lá muitas mais mas no geral menos perigosas. De qualquer das formas, frases soltas, sem contexto, concorrem sempre para leituras indesejáveis.

Ou seja, alguém que faça deste tipo de frases modo de vida, e as venda a outros, incomoda-me sobretudo porque pode ser grande a asneira. A frase “I have decided to be happy because it is good for my health” aparece num prato como se alguém depois fosse pendurar o prato num doce lar, na parede, lar esse onde se entra e se é logo feliz. Por decisão. E porque faz bem à saúde.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Passando agora à parte mais séria. Estou com Seligman na busca das virtudes e no seu exercício, isto é, aquelas que enformam as bases da Psicologia Positiva: coragem, humanidade, justiça, temperança e transcendência. É este trabalho que tem de ser feito dia após dia e não tomar a decisão de ser feliz, sem mais, que não leva a nada. É inconsequente. É espúria.

Mas estou também com Nietzsche quando refere a felicidade como uma quase capacidade para superar obstáculos. Ou uma capacidade. E ir atrás desses obstáculos, vencendo-os.

Porém, não posso estar com este tipo de frases desavisadas e que vêm frustrando pessoas atrás de pessoas e me trazem alunos atrás de alunos com esta linguagem do vou ser feliz. Mas vais ser feliz como, onde, por que raio? Vais abandonar tudo e achas que isso te torna feliz? Vais partir para uma viagem sem volta e achas que isso te torna feliz? Vais abandonar o teu trabalho porque achas que isso te torna feliz? Julgas que vais encontrar o líder perfeito na equipa perfeita e é nela que te irás sentir feliz? Acorda para a vida, amigo. Estas coisas têm mesmo de ser combatidas. Mesmo. Não se pode dar tréguas a esta linguagem sem contexto, a estas frases sem sentido, a estes statements inconsequentes. Frases.

Mais um facto para a verdade das coisas, pelo lado sério, mesmo sem tentar definir felicidade que é talvez o mais complexo. 50% da felicidade depende de questões genéticas. 40% de escolhas pessoais. E 10% do ambiente. Aquela velha experiência de colocar gémeos separados à nascença em ambientes diversos, uns muito positivos e outros nem por isso, leva a que passados vários anos eles tenham comportamentos muito similares. Porquê? A genética fala. A genética condiciona.

Portanto, não é por afirmar (mais ainda num prato) que decido ser feliz que vou ser. Ou que é por me fazer bem à saúde que decido ser feliz. Outra coisa é procurar aprender a cultivar as virtudes que me permitam uma vida menos tumultuosa e mais próxima da serenidade e/ou de uma tranquilidade que se possa aproximar da felicidade. Em alguns casos resulta, com muito trabalho. Noutros não.

Mais, como dizia recentemente, a não admissão de sentimentos negativos, o não convívio com a ansiedade e a depressão, com a tristeza, mesmo com o nervosismo das circunstâncias presentes, a capacidade que devo ganhar para fazer face aos obstáculos que se vão colocando e lutar por vencê-los, a resiliência que devo procurar estimular, ajudando com exercício físico, alimentação, sono, baixo nível de estimuladores, entre outros, são aspetos fundamentais. Mas não garantem por si mesmos a felicidade.

Frases do tipo das que agora apresento, que pretendem bloquear emoções negativas apenas nos irão fazer pagar um preço mais elevado no futuro. Temos de viver emoções negativas para aprender a superá-las.

O que as redes sociais trazem para este debate com frases sem contexto é lixo. Lixo tóxico. O primeiro passo sério é estudar. Para saber que as frases sem contexto são lixo fácil e criam perigos.

Mais, estudar e, já agora, praticar relações que não de telemóvel com terceiros. Precisamos de nos relacionar olhos nos olhos, com outras pessoas, para procurarmos as virtudes que nos possam conduzir mais acima em termos de felicidade. Precisamos de nos relacionar com proximidade física e sem écrans.

De resto, quero mais é que a Tine Gaihede seja feliz. Ela e os seus clientes todos. Mas, já agora, sem recurso a estas frases inúteis. Perguntem-lhe lá se é feliz porque decidiu? E só valem respostas sérias.