Tudo isto é deprimente. E por um instante apetece-me ficar por aqui. É tudo deprimente, de facto, do princípio ao fim. Do assessor governamental que, antevendo que seria o próximo da lista a ser triturado para salvar a pele do pequeno chefe, agiu como um kamikaze, ao ministro que ameaça pessoas de bordoada, que usa os serviços secretos como quem chama um canalizador para resolver um problema que era seu. De um Primeiro-ministro a fazer demonstrações de autoridade, qual macho alfa ou sapo cheio de ar, como quem quer ser boi, a um presidente da República a responder a jornalistas no meio da rua, não tendo absolutamente nada para dizer, com a boquinha empapada de sorvete, e declarações mais ou menos solenes no dia seguinte, humilhando o (já anteriormente humilhado pelo Primeiro-ministro) apatetado ministro da pancadaria, como quem bate em mortos cujo cadáver nem se consegue tirar do meio do caminho, ou fazendo o enésimo aviso de que agora (ao fim de sete anos, senhores!) vai passar a estar mais atento e vigilante.

É verdade que a política é um jogo, como também para aí disse outra unicelular intelectual promovida a um ministério, mas mal estamos quando esse jogo não serve outra coisa que não o jogo em si. A um passo do cinquentenário do 25 de Abril, talvez tenhamos chegado ao sumo de tudo o que produzimos: dois inúteis que o povo e as elites adoram e tratam como príncipes, como génios, uma parceria para coisa nenhuma que não o poder pessoal dos dois e um país à cabeceira, a assistir a tudo de camarote, enquanto conta os trocos para a bica. Não houve, numa semana inteira de jogadas, tácticas, insinuações, sopros à imprensa e mensagens oficiais, não houve, dizia, a mais pequena névoa de substância, de um propósito, de uma ideia que nos desse a entender que tudo aquilo nos dizia de facto alguma coisa, que podia ser, de uma forma ou de outra, importante para as nossas vidas. Não era. Nada daquilo revelou mais nada que não isto: as instituições democráticas estão a chegar a um grau de seriedade e dignidade equivalente à aldeia dos macacos do zoológico.

Haverá quem diga que tudo isto traz um aroma a fim de ciclo, até a fim de regime. A ideia é tentadora, mas não parece certa. Costa e Marcelo, Marcelo e Costa, os melhores políticos das suas gerações, as sumidades da descrispação, são, na verdade, o espelho fiel de um país que os elegeu massivamente precisamente com o propósito de, por um lado, não alterar a situação e, por outro, de nos entreter. No fim do espectáculo, sobra tudo o que era importante para a generalidade: um ministro morto, um Governo incapaz, saudável e agradavelmente incapaz, um Primeiro-ministro que manda, um Presidente que faz sorrir.

Dir-me-ão que a partir de agora tudo será diferente. Há quem fale num novo tipo de presidência, num Governo fragilizado, em dissolução no horizonte. Não nego à partida o que desconheço, mas julgo mais ou menos evidente que nada será diferente. Substancialmente, nada será diferente. Daquela comissão de inquérito à TAP, de onde se espera que continuem a sair notícias demolidoras para o Governo, já ninguém espera mais nada para além da confirmação semanal do lodo em que caímos, e o Primeiro-ministro reforçou na semana passada a ideia de que é nesse lodo que pretendemos manter-nos, já que suspeito mesmo que tenha tido, lá no fundo da nossa consciência colectiva, uma atitude apreciável de autoridade e poder. E o presidente que descaramento tem para vir agora dar más notícias, apontar defeitos e erros, a um Governo que é, ele próprio, um desastre desde o início, mas que o presidente suporta com amor e dedicação há sete anos? Com que cara de pau virá agora o presidente das boas notícias denunciar as falhas, sobretudo quando ele foi precisamente eleito para não o fazer?

O produto de tudo isto é a situação, e é a situação o seu produtor: um país que, numa Europa economicamente parada, vende números singulares absolutamente medíocres como grande sucesso; as instituições capturadas pela clique; brutos promovidos a governantes; e, acima de tudo, um país que nem bem, nem mal, antes pelo contrário. Temos exactamente aquilo que pedimos, aquilo em que votámos e cuja existência nem sequer podíamos ignorar. Quem não gostar que emigre – ou que engula um sapo e assente praça no PS. Tudo isto é deprimente.

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