Trump dá mau nome à direita. Não é o único. Há também Marine Le Pen, Nigel Farage e demais hipócritas do Brexit, ou Viktor Órban e restantes nacionalistas do leste e do norte europeu. Mas, hoje, Trump é o ponta-de-lança desta equipa internacional de políticos de direita que, estando na primeira fila do acesso ao poder, se definem como inimigos da globalização e, não raras vezes, das liberdades republicanas – pondo em causa a livre circulação de pessoas e bens, a separação de poderes, a democracia representativa, a promoção do pluralismo e a tolerância social da diferença. No fundo, sacudindo os pilares das repúblicas modernas em que vivemos, aliados em ambição aos que, à esquerda, reprovam o modo de vida ocidental – da Rússia à China, passando pelos novos marxismos europeus (Syriza, Podemos) que vão condicionando a agenda política.

Os EUA não são a Hungria e o que se passa em Washington tende, mais tarde, a acontecer no resto do mundo. Isto devia preocupar-nos, independentemente de quem os americanos elegerem. Sim, a probabilidade de Trump perder é superior à de ganhar as eleições presidenciais desta terça-feira nos EUA. Ainda bem, digo eu – apesar de Hillary Clinton. Mas, mesmo que derrotado, sobreviverão os efeitos da adesão às suas propostas e da difusão das suas provocações.

Dando um passo atrás, fica-se com a percepção de já ter visto este filme. Em 2009, com a crise económica e a falência do modelo de crescimento económico baseado no endividamento crónico, os partidos do centro-esquerda ficaram de mãos atadas e ideologicamente esvaziados. E preencheram esse vazio com a ruptura anti-sistémica defendida pelos populismos de esquerda. Na Grécia, o (quase) desaparecimento do Pasok serviu de sinal de alarme e o aparecimento do Syriza como bóia de salvação para uma esquerda à deriva. Em Espanha, o Podemos quer ocupar o espaço político do PSOE. No Reino Unido, o Labour tem Corbyn na liderança, apoiado por milícias de jovens adeptos dos encantos trotskistas. Em Portugal, o PS governa de mão dada com comunistas – com quem afirma identificar-se mais do que com os partidos do centro e oriundos da social-democracia.

É cada vez mais manifesto que o centro-direita está a percorrer um caminho semelhante de cedência ao populismo. Desgastado o modelo da austeridade e subindo de tom as tensões sociais e económicas (incluindo as causadas pela imigração), o discurso dos partidos do centro-direita refugiou-se nas respostas fáceis dos populismos anti-sistémicos – neste caso, soberanistas, proteccionistas e por vezes xenófobos. Em França, com o contágio das propostas de Marine Le Pen, que já se ouvem da boca de republicanos moderados. No Reino Unido, com a defesa do Brexit sob o mote de “orgulhosamente sós” clamado pela voz de figuras de primeira linha do Partido Conservador. E agora, nos EUA, onde o Partido Republicano preferiu o disruptivo Trump aos restantes candidatos mais institucionais.

É óbvio que os contextos nacionais diferem, que a política americana está a uma galáxia de distância da europeia e que as explicações para o momento político que se vive não se esgotam assim. Mas é impossível ignorar que a denúncia do sistema político ocidental está na raiz do populismo de um lado e de outro. O que, dito de outro modo, nos obriga à constatação de que, colocando de parte a malcriadez do americano, na substância Trump é tão mau quanto Tsipras. Têm o mesmo desprezo pela democracia representativa, pela separação de poderes, pelo pluralismo. A mesma estratégia da demagogia como atalho para o poder. A mesma rejeição da ordem internacional e da globalização. A mesma ambição de derrubar o status quo político. Mas não o mesmo tratamento no debate público: um é temido, o outro é amado. Talvez seja, portanto, de aproveitar a oportunidade das presidenciais americanas para aprender a lição: enquanto a censura dos populismos for selectiva, contra os de direita mas tolerando os de esquerda, as nossas liberdades permanecerão sob ameaça.

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