Bom, dá ideia que as propostas de lei do chamado pacote “Mais Habitação”, anunciado pelo governo de António Costa com o objetivo de “garantir habitação para todos” são mesmo para avançar. E eu até acredito no sucesso destas medidas. Quer dizer, como é óbvio, nem eu, nem ninguém, acredita que isto garanta habitação para todos. Nem para todos, nem para quem quer que seja. Agora, creio estarmos na presença de uma solução que, não garantido habitação para ninguém, garante imensos novos e motivados administradores de condomínio.
Sim, porque, com estas alterações à lei, os condomínios passarão a poder cancelar unidades de Alojamento Local a funcionar em fracções dos prédios. E uma coisa é uma pessoa ser administrador de condomínio num prédio onde o que se passa de mais excitante é o aparecimento de bolor no alçado tardoz (e chegou o dia de empregar “alçado tardoz” numa crónica! “Alçado tardoz”: check), logo que caem as primeiras chuvadas de inverno. Outra coisa, bem distinta, é ser administrador de condomínio com poderes para encerrar o negócio do gajo do 3º esquerdo, que já anda mesmo a irritar, o sacana, mais aquela história de alugar o apartamento. Qualquer dia está a viver melhor que eu, o irritante arrendante.
E bem sabemos que se há coisa difícil nos dias que correm, por exemplo em Lisboa, é o viver melhor. Mas nada temam, meus fiéis leitor (está aí, fiel leitor? Ah, hoje tinha uma daquelas borbulhas muito chatas, mesmo na dobra do narina, para espremer. Claro, a saúde sempre em primeiro lugar). Eis que, quando parecia impossível o panorama político nacional avenezuelar ainda mais, a ex-ministra da Saúde, Marta Temido, é falada como próxima candidata do PS à Câmara Municipal de Lisboa. Bom, verdade seja dita. Marta Temido tem imensa experiência a gerir casas e respetivos proprietários. Durante a pandemia de COVID era vê-la preconizar ficarmos trancados dentro de casa até 2053. De futuro, e tornando-se presidente da Câmara da capital, vai ser vê-la brandir o “Mais Habitação”, enquanto preconiza ficarmos trancados fora de casa até 2097 para libertar habitações para o mercado de aluguer.
O que já é certo e sabido é que um dos efeitos secundários de sair do governo é ter fortes epifanias. E isso ficou provado, há dias, quando a mesma Marta Temido assegurou que “os operadores do sector privado (…) foram absolutamente essenciais na resposta à pandemia. E às vezes até mais solidários com o Serviço Nacional de Saúde do que as próprias entidades do SNS.” Bota epifania nisto. Espero que a ex-ministra da Saúde não tenha vindo embora do ministério sem antes trazer, de surra, medicação para este tipo de epifania. Que depois de anos à frente de um ministério da Saúde que levou tudo o que era parceria público-privada à frente, isto é mudança para deixar qualquer um com síndrome vertiginoso.
Há quem sugira que, com esta referência elogiosa aos hospitais privados, Marta Temido estará a preparar-se para abraçar uma carreira no sector privado da saúde. Tipo merecidíssima pré-reforma dourada, depois de tantos e tão bons serviços prestados aos portugueses. E eu não acho mal, atenção. Não acho mal que os políticos procurem, no mercado, as melhores empresas para representarem, numa fase já mais adiantada das suas carreiras. Só tenho pena que o paralelismo que se vislumbra aqui entre as carreiras política e futebolística não acabe com os ex-políticos a irem brilhar para a Arábia Saudita.
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