Não me recordo de ouvir falar tanto de tanques como nestes dias a respeito da hesitação alemã sobre mandar ou não tanques Leopard para ajudar a Ucrânia a defender-se. O Papa Francisco lamentava-se também nestes dias com a obsessão global com as armas. É o papel que lhe cabe, como uma voz profética pela paz de Cristo. Há certamente bens mais apetecíveis do que armas. Não há nada mais desejável do que a paz. No entanto, se alguma vez existiu uma época propícia ao desarmamento unilateral, não estamos a viver nela. Os Estados que queiram garantir uma paz segura às suas populações, condição da liberdade e da prosperidade, precisam de se armar e coligar, para dissuadir ameaças ou defenderem-se delas. As armas, e o esforço para as desenvolver e aperfeiçoar, também são um exemplo do papel paradoxal, mas bem real, da guerra no progresso humano. O que não significar que as armas, por si só, sejam a resposta para os problemas globais, ou uma garantia de vitória numa guerra.
Melhores armas, mas não só
Como animal, nós, homo sapiens, não somos propriamente o predador mais impressionante. O sucesso da nossa espécie resulta de termos desenvolvido a capacidade de atacar à distância de forma organizada e letal. A história da guerra tem sido a do progresso tecnológico constante com o objetivo de aumentar a distância e a eficácia do ataque e a segurança do atacante. Tem sido assim da lança e do arco e flecha até aos tanques, mísseis e drones.
As armas, porém, de pouco servem sem uma organização capaz de as utilizar com eficácia. O progresso associado à guerra não se limita às tecnologias de duplo uso, pensadas para o combate, mas que se revelaram úteis no dia-à-dia: de aviões a jato até ao micro-ondas e à internet. O desenvolvimento do próprio Estado e de métodos mais avançados de gestão é inseparável do esforço para se organizar com eficácia para a guerra.
Os tanques – ou carros de combate, no vocabulário militar português – são um bom exemplo disso. Foram desenvolvidos inicialmente pelos austríacos como parte da revolução automóvel, nos alvores do século XX. No entanto, foi a Grã-Bretanha que soube organizar-se para os produzir em quantidade – com o nome-de-código tank – e os usou como parte de um novo conceito operacional para quebrar o impasse da guerra de trincheiras na fase final da guerra.
Na Segunda Guerra Mundial os tanques surgem associados à Blitzkrieg, a guerra relâmpago nazi, cujo peso na memória histórica da Alemanha justifica, em parte, as reservas de Berlim em ceder os Leopard. No entanto, os tanques franceses, em 1940, eram superiores aos alemães, mas foram organizados e usados de forma menos eficaz, como meros auxiliares de unidades de infantaria. Ironicamente, quer o coronel de Gaulle, quer o capitão Liddell Hart e o general Fuller tinham defendido a criação de divisões blindados, verdadeiras unidades combinadas de tanques, com infantaria e artilharia motorizadas. Foram ignorados, e foram os alemães que seguiram esses conselhos, criando divisões blindadas usadas com sucesso contra a Polónia, contra a França, contra a União Soviética. Sendo que neste último caso os alemães foram de vitória em vitória até à derrota final.
A derrota da Alemanha na Segunda Guerra Mundial ilustra outro ponto fundamental. O génio tático e operacional não pode resolver deficiências estruturais de logística ou erros fundamentais de estratégia. A Alemanha nazi não tinha, por exemplo, veículos adaptados ao inverno russo, e tinha uma diplomacia desastrada e desastrosa. No final, a soberba assassina de Hitler enfrentou uma tal coligação global, uma tal assimetria de meios e recursos, que a derrota da dita raça superior foi só uma questão de tempo.
Os tanques Leopard vão trazer a paz na Ucrânia?
Isso está, infelizmente, longe de poder ser garantido. Até porque estamos, para já, a falar de algumas dezenas de tanques, que poderão demorar meses a chegar ao campo da batalha. Mas a Ucrânia precisa de reduzir as suas baixas ao mesmo tempo que precisa de aumentar a sua capacidade ofensiva. Tanques mais avançados, se devidamente utilizados por forças bem treinadas e motivadas, irão reforçar o poder de fogo, a mobilidade, a resiliência das forças ucranianas. Isso aumenta a sua possibilidade de levar a cabo com menos baixas e mais sucesso manobras combinadas ofensivas. Vitória garantida é coisa que não existe na guerra, mas esta é uma capacidade indispensável na próxima fase da guerra.
Haverá quem acredite na paz a qualquer preço. Mas quem o defende não teria armas para derrotar Hitler ou dissuadir Estaline. Nada do que se tem passado me convence que Putin percebe ou respeita outra linguagem que não a da força. Os perigos desta guerra são inegáveis. Por isso, para evitar uma escalada, a Aliança Atlântica tem sido cuidadosa em respeitar uma vital linha vermelha: não deseja envolver-se diretamente com tropas. Mas os perigos de uma paz a qualquer preço não são menores. Normalizar ou recompensar o regresso das guerras de conquista e anexação pelas grandes potências seria a receita para um Mundo mais perigoso, em particular para países como Portugal.
Não há boas saídas deste conflito por culpa de Putin e do seu aventureirismo imperialista. Não vejo a possibilidade de uma paz minimamente segura para a Ucrânia e a Europa, mesmo de um cessar-fogo, que não seja uma paz fortemente armada. Espero que Portugal contribua na medida das suas possibilidades para este esforço. Alguns tanques Leopard portugueses na Ucrânia darão um real contributo para a defesa dos nossos valores e dos nossos interesses e para criar as condições do regresso duma paz justa à Europa.