Quem estivesse atento teria reparado que nos últimos anos havia gente a querer pôr o serviço militar obrigatório (SMO) na agenda política. O movimento era muito tímido, até porque tenho ideia de que, dos partidos do arco parlamentar, apenas o PCP sempre defendeu a obrigatoriedade do serviço militar. Até que há uns dias, com as declarações do Ministro da Defesa, este assunto voltou, definitivamente, à ordem do dia. Explica o ministro que, devido à falta de efectivos nas Forças Armadas, obrigar os jovens a ir para a tropa é uma possível solução. Diga-se, em abono da verdade, que o ministro não está sozinho. Em vários países europeus este assunto voltou a fazer parte da actualidade.

O debate sobre o assunto é antigo. Apesar de apenas em 2004 se ter acabado com o SMO em Portugal, a verdade é que nos anos 60 do século passado houve um intenso debate nos EUA sobre o assunto. Do lado dos que defendiam um exército profissional estavam dois economistas famosos, Alan Grenspan e, principalmente, Milton Friedman. Pelo SMO estavam os generais da época.

Os economistas ganharam o debate. Afinal, não é muito difícil argumentar que um exército composto por profissionais é bem mais eficiente (profissional) do que um exército de gente recrutada à força. Os generais contrapunham que um exército de mercenários não sentiria o necessário amor à pátria e Friedman retorquia que um exército de escravos também não garantia nenhum patriotismo especial. Lembrava também que mercenários somos todos: juízes, médicos, professores, etc. Como resultado deste debate, e do facto de milhares de jovens terem sido obrigados a combater numa guerra que não queriam, em 1971, acabou o SMO nos Estados Unidos.

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Do que vou lendo vindo dos defensores do SMO, há três argumentos principais a seu favor. (1) O ser mais barato do que manter um exército profissional, (2) o de, de alguma forma, contribuir para dar aos jovens disciplina cívica, incutir valores de patriotismo, ensinar o respeito pelas hierarquias, etc. e (3) o de abrir horizontes e contribuir para a formação dos jovens.

Comecemos pelo último argumento, que é também o mais interessante. Em 2012, Ana Rute Cardoso e David Card, num estudo publicado no American Economic Journal, mas a que pode aceder gratuitamente aqui, estudaram o efeito do SMO em tempos de paz nos homens portugueses. Olhando apenas para os homens nascidos em 1967 e que foram para a tropa aos 21 anos, estimaram o impacto da tropa na futura carreira profissional desses homens. A conclusão foi a de que não teve qualquer efeito positivo para a generalidade deles. Com uma excepção: aqueles que tinham apenas a escola primária, de facto, beneficiaram profissionalmente com a tropa, ficando a ganhar mais do que ganhariam se não a tivessem feito. Ou seja, deste ponto de vista, o serviço militar é útil para quem tem níveis de educação baixíssimos. Em 2018, com a escolaridade mínima obrigatória de 12 anos, este argumento perdeu a sua validade.

O segundo argumento é difícil de discutir, dado que não consiste em nada de concreto. De alguma forma, 12 anos de escolaridade obrigatória não chegam para educar os jovens e há que ensinar-lhes o respeitinho da instituição militar. Como não é nada de concreto, não sei muito bem como avaliá-lo. Mas tem uma implicação interessante. Se de facto o serviço militar obrigatório incute esses valores todos, isso quer dizer que quem não foi à tropa tem, de alguma forma, escassez de valores morais e cívicos. Como o SMO não abrangia as mulheres (o que deverá mudar, em nome da igualdade de género, caso se regresse à conscrição), a implicação é que as mulheres de alguma forma têm estes valores menos apurados do que os homens. É difícil de acreditar que assim seja, tal como é difícil de acreditar que quem não foi à tropa tenha, de alguma forma, menos valores cívicos do que quem foi. De qualquer forma, quem pretende retirar um ano de liberdade a milhares de jovens, colocando a sua vida à disposição do Estado, é que tem a obrigação de dar substância ao seu argumento, em vez de se ficar por umas ideias vagas e umas utopias poéticas.

O primeiro argumento, que é o que está implícito nas declarações do ministro, não passa de um disparate totalitário. O SMO sai mais barato ao Estado pela simples razão de que não se tem de pagar devidamente aos jovens recrutados. Ou seja, só é mais barato se não se contabilizar o custo para os jovens que é ter de ir à tropa. Se alguém apenas estava disposto a ir à tropa pelo salário de X euros e é obrigado a ir de borla, então o custo para esse jovem é X. E, como o Estado somos todos nós, esses X euros devem fazer parte das contas. Só se o valor da liberdade desses jovens for excluído das nossas contas, é que se concluirá que o serviço militar obrigatório sai mais barato. Mas isso corresponde a uma visão totalitária da sociedade que, sendo normal no Partido Comunista, surpreende vindo de um ministro socialista.

No fim, isto devia ser muito simples. Se os portugueses não estão dispostos a pagar impostos suficientemente altos para terem umas forças armadas profissionais com tantos recrutas como o ministro quer, cabe ao ministro convencer-nos de que estamos enganados ou então convencer-se de que está ele enganado.