O grande vencedor das presidenciais foi, naturalmente, Marcelo Rebelo de Sousa. A estratégia que seguiu tinha riscos significativos de desmobilização (em boa parte confirmados pela abstenção superior a 50%) mas Marcelo soube gerir os seus trunfos conseguindo, ainda assim, ser eleito logo à primeira volta.

Será relativamente consensual afirmar que a campanha de Marcelo não esteve à altura do brilhantismo com que, por exemplo, anulou todas as possíveis candidaturas alternativas que se poderiam perspectivar à direita do PS. Como será relevante realçar que os 2,4 milhões de votos obtidos por Marcelo – não obstante a sua aposta estratégica em alargar ao máximo a base eleitoral – ficam apenas cerca de 300.000 votos acima da votação do PSD e do CDS nas legislativas de 2015 (e, o que é porventura mais sintomático, claramente abaixo dos cerca de 2,8 milhões votos conquistados por PSD e CDS nas legislativas de 2011).

Mas a verdade é que nas circunstâncias políticas específicas de Janeiro de 2016 – e eram obviamente essas as que interessavam para esta eleição – Marcelo fez o necessário para ser Presidente. Mais: conseguiu uma vitória com forte cunho pessoal e que lhe proporciona uma ampla margem de independência no exercício do seu mandato. Ao mesmo tempo, importa reconhecer que o principal aliado objectivo da candidatura de Marcelo Rebelo de Sousa foi Sampaio da Nóvoa.

Face à ausência de alternativas à direita, a principal ameaça a Marcelo poderia vir de uma candidatura apoiada pelos sectores mais moderados do PS. A implosão da candidatura de Maria de Belém – em parte por erros próprios e em parte pelos implacáveis ataques com origem no interior do próprio PS – removeu essa ameaça. A extrema eficácia na destruição da candidatura de Belém não teve no entanto correspondência em capacidade de capitalização do respectivo apoio eleitoral. Assim, os dois candidatos no espaço do PS acabaram por ficar com apenas cerca de 27% dos votos com Marcelo a sair como o principal beneficiado.

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Mesmo admitindo como improvável que tal tenha resultado de um elaborado plano com essa finalidade, a verdade é que o apoio oficioso da liderança do PS a Sampaio da Nóvoa acabou por funcionar objectivamente como uma desistência das presidenciais. Face ao resultado final das eleições, é difícil não concluir que caso o PS tivesse apresentado e apoiado inequivocamente um candidato um pouco mais credível do que Nóvoa poderia ter com alguma facilidade forçado uma segunda volta, onde o desfecho seria mais aberto e difícil de prever.

António Costa não terá, presumivelmente, sido maquiavélico a ponto de empurrar Sampaio da Nóvoa para uma candidatura e depois fazer uma recomendação dupla de voto com o intuito de enfraquecer os seus opositores internos e facilitar uma vitória de Marcelo. Ainda assim, no peculiar discurso que fez (depois de Marcelo) na noite eleitoral, a verdade é que Costa não se manifestou minimamente incomodado com o resultado tendo-se até congratulado com a derrota de “candidaturas populistas e antissistema”, categoria na qual a candidatura do próprio Nóvoa – apesar de não nomeada – encaixa perfeitamente.

Independentemente dessas considerações, o extremismo de Nóvoa e de boa parte dos seus mais destacados apoiantes terão sido um factor de mobilização decisivo para muitos eleitores moderados que optaram por votar em Marcelo Rebelo de Sousa logo à primeira volta. A mensagem radical do proclamado “Tempo Novo” foi sem dúvida muito atractiva em micro-culturas radicalizadas como alguns meios artísticos, jornalísticos ou académicos. Não por acaso, o próprio Nóvoa é um produto típico desses meios. Mas o que mobiliza a costela nostálgica de ex-revolucionários frustrados que hoje vivem encostados ao Estado encontra-se, felizmente para o país, ainda a uma considerável distância das preocupações do eleitor mediano.

Alberto Gonçalves, no seu inimitável estilo, resumiu bem o efeito do radicalismo de Nóvoa e dos seus mais fanáticos apoiantes sobre uma boa parte do eleitorado:

“Sampaio da Nóvoa, ex-reitor, ex-membro da LUAR, talvez licenciado em teatro, foi nestas eleições o equivalente moderno (“moderno”, no caso, é claramente força de expressão) do homem do saco ou do papão. (…) Por cada sujeito sensato desconfiado de Marcelo, surgiam cinquenta maluquinhos entusiasmados com o prof. da Nóvoa. A cada esforço de Marcelo para se afastar dos seus potenciais apoiantes, os maluquinhos do prof. da Nóvoa empurravam-no de volta às origens.”

Infelizmente para Nóvoa e para o PS, por cada activista progressista numa companhia teatral ou num obscuro departamento de humanidades ou ciências sociais a quem a mensagem radical-progressista do “Tempo Novo” entusiasmou a ponto de cegar e fanatizar, terá havido muitas pessoas comuns assustadas com o que ouviam que por isso decidiram votar no “Professor Marcelo”. Assim, mesmo com a tentativa de equiparar Nóvoa a uma espécie de messias (socialista, laico e republicano) do “Tempo Novo”, não houve desta vez equivalências que valessem ao candidato perante o juízo dos eleitores.

Menos de metade dos votos de Marcelo e pouco mais do dobro dos votos da candidatura oficial do Bloco de Esquerda é muito pouco para uma candidatura que contou com o apoio total (ainda que oficioso) da máquina do PS. Perante os resultados, é tentador culpar apenas a receita do “Tempo Novo” e a falta de perfil de Nóvoa pelo cozinhado estragado, limpar as mãos ao avental e seguir em frente. Mas será um erro fazê-lo: o alcance da eleição à primeira volta de Marcelo não pode ser plenamente compreendido sem reflectir sobre como foi possível, em 2016, que um candidato presidencial apoiado por movimentos de extrema-esquerda como o PCTP-MRPP, o Livre ou o POUS tenha sido também o candidato apoiado pela facção dominante do PS.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa